A PH NEUTRO iniciou a sua atividade em 2009, celebrando por isso o seu 15º aniversário este ano. Ao longo deste tempo, que análise faz à importância que é dada à área da Conservação e Restauro no nosso país?
A PH NEUTRO iniciou a sua atividade em 2009, com o objetivo claro de colmatar uma lacuna existente no mercado nacional de uma empresa especializada em Conservação e Papel e Fotografia, que apoiasse Arquivos, Museus e Bibliotecas na preservação dos seus acervos documentais e fotográficos. A experiência de vários anos a trabalhar nesta área tornou-nos conscientes do muito apoio que estas instituições necessitavam, não só na organização e conservação dos seus acervos, mas também no apoio concreto aos seus técnicos de Conservação e Restauro quanto aos melhores materiais e procedimentos a utilizar e quanto à apresentação de soluções concretas para a preservação das suas coleções. A Conservação e Restauro é uma atividade indispensável à proteção e valorização do património cultural, permitindo a sua salvaguarda e acessibilidade às gerações futuras, desempenhando portanto um papel essencial na memória e identidade cultural de um país. A conservação é um compromisso com o passado, mas também com o futuro, porém, ao longo dos últimos anos notamos que a importância dada em Portugal a esta área continua deficitária, não sendo uma área valorizada, nem entendida como uma área prioritária. Nos últimos 15 anos houve uma evolução de imensa oferta em termos académicos nesta área, existindo muitos cursos universitários, mestrados e doutoramentos, no entanto, a criação de postos de trabalho nas instituições detentoras de património não acompanhou a saída da universidade desses licenciados, não os conseguindo integrar no mercado de trabalho, e quando o fez fê-lo geralmente em condições
muito precárias. Há ainda muito caminho a percorrer, que reconheça a importância desta área, e que dê à Conservação um lugar de centralidade nas políticas patrimoniais e nas instituições com coleções patrimoniais à
sua guarda.
Que importância tem, para museus, arquivos e salas de conservação de memórias fotográficas ou em papel, o vosso trabalho?
O trabalho que realizamos é essencialmente na área da Conservação Preventiva. Trata-se de conservar preventivamente, estabilizando as coleções e prevenindo ou retardando a sua deterioração, aumentando
a sua esperança de vida, bem como a sua acessibilidade às gerações vindouras. A conservação preventiva é de uma disciplina recente que se tem vindo a impor em todo o mundo como metodologia essencial na
preservação de coleções patrimoniais. Esta metodologia permite atuar sobre as coleções em vez de apenas sobre um objeto, reduzindo custos e permitindo intervenções mais abrangentes. Permite organizar e salvar muitas coleções que de outra forma se perderiam. O nosso trabalho incide essencialmente na conservação de coleções
documentais e fotográficas pertencentes a instituições e empresas, mas notamos também um interesse crescente por muitos particulares que desejam preservar os seus “tesouros” de família, tais como cartas,
fotografias, desenhos, gravuras ou bilhetes postais. A organização de arquivos institucionais é uma das vertentes mais fortes da nossa empresa e um dos projetos que desenvolvemos entre 2016 e 2017 ‘Recuperar a Memória em S. Nicolau: projeto de recuperação, organização e difusão do Arquivo Histórico da Paróquia de S. Nicolau’, um bom exemplo do trabalho que desenvolvemos com regularidade. Milhares de documentos e livros depositados há anos em arcas no coro alto da igreja relativos à paróquia de S. Nicolau aguardavam por atenção. Necessitavam de ser estudados, mas também conservados: limpos, organizados e reacondicionados de forma a serem preservados para os próximos séculos, bem como acessíveis para consulta, estudo e investigação. A intervenção que realizámos contemplou a intervenção de conservação preventiva, nomeadamente, a higienização da
documentação e o seu reacondicionamento em caixas com qualidade arquivo, a análise e descrição documental em base de dados; e a sua divulgação através de Plataforma online (PAPIR). Todas estas ações permitiram preservar este importante espólio, trazendo para o domínio público, milhares de registos, com informação
relevante sobre a história e atividade desta congregação religiosa. Da análise da documentação, emergiram testemunhos de extraordinário interesse histórico, transversais a várias áreas do saber, desde a religião à medicina, da arquitetura ao ensino. São testemunhos de quatro séculos de história, de devoção e culto, de caridade e assistência social, de transformações, calamidades, crises sociais e económicas do séc. XVII ao séc. XX, justificando amplamente o seu tratamento e conservação. Acreditamos que este trabalho exemplifica de forma excepcional a importância da Conservação, revelando como atua nas coleções, organizando, preservando e dando visibilidade a acervos que sem este trabalho se perderiam irremediavelmente. Nos últimos anos a PH NEUTRO tem sentido um interesse crescente por esta área. No mundo atual em que o Google reina e em que a
velocidade e os avanços no domínio do digital permitem o acesso a muita informação e à sua utilização de forma imediata, a História e as memórias do passado foram caindo em desuso. Contudo, há hoje, um claro movimento de recuperação do passado. Voltou-se a dar valor aos objetos que têm história, ao que não passa, ao que permanece. Notamos este revivalismo na moda (roupas vintage), na música (o regresso ao vinil e às músicas de outras gerações), nas artes, na fotografia (as Polaroid) e, também, no interesse crescente pela salvaguarda de documentos e fotografias de família. Nos últimos anos temos dado apoio a muitos particulares na preservação dos seus arquivos familiares contribuindo dessa forma para que a memória individual e coletiva seja mantida e passada às próximas gerações.
Que projetos já desenvolveram em Portugal? E internacionalmente?
Ao longo dos últimos anos, a PH NEUTRO tem trabalhado de perto com as principais instituições culturais portuguesas, com o objetivo de ajudar a salvaguardar as suas colecções fotográficas, bibliográficas e documentais. A nossa equipa multidisciplinar é composta por técnicos com formação em História da Arte e em Conservação e Restauro, o que permite acompanhar e responder de forma profissional e objetiva às
necessidades específicas de cada instituição. Entre os trabalhos que realizámos contam-se a organização e
conservação do acervo documental e fotográfico da escritora Fernanda Botelho (2012-2020, 2022-2023), o projeto de Recuperação, conservação e difusão do arquivo histórico da Paróquia de S. Nicolau, em Lisboa (2016-2017), a criação do Arquivo Fotográfico de um colégio privado em Lisboa (2018-2019), a intervenção de Conservação e Restauro a 2700 espécies fotográficas da Coleção Ganesh Studio, pertencente à Fundação Oriente, em Lisboa (2021), o projeto de Conservação de espécies fotográficas do espólio Alberto Carneiro
pertencente à Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa (2022), a elaboração do Plano de Conservação Preventiva para o Museu da Fábrica da Pólvora Negra, em Barcarena, Oeiras (2017), o restauro de diversos livros de registo pertencentes à Santa Casa da Misericórdia de Melo (2021-2023), entre muitas outras intervenções de Conservação e Restauro a livros, documentos e fotografias particulares. Promovemos também com regularidade ações de formação em Conservação de Papel e Fotografia, abertas a técnicos de Museu e
Arquivo, mas também a todas as pessoas interessadas sobre esta área. A nível internacional desenvolvemos também um importante projeto de criação de Laboratório de Conservação e Restauro de Papel para empresa angolana, a par de ações de formação em Conservação de Papel para os seus técnicos, Luanda (2013-2016).
Contando que Portugal é um país rico em histórias e memórias, parece-lhe que deveria ser dada outra atenção e relevo à área da Conservação e Restauro? Através de que medidas?
Sem dúvida. Trata-se de uma área que necessita de visibilidade e atenção, e que deveria ser muito mais valorizada, pois dela depende a manutenção e preservação do nosso património. Atualmente muitas instituições não tem um conservador restaurador que cuide das suas coleções, não só por falta de meios financeiros, mas também por algum desinteresse por parte do Estado. Em muitas instituições muitos técnicos de Conservação altamente qualificados trabalham em situações de enorme precariedade, com recibos verdes ou com bolsas da FCT, sem garantias de continuidade nas instituições onde desempenham as suas funções, pelo que a criação de um lugar de conservador restaurador a par do lugar de curador, com vínculo de trabalho a longo prazo nos Museus e outras instituições detentoras de coleções patrimoniais, seria essencial. Trata-se de uma forma de pôr em prática o dever de conservar, preconizado na lei quadro dos Museus Portugueses (artº 27), e só possível de concretizar com a presença de um conservador restaurador nos seus quadros a tempo inteiro. A falta de abertura de concursos na função pública a nível externo e a reforma nos últimos anos de muitos técnicos de conservação e restauro têm contribuído também para uma enorme lacuna de técnicos especializados nas instituições. Como exemplo, quer a Torre do Tombo quer a Biblioteca Nacional, duas instituições de referência na área da
conservação de Documentos Gráficos, viram o número dos seus técnicos de conservação nos últimos anos reduzir de forma substancial, dificultando as intervenções de conservação aos seus acervos e assim a sua preservação e acessibilidade. Desde há muito tempo que museus e monumentos necessitam de recursos humanos que lhes permitam assegurar a conservação das suas coleções, mas sente-se dificuldade de integração e aproveitamento destes profissionais pelas empresas e organismos do setor público. A reativação de laboratórios de conservação e restauro desativados por falta de pessoal, mas bem equipados como o do Arquivo Histórico
Ultramarino ou o da Academia das Ciências seria outra medida importante. Dessa forma poder-se-iam aproveitar recursos já existentes, como estes espaços bem planeados e bem equipados, não só para a manutenção das suas coleções, mas que também poderiam ser rentabilizados realizando trabalhos para o público em geral, bem
como integrar técnicos de Conservação e Restauro nesses espaços, dinamizando-os bem como ajudando à manutenção e preservação dos seus acervos. Uma importante medida concretizada em Dezembro de 2023 foi a
abertura pela DGPC de procedimento concursal para a contratação de 20 técnicos de Conservação e Restauro para o Laboratório José de Figueiredo, criado em 1965, em Lisboa. Este laboratório que foi durante muitos anos uma instituição onde trabalhavam várias dezenas de técnicos de conservação e restauro, e que gozou de enorme prestigio em Portugal, encontrava-se quase inativo, sem recursos humanos, temendo-se a sua extinção. Esta decisão permitirá reativar 13 áreas diferentes de conservação, como a conservação e restauro de pintura, escultura, ourivesaria, mobiliário, têxtil e papel, bem como o trabalho em laboratório, nas componentes de biologia, química, física e fotografia, e dinamizar com a entrada destes novos técnicos qualificados esta instituição. Devolverá também a este laboratório, a referência nacional em assuntos de Conservação e Restauro, a importância devida, e o apoio concreto a todos os museus portugueses e à Conservação em Portugal.
O Dia Internacional do Conservador-Restaurador comemora-se no dia 27 de janeiro. Como pode a celebração deste dia ajudar a sensibilizar para a importância do nosso património?
Todas as iniciativas que divulguem esta atividade são essenciais. Permitem dar a conhecer ao público a profissão e a atividade da Conservação, e sensibilizar o público sobre a importância da conservação do nosso património cultural. O nosso lema e missão “Conservando Memórias” reflete também este desejo e consciência de valorização e preservação da História e de todo o nosso património que nos torna únicos. Num mundo global e globalizado, a diferença acontece com a preservação e conhecimento do passado. Conservar a História e as
memórias é a melhor forma de dignificar o presente e de potenciar o futuro.