“A maioria dos ateliers vivem da Arquitetura anónima e utilitária”

A Ôco Arquitetura desenvolve projetos para habitação particular, comércio, restauração, e ainda outras construções, como centros educativos. No entanto, o que marca o seu trabalho é o desenvolvimento de uma Arquitetura utilitária, que se propõe resolver problemas práticos, como a legalização de edifícios. O arquiteto João Bucho, cofundador do projeto, explica como se caracteriza este atelier.

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Equipa Ôco Arquitetura

Como caracteriza a Arquitetura desenvolvida pela Ôco?

A Arquitetura que nós fazemos tem sempre um princípio-base: ser útil. Por essa razão, temos tido um pouco mais dificuldade em criar uma Arquitetura que podemos mostrar. Quando iniciámos a Ôco, há quase 20 anos, o país atravessava uma crise e não nos foi possível concorrer a concursos públicos, por exemplo. Em vez de uma Arquitetura mais artística, o arranque do nosso trabalho baseou-se numa Arquitetura utilitária, que nos permitiu sobreviver. Por isso, além de ética e estética, a nossa Arquitetura era utilitária e anónima.

Como foi o percurso da Ôco até ao momento? Continuam a fazer uma Arquitetura utilitária?

Nós começámos o nosso percurso por fazer muitos trabalhos úteis, como legalizar um edifício, uma marquise. Ao mesmo tempo, porque os clientes assim o permitem, fomos criando projetos que, além de serem úteis, ficaram
mais fotogénicos. No entanto, na Arquitetura, há algo que nós sempre gostámos de provocar: surpresa. À medida que nos libertávamos do espartilho da utilidade, surgia mais liberdade para nos dedicarmos à ética e à estética, que
resulta numa Arquitetura mais poética, mais surpreendente. Isso percebe-se em pequenos detalhes, como uma porta que está meio escondida, ou que é demasiado estreita, contrastes volumétricos, utilização criativa de materiais, exploração simbólica e poética das formas e ambientes.

Esta necessidade de utilidade é algo sobre o qual não ouvimos muitos arquitetos falarem. Há espaço para este tipo de trabalho, no mercado?

Claro que sim, aliás o que eu acho é que o nicho é a Arquitetura fotogénica, que sai nos media e que é publicada. 80% dos ateliers de Arquitetura fazem esta Arquitetura utilitária e anónima de que lhe falo. A questão é que o que
chega às pessoas é aquilo que aparece nas redes sociais. Isso leva a que a população julgue – erradamente – que a Arquitetura fotogénica é aquilo que os arquitetos fazem quando, na verdade, existe muito mais Arquitetura utilitária do que Arquitetura artística. Esta ideia enraizada tira trabalho a todos os arquitetos.

A Ôco Arquitetura teve um projeto indicado para o Building of the Year, do Arch Daily. O que diferencia dos demais?

Trata-se de um edifício, em S. Bento, cujo cliente é uma empresa brasileira que veio para Portugal investir em imobiliário. Como a intervenção no exterior do edifício foi muito condicionada, dedicámos o nosso esforço ao detalhe e aperfeiçoamento do desenho interior, que resultou em espaços mais sofisticados, ambientes mais criativos e comunicativos. As escadas são o exemplo dessa aposta diferenciadora. Provavelmente, foi isso que fez com que o Arch Daily se interessasse pelo projeto.

Existem dois aspetos que reinam nos projetos arquitetónicos – a sustentabilidade e a integração dos elementos naturais. Parece-lhe que estes ele mentos podem fazer a diferença na Arquitetura?

Sim, a escolha dos materiais é sempre importante, sejam eles recicláveis, sustentáveis ou naturais, embora isso seja uma componente que se note a longo prazo, o que na economia portuguesa é mais difícil de perceber.
Procuramos utilizar, ainda assim, materiais portugueses, como a pedra, a madeira, mas também cerâmicos e equipamentos sanitários e, sempre que possível, materiais da zona.