O iBiMED celebra o décimo aniversário este ano. Nesta década, que evolução existiu no que respeita à área do ADN?
Aqui em Aveiro, foi um período fundamentalmente de implementação da infraestrutura, desde os robots para extração do ADN, até ao cluster de computação para análise de dados. Por outro lado, foi necessário treinar as
pessoas, e estabelecer os protocolos laboratoriais e bioinformáticos. Foram 10 anos bem aproveitados!
Que impacto tiveram os novos conhecimentos que se foram obtendo em termos científicos, na possibilidade de desenvolver, por exemplo, novos e mais adequados tratamentos para determinadas doenças?
A palavra-chave não é tanto “novos”, porque a busca por tratamentos novos é transversal a todas as ciências biomédicas, mas principalmente a palavra “adequados”. A ideia principal, subjacente à utilização da informação
contida no nosso genoma para efeitos clínicos – a chamada Medicina Genómica, é sermos capazes de estudar o genoma de uma pessoa e tirar conclusões relevantes para a sua Saúde. Por exemplo, na Farmacogenómica, poderemos antecipar qual a dose necessária de um determinado fármaco ou prever o risco de efeito adverso grave.
O laboratório que coordena está integrado no consórcio GenomaPT. Quão importante é este trabalho laboratorial, que já leva dezenas de anos, para a sequenciação do ADN? Que novas áreas, na Saúde, estas descobertas podem criar?
Do ponto de vista da Medicina Genómica (e da Genómica em geral, mesmo que não aplicada à Medicina), o aparecimento do Roteiro para as Infraestruturas de Investigação, financiado pela FCT, foi uma oportunidade totalmente única em Portugal. Este financiamento permitiu equipar 11 laboratórios, de norte a sul de Portugal, com tecnologias de sequenciação à escala genómica, mas também formar e manter os recursos humanos altamente qualificados que são necessários. O trabalho que estes laboratórios fazem é a base de sustentação desta nova Medicina. São inúmeras as áreas emergentes: Diagnóstico Genético, Genómica Populacional e
cálculo de risco, Farmacogenómica, Epigenómica, estudo do microbioma, etc. Na sua essência, estas áreas não são novas, mas nasceram todas da capacidade de sequenciar ADN à escala do genoma. São já uma realidade
em muitas especialidades da Medicina (a começar pela Oncologia), mas são cada vez mais transversais. Vão tornar-se, seguramente, a forma predominante de fazer Medicina.
“São inúmeras as áreas emergentes: Diagnóstico Genético, Genómica
Populacional e cálculo de risco, Farmacogenómica, Epigenómica,
estudo do microbioma, etc. Na sua essência, estas áreas não são novas, mas nasceram
todas da capacidade de sequenciar ADN à escala do genoma. São já uma realidade
em muitas especialidades da Medicina (a começar pela Oncologia), mas são cada vez
mais transversais. Vão tornar-se, seguramente, a forma predominante
de fazer Medicina”.
Como caracteriza Portugal enquanto país voltado para a área científica de vanguarda? Temos margem para melhorar a nossa posição neste setor, a nível global?
O principal constrangimento é financeiro. Sequenciar genomas ainda é caro e só países com agendas científicas muito bem definidas é que arriscam fazê-lo em larga escala. Há, no entanto, alguns países que o estão a fazer, e
começam a surgir estudos que associam a Medicina Genómica a poupanças efetivas nos orçamentos dos sistemas de saúde, por via de uma melhor estratificação das populações-alvo e maior rentabilização dos tratamentos. O exemplo clássico vem da Oncologia, onde a estratégia terapêutica é cada vez mais desenhada com base nas características genéticas das células tumorais, o que leva a uma maior eficácia e à redução de custos. O maior risco é que os constrangimentos financeiros condicionem a nossa autonomia tecnológica,
que nos permite estar na linha da frente.
Uma vez que os cientistas nacionais estão integrados num consórcio mais amplo, é possível discutir a possibilidade de se trabalhar para uma medicina personalizada, no futuro? Está Portugal preparado e capacitado, nos seus recursos humanos e técnicos, para tal mudança?
De acordo com o relatório que foi publicado em 2023, no âmbito da iniciativa PT-MedGen, do INSA, ainda há pouca preparação dos profissionais de saúde para esta realidade. São raros os cursos superiores com oferta curricular em Genómica, pelo que há uma evolução importante que ainda tem que ser feita pelas universidades portuguesas ao nível da formação. Outro constrangimento é a falta de consultas de aconselhamento genético. Como o nosso regime legal obriga a que qualquer tomada de decisão associada à Genética seja feita nestas consultas, a sua escassez limita o acesso das pessoas a esta Medicina e/ou condiciona a legalidade de muitos atos médicos, que acabam por ser feitos noutro âmbito.
No futuro, será possível prevenir doenças baseado no estudo do ADN e assegurar uma prevenção atempada de qualquer tendência causada por uma determinada característica genómica? Isso pode impactar diretamente a economia da Saúde, na medida em que teremos uma redução de custos diretamente associada à capacidade de prevenção e à inexistência da necessidade de tratamento?
Claro! Os exemplos que dei atrás comprovam-no, mas posso acrescentar mais um. Estima-se que existam mais de 1300 doenças genéticas recessivas na nossa espécie. Cada uma delas é rara, mas globalmente, elas afetam 1 em cada 33 crianças que nascem. E isto já não é raro, nem barato! Cada nascimento destes comporta um custo acrescido, para o Estado ou para a família! Estas crianças nascem porque os seus pais são portadores para a mesma doença e não sabem. Para algumas destas doenças já foram feitos estudos que provam que a deteção de
portadores antes dos casais terem filhos ajuda a prevenir muitos casos e até a diminuir a frequência de portadores na população. A sequenciação genómica permite verificar, para qualquer casal, se há alguma doença recessiva conhecida para a qual ambos sejam portadores, contribuindo para que haja cada vez menos casos. E ainda estamos a poupar dinheiro!