As medidas da Agenda do Trabalho Digno entraram em vigore são cerca de 70, cujo objetivo central é combater a precariedade laboral. Parece-lhe que estas medidas são suficientes para o objetivo traçado?
No que diz respeito a medidas de proteção aos trabalhadores e combate à precariedade laboral, devemos traçar sempre o equilíbrio. O combate à pobreza e exclusão social, a defesa de melhores condições de vida, quer a
nível pessoal, quer a nível familiar para os trabalhadores em Portugal deverá ser sempre o nosso objetivo primeiro enquanto sociedade, sem descurar o papel de empregadores das entidades patronais. Esta Agenda
do Trabalho Digno é um exemplo, representando pelo menos um progresso face à anterior legislação laboral.
Que medidas destaca como aquelas que mais impacto poderão ter junto das empresas e dos trabalhadores?
Penso que, para além do reforço dos salários, as medidas que são de salutar são as que definem que o valor das compensações por despedimento coletivo e por extinção de posto de trabalho passem dos antigos 12 dias de retribuição base e diuturnidades por ano para 14 dias por ano, bem como as indemnizações por cessação dos contratos a termo dos antigos 18 para 24 dias. Creio que são medidas que dão ao trabalhador o tempo necessário para não só encontrar um novo posto de trabalho, mas também para que estes possam ser tratados com maior dignidade após o término de um vínculo laboral, especialmente para aqueles que são contratados a termo, algo que passou a ser regra aquando da contratação laboral. Mas também ressalvo a previsão da presunção de laboralidade entre o trabalhador e as ditas apps, que à partida será feita diretamente com as empresas, como a Uber, a Glovo, a Bolt e não com intermediários. Isto é um passo importante, pois refuta a tese de que tais trabalhadores são prestadores de serviços, quando sabemos que não o são. Por fim, considero que as medidas como o alargamento do teletrabalho a pais com filhos com deficiência, doença crónica ou com doença oncológica, independentemente da idade, bem como a fixação de um valor, no contrato, para despesas adicionais com este regime, ficando por definir um limite de isenção de imposto para estas despesas, é das medidas que mais dignifica os trabalhadores.
Há medidas que passam, por exemplo, pela impossibilidade de contratação de um serviço externo quando se tratar de uma área onde, na empresa, tenham sido efetuados despedimentos. Como pode isso afetar a gestão interna das empresas, no que respeita aos seus recursos humanos?
Neste aspeto, tendo a ter uma opinião mais conservadora. Defendo que se a empresa tem nos seus quadros trabalhadores que se dedicam a uma determinada área e são competentes, não faz qualquer sentido que seja permitido dispensar esse trabalhador para contratar um serviço externo, na mesma área, muitas vezes por ser mão de obra mais barata. Contrariamente, sou da opinião de que, caso um determinado trabalhador não acrescente qualquer valor à sua entidade patronal, em caso de despedimento, não vejo qualquer tipo de
impedimento nesta contratar um serviço de outsourcing para colmatar as possíveis lacunas que os seus colaboradores possam causar.
“Da mesma forma que o trabalhador deve dispor de
todas as ferramentas de proteção jurídica necessárias
em caso de litígio, o mesmo deverá acontecer com as
empresas. É tempo de as empresas reconhecerem que
o crescimento destas depende diretamente da dignidade de
tratamento que as mesmas prestam aos seus
trabalhadores, até no momento da cessação do seu vínculo
laboral e tempo de os trabalhadores reconhecerem que aquele seu
trabalho depende do sucesso da empresa. Uma questão de
equilíbrio mas, sobretudo, de mentalidade”.
O desincentivo à contratação a termo pode vir, de facto, a criar uma maior estabilidade laboral, consequentemente um maior vínculo à empresa por parte do trabalhador, o que leva a um aumento da produtividade laboral, dado que o trabalhador sente mais segurança no seu posto de trabalho?
Absolutamente. Um trabalhador que sente segurança também transmitirá mais segurança. As empresas só têm a ganhar. A partir do momento em que alguém é contratado e sabe, à partida, que dentro de 6 meses, 1 ano, o seu contrato cessará, não entregará à sua entidade patronal todo o seu empenho. Inevitavelmente, sabe que, salvo raras exceções, não terá lugar na empresa após o término do contrato. Como já havia dito, os contratos a termo devem ser sim, a tipologia de contrato das empresas, mas para casos excecionais e não se tornar a regra no seu processo de contratação.
Esta nova legislação traz um verdadeiro equilíbrio entre empresas e trabalhadores ou, pelo contrário, há alguma das partes cuja força na relação laboral aumentou?
Qualquer alteração laboral que dignifique os direitos dos trabalhadores trará, irremissivelmente, desequilíbrios na relação laboral. Infelizmente, e para a maioria das empresas, tais alterações são sempre vistas como uma afronta, vigorando a velha máxima de que só há direitos para os trabalhadores, ficando sempre a entidade patronal numa posição desfavorável. Mas cabe às empresas motivarem os seus trabalhadores e fazê-los acreditar, como tudo na vida, que serão felizes no local onde trabalham. Acredito que estas mais de 70 medidas que a Agenda do Trabalho Digno nos traz não têm como objetivo criar maior desequilíbrio na relação jurídica laboral, mas antes colocar os trabalhadores em total harmonia com a entidade patronal.
É previsível uma maior litigância entre trabalhadores e empresas, com base nestas novas leis?
Estou em crer que, lamentavelmente, ocorrerá muita litigância entre trabalhadores e empresas. Temos muitos exemplos de grandes empresas que sugerem (para não dizer que obrigam) que os trabalhadores constituam empresas para prestarem serviços, denominando assim os contratos celebrados mas com falta de autonomia técnica, horário de trabalho e outros elementos essenciais de um normal contrato de trabalho. Há que ter coragem de proibir estas práticas.
Quando analisa o Direito do Trabalho na sua extensão, parece-lhe que o país está dotado de legislação justa e atualizada, que permita gerir as relações laborais de forma atual e equilibrada para ambas as partes, ou há necessidade de ajustes?
Estamos longe de ser um país perfeito em termos legislativos. Haverá sempre necessidade de ajustes, consoante a evolução da sociedade e as necessidades do momento. Da mesma forma que o trabalhador deve dispor de todas as ferramentas de proteção jurídica necessárias em caso de litígio, o mesmo deverá acontecer com as empresas. É tempo de as empresas reconhecerem que o crescimento destas depende diretamente da dignidade de tratamento que as mesmas prestam aos seus trabalhadores, até no momento da cessação do seu vínculo laboral e tempo de os trabalhadores reconhecerem que aquele seu trabalho depende do sucesso da empresa. Uma questão de equilíbrio mas, sobretudo, de mentalidade. E como somos latinos, nem sempre é o melhor
caminho que é escolhido, quase sempre é o que der mais jeito. E esta mentalidade deve mudar.