A história das Havaianas já tem 57 anos de conquistas, sendo que inclusivamente inventaram os flip-flop. Ao longo destes anos, como é possível uma constante reinvenção da marca e do produto?
O primeiro par de Havaianas nasceu em 1962, inspirado nos chinelos de dedo japoneses tradicionais chamados Zori, cujas solas são feitas de palha de arroz. O grão de arroz inspirou a textura da sola de borracha, um dos diversos detalhes que fazem das Havaianas uma marca inconfundível.
No início, apenas existiam Havaianas azuis e brancas, mas em 1969, devido a um erro de produção, foi feito um lote verde e branco. A nova cor foi um sucesso e abriu um leque de possibilidades para o hoje famoso arco-íris da marca. A primeira inovação foi então resultado de um acaso.
Os primeiros prints nascem no início da década de 90, com a chegada às nossas fábricas de uma tecnologia até então inexistente. Os consumidores queriam mais diversidade e oportunidades de usar as suas Havaianas.
Em 1998 as Havaianas abraçam outro ícone brasileiro: o futebol. Nascem as Havaianas Brasil, ostentando a bandeira do país, para apoiar a seleção brasileira de futebol no Mundial. A vitória foi para a França, mas a linha Havaianas Brasil é campeã de vendas até aos dias de hoje.
O glamour de Hollywood inspirou outra das linhas femininas das Havaianas, as Slim, com uma tira mais fina e elegante: no ano de 2003, todos os vencedores dos Óscares foram presenteados com uma Havaiana com decorações a ouro, para tirar os sapatos e continuar em grande estilo a desfilar na passadeira vermelha.
Quase 60 anos após a produção do primeiro chinelo, a Havaianas lança a sua linha de têxtil, embarcando na viagem para se transformar numa verdadeira marca de lifestyle. Conta agora também com uma linha extensa de acessórios, dos quais fazem parte os óculos de sol, lançados em 2017 em parceria com a Sáfilo.
Atualmente, já podemos “vestir” Havaianas dos pés à cabeça. O que procuramos ao longo de todos estes anos é inspirar-nos nas pessoas que servimos: os utilizadores da nossa marca. É esse o segredo da eterna juventude: estar atento ao que pedem e esperam de nós.
“O QUE PROCURAMOS AO LONGO DE TODOS ESTES ANOS É INSPIRAR-NOS NAS PESSOAS QUE SERVIMOS”
Os chinelos Havaianas são reconhecidos em todo o mundo. Como é que um produto tão simples – aparentemente – se pode tornar num “must-have” para muitas pessoas?
A Havaianas tem um percurso muito pouco usual, quando pensamos na forma como a grande maioria das marcas lifestyle aborda os consumidores: começou de baixo para cima.
Quando foram lançadas, em 1962, as Havaianas eram literalmente o “calçado das classes pobres do Brasil”. Era a única opção que as pessoas tinham para não andarem descalças. E com uma excelente qualidade: ao serem de borracha (e não plástico, como as marcas concorrentes), não queimam os pés, não se deformam, e têm um conforto que dura por muitos anos.
Existe inclusive um aspeto curioso na história da marca: durante os períodos de hiper-inflação no Brasil nos anos 80, as Havaianas foram colocadas pelo Governo na cesta básica de consumo, controlando assim o custo para os consumidores, juntamente com itens básicos como o pão, o arroz e o leite. Mas a verdade é que as Havaianas eram apelativas não só para as classes mais baixas, como para o “topo da pirâmide” das classes sociais. E na década de 90 a Alpargatas decide tirar partido disso mesmo, desenvolvendo uma campanha de TV fortíssima, com as estrelas da Globo e do mundo do futebol brasileiro a abrirem as suas casas ao público e a mostrarem que também eles são fãs das Havaianas. É quando nasce o slogan: “Havaianas, todo mundo usa!”
As características de personalidade da marca como a liberdade, o conforto, a alegria, a simplicidade, são verdadeiramente universais e apelativas a todos, ricos e pobres, novos e velhos, homens, mulheres e crianças…. É esse o nosso segredo!
“AS CARACTERÍSTICAS DE PERSONALIDADE DA MARCA COMO A LIBERDADE, O CONFORTO, A ALEGRIA, A SIMPLICIDADE, SÃO VERDADEIRAMENTE UNIVERSAIS E APELATIVAS A TODOS”
Como definiria esta marca, e esta empresa, no que respeita à sua filosofia, que lhe garante tantos seguidores fiéis?
Quando calçamos umas Havaianas, somos imediatamente transportados para um estado de espírito de verão brasileiro: simples, descomplicado e feliz! Felicidade, alegria, liberdade, democracia, simplicidade, cor, calor… Todos estes atributos estão no ADN da Havaianas, que hoje se posiciona como uma marca de llifestyle, e todos eles são sem dúvidas fatores fundamentais para uma vida divertida e descontraída!
A nossa filosofia, enquanto empresa e enquanto marca, assenta nos nossos pilares estratégicos de inovação, sustentabilidade e hiperconectividade. No fundo continuar a fazer tudo para surpreender e manter o interesse dos nossos utilizadores. De um jeitinho simples, descomplicado e feliz!
No que respeita à sustentabilidade, a Havaianas também tem uma política forte. Fale-me um pouco deste aspeto, tão crucial atualmente, e de como a empresa implementa tais políticas.
A campanha de eco-responsabilidade da Havaianas arranca no início do séc XXI. Em 2004, começa a parceria Havaianas – IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), que tem por missão contribuir para a conservação da Fauna e Flora da Selva Amazónica, do Pantanal e da Mata Atlântica. Foram já arrecadados mais de 8 milhões de reais, através da doação de 7% do valor de venda dos mais de 14 milhões de pares Havaianas IPÊ vendidos até hoje. No ano de 2009, a Havaianas lança uma parceria com a ONG Conservação Internacional para desenvolver projetos de proteção da biodiversidade marinha em áreas especiais do litoral brasileiro. Também aqui a Havaianas doa para o projeto 7% do valor das vendas dos modelos Conservação Internacional.
Queremos cuidar do nosso futuro e das gerações dos próximos 100 anos, e para isso estamos constantemente a autodesafiar-nos para melhor utilizarmos os nossos recursos, seja em projetos tão simples como substituir as garrafas de água em plástico nas salas de reunião por garrafas de vidro, como em projetos mais ambiciosos, como transformarmo-nos num futuro próximo em produtores de produto 100% PVC free.
Acreditamos com todas as nossas forças que este é o caminho, que é a nossa responsabilidade enquanto empresa e que é sem dúvida o que esperam de nós os nossos utilizadores.
Enquanto mulher, à frente de uma empresa com uma filosofia reconhecida em todo o mundo, como definiria o seu percurso? Que dificuldades sentiu para chegar onde está hoje?
O que é que é realmente necessário para sermos bem-sucedidas profissionalmente? Esta poderia ser uma das perguntas de 1 milhão de euros que assolam a nossa existência enquanto profissionais.
Sem dúvida que é fundamental uma dedicação forte, e saber exatamente o caminho que se quer percorrer. Muito dificilmente saberemos a meta exata que queremos alcançar, mas é importante termos uma direção definida, para podermos fazer escolhas ponderadas quando chegarmos às encruzilhadas. Mais do que sorte, é ter as ideias claras e ser fiel aos nossos instintos. Nós as mulheres temos uma voz interior que sabe muito bem o que nos diz.
Obviamente ao longo dos anos tive desafios variados para ultrapassar, mas creio que o mais difícil terá sido logo ao início. A minha primeira experiência profissional foi na área do Grande Consumo, numa das maiores multinacionais da área, no departamento de vendas, como Key Account Manager. Resulta que na época, era ainda um setor / departamento dominado por homens, o que implicava que eu chefiava uma equipa de vendedores com uma média de idades de mais de 20 anos em relação a mim. E em um ou outro caso (felizmente muito poucos) tive de lidar com o preconceito da idade e do género. E nesses casos temos de ganhar a equipa; se forçarmos a liderança simplesmente porque se é a chefe nunca os conseguiremos levar connosco!
Esse foi sem dúvida o fator crucial para chegar até aqui: as equipas que me acompanharam ao longo destes anos. Ninguém consegue ser bem-sucedido se não tiver uma equipa de alta qualidade ao seu lado, e realmente posso dizer que tive pessoas fantásticas com as quais tive o privilégio de trabalhar. Ninguém chega ao topo sozinho; ou pelo menos não fica lá muito tempo!
Os cargos de liderança ainda estão mais disponíveis para homens?
Historicamente os homens têm vindo a predominar em posições de liderança nas organizações, o que não lhes confere maior vantagem face às mulheres no desempenho de papéis de liderança. Existem características essenciais num bom líder que se encontram mais facilmente no género feminino que no masculino, ao adotarem um estilo mais democrático, de encorajamento e envolvimento, partilha de poder e de informação e desenvolvimento da equipa.
É difícil definir com clareza o que distingue as mulheres dos homens em cargos de liderança, mas o certo é que há ideias enraizadas na sociedade de que a chefia feminina é mais branda que a masculina. Acredita-se que as mulheres são mais sensíveis, expressivas e os homens mais contidos e, por isso, mais racionais e capazes de tomar decisões.
A contribuição da liderança feminina para o desenvolvimento das organizações já está a ser medida e comprovada. Estudos recentes revelam que a diversidade de género na administração de uma empresa impulsiona a performance e aumenta as receitas.
E a própria sociedade está a ultrapassar os preconceitos de género, que tiveram as suas raízes em situações sociais e familiares que já não se adequam à realidade dos dias de hoje.
É ainda utópico dizermos que, nas sociedades da Europa do Sul, o “peso” da gestão familiar é distribuído igualmente entre ambos os géneros, mas estamos claramente a melhorar em fatores muito importantes como o acesso à educação por parte das mulheres, e o step-up dos pais no cuidado da casa e dos filhos. A verdade é que somos ainda uma sociedade de “Super Mulheres”!
Como vê o panorama social e empresarial português, no que respeita às mulheres nos cargos de liderança?
Vivemos ainda na sombra de um passado recente em que as mulheres cuidavam exclusivamente da família e da economia doméstica, sendo o sustento de casa proporcionado pelos maridos. Esta era a geração das nossas avós. Já na geração das nossas mães, as mulheres entram em força no mercado de trabalho, abrindo caminho para a nossa geração, onde o acesso à escolaridade é proporcionado em pleno para ambos os géneros.
Estatisticamente sabemos que as mulheres representam mais de 40% dos empregados no país, mas que menos de 30% dos cargos de liderança nas empresas estão nas mãos de mulheres. Estas estatísticas são ainda mais penalizadoras se pensarmos nos conselhos de administração das empresas cotadas em bolsa: menos de 15% destes cargos são ocupados por mulheres.
No entanto, temos casos brilhantes e encorajadores de Liderança no Feminino em Portugal. São (cada vez mais) mulheres fantásticas, que nos demonstram diariamente que a liderança não é uma questão de género: é uma questão de competência, de preparação, de trabalho árduo e de fé, em si mesmas e nas equipas com que trabalham.