Porquê escolher Portugal e qual o balanço que faz da presença em território português?
João Amaral, (JA): A Voltalia é uma empresa com quase década e meia de existência a trabalhar com várias tecnologias de energia renovável, com ênfase na energia eólica. Em 2016, o grupo tomou a decisão de fomentar a aposta no setor solar fotovoltaico e perante o desígnio de crescer, era fundamental obter aquilo que podemos chamar de 3C’s: Colaboradores, Conhecimento e Competências. Foi assim que surgiu a oportunidade de entrar em Portugal, um país onde identificámos estas valências, aliadas à presença de profissionais hábeis e talentosos, que nos permitiram traçar um plano para o país como plataforma para os nossos próprios projetos, ou projetos dos nossos clientes. Aqui criámos o nosso centro de competências para a energia solar do Grupo Voltalia – SOLAR HUB, cujo balanço é sobejamente positivo. Hoje, são mais de 175 pessoas que trabalham connosco de norte a sul do país. Trouxemos a estratégia habitual do Grupo que assenta numa visão de longo prazo, onde vamos consolidar a operação como centro de competência mas também – sempre que possível – procurar o investimento em centrais de produção de eletricidade a partir de fontes renováveis.
Em tempo de pandemia, qual o papel de quem está à frente de uma empresa, quer a nível de gestão de recursos humanos, quer a nível económico-financeiro?
JA: Operamos a partir de Portugal para quatro continentes e desde cedo, fomos acompanhando o potencial impacto nas operações e negócio. Os últimos meses têm sido, de facto, únicos no que se refere à gestão de recursos humanos. Se por um lado tivemos de nos adaptar muito rapidamente a um contexto de trabalho diferente, por outro lado foi fundamental agregar esforços, aproximar virtualmente pessoas e sobretudo, criar confiança no futuro, na Voltalia e no regresso à nova normalidade de que tanto se fala.
A gestão em tempos de pandemia, a nível económico-financeiro, é um desafio para a qual normalmente nenhuma escola de gestão nos prepara, é um cenário que até hoje encontrávamos em ficção ou exercício teórico. O ponto de partida, com informação a variar a cada momento e uma incerteza que tomou e continuará a tomar, além dos negócios, os mercados.
Após a declaração de pandemia pela OMS, e aos primeiros sinais que a situação poderia evoluir rapidamente, a equipa de gestão desenhou vários cenários hipotéticos e medidas de mitigação, onde avaliámos os mecanismos possíveis e colocámos à disposição das equipas e gestão as ferramentas necessárias para poder assegurar a continuidade de operações, nesta área tão fundamental como é a eletricidade. São palavras que repercuto dos meus colegas com quem fazemos a gestão da Voltalia, o grupo conta com um balanço forte que foi fortalecido pelo significativo aumento de capital realizado poucos meses antes da pandemia ter o seu início, pelo que, se necessário fosse, teríamos a solidariedade do Grupo, dado ser firme e vincada a aposta em Portugal. Posso afirmar, com certeza, que sairemos mais fortes desta pandemia, com a já conhecida vontade de ser um ator fundamental nas renováveis de e para Portugal, juntando às várias e recentes histórias de sucesso, mesmo em período de confinamento.
Que medidas tomaram, respeitantes aos recursos humanos, durante esta crise da Covid-19?
JA: Criámos um comité multidisciplinar para responder à Covid-19. Este comité foi responsável por criar um Plano de Contingência muito detalhado, por antecipar e organizar o teletrabalho generalizado. Foi responsável pela visão de helicóptero sobre a evolução da pandemia que fomos partilhando com toda a organização. Utilizamos as ferramentas digitais que tínhamos à disposição durante a crise para comunicar atualizações, disponibilidade de equipas e pessoas. Finalmente, e desde o início de maio, este comité organizou um regresso estruturado aos escritórios, seguindo as recomendações do Governo português e preparando, através de várias sessões de esclarecimento e trabalho, a sensibilização e formação de toda a equipa para a nova normalidade que todos vivemos. O confinamento aplicou-se transversalmente. A fragilidade humana perante um vírus criou a necessária proximidade virtual, os horários esbateram-se e a expressão humana ficou transparente. Quer dizer, uma interrupção de uma videochamada por quem tem filhos, por quem tem que dar um apoio na telescola, aconteceu a qualquer pessoa e em qualquer geografia, de quem faz a operação ou gestão, num forte sentimento de um problema comum. Um problema que nos une, nos unirá e nos humaniza. Ou seja, é um verdadeiro sentimento de igualdade. Igualdade como nunca vimos. É nosso desejo um regresso ao trabalho onde todos os colaboradores possam sentir-se seguros, confortáveis e motivados por um regresso à interação presencial que terá ainda algumas limitações.
A obrigatoriedade de recorrer ao teletrabalho foi difícil de implementar na empresa?
JA: A nossa adaptação ao teletrabalho foi um passo bastante simples. Não só porque era já uma prática habitual dentro da Voltalia, mas também porque todas as condições necessárias para trabalhar remotamente estavam implementadas. Já reuníamos diariamente online e podíamos optar por trabalhar a partir de casa. Um dos maiores desafios do confinamento foi a sua duração. A decisão de replanear a agenda para várias semanas, sem ter imaginado tantas pessoas, por tanto tempo, sem qualquer proximidade social. Foi neste ponto que procurámos ter toda a equipa da Voltalia em torno dos objetivos comuns, no acompanhamento das equipas que prestam os serviços de Operação e Manutenção e que se mantiveram no ativo, nas centrais, fazendo com que o estado de emergência passasse despercebido quando ligamos o interruptor da luz em casa. Organizámos sessões de espaço social por videochamada, de partilha de dificuldades e organizaram-se sessões tecnológicas e temáticas. Inovamos. Desde março, tivemos até o início de uma receita de culinária a cada 15 dias, com emissão global em direto, unindo a comunidade Voltalia. E tencionamos manter esta última. Portanto, o teletrabalho definitivamente não foi o mais difícil de implementar. Outro exemplo, no caso da área financeira, onde prestamos serviços centrais remotamente para seis geografias, foi de facto clara a implementação do teletrabalho. A maioria dos processos já pressupõem a realidade do trabalho à distância. A interação com as equipas internacionais favorece o teletrabalho e faz-nos ser flexíveis para adaptação a outros fusos horários, o que até facilita a conjugação, muitas vezes exigente, da vida pessoal e profissional. Apesar do distanciamento social, a equipa manteve-se focada na atividade e nos resultados. O trabalho manteve-se de tal forma intenso que a opção de lay-off nunca foi equacionada. Mais, pelo contrário e em pleno estado de emergência, continuamos a contratar e a preparar a integração de novos colaboradores, recorrendo a recursos digitais.
A transformação digital será fundamental para um sucesso integral de uma empresa no futuro?
JA: A transformação digital é, já hoje, uma característica-chave, elementar para as empresas serem bem-sucedidas. Na Voltalia, aderimos à desmaterialização de processos e à prática de evitar o uso de papel – com redução quase absoluta desde há um ano. Para tal, adotámos soluções que permitem a partilha e desenvolvimento de trabalho em plataformas digitais. Continuamos hoje a trabalhar na melhoria de soluções informáticas que, naturalmente, desafiam e estimulam a evolução dos procedimentos,incluindo a robotização de processos. Esta transformação exige que utilizemos uma comunicação clara e regular onde procuramos esclarecer, inspirar e partilhar a forma como tomamos decisões, para que a confiança na gestão seja transversal a todas as áreas dos nossos negócios. A confiança das nossas pessoas nas decisões que tomamos foi, é, e será sempre algo que temos como fundamental para manter a coesão e união entre todas as equipas, trazendo-as motivadas em casa, nas centrais onde é produzida eletricidade e agora para o regresso aos escritórios. Acreditamos que a transformação que fizemos até hoje e o que temos planeado nos trará uma competitividade fundamental para a nossa atuação no sector das renováveis, o que se vai traduzir em ainda melhores e mais confiáveis serviços.
Que processos foram implementados durante a pandemia que continuarão ativos na fase de retoma?
JA: Trabalhamos em rede, numa estrutura em “malha”, onde cada um tem contacto direto entre qualquer elemento. Dado que o desconfinamento em Portugal irá ocorrer de forma diferente e desfasada de outros países onde temos atividade, acarreta que iremos manter alguns métodos de operação “Covid” durante mais algum tempo. As principais implementações durante a pandemia foram adaptações às áreas que operam com recurso a infraestruturas fisicamente localizadas nos nossos escritórios. Alteramos a forma como estes serviços funcionam, pelo que na fase de retoma – ou posteriormente – estamos em condições para funcionar na forma que melhor equilíbrio oferecer entre um serviço de excelência e uma preocupação permanente que temos com cada um de nós, com cada “Voltaliano”. Vamos manter mais comunicação entre equipas (locais, regionais e internacionais) recorrendo a videochamadas regulares, valorizando as reuniões e eficiência nos horários destas. Os processos administrativos serão no final ainda mais digitais, dado que alguns dos nossos fornecedores ainda não operavam de forma totalmente digital.
Existirá uma reorganização empresarial, agora que a Covid-19 obrigou a alterar alguns métodos e hábitos de trabalho?
JA: Costumamos dizer que a aprendizagem é permanente e é com humildade que dizemos que aceleramos o aprender de novos comportamentos na adaptação ao prolongado confinamento durante este período. Porém, isto não quer dizer que iremos alterar de tal forma os hábitos de trabalho por forma a não existir qualquer contacto social. Vamos procurar o equilíbrio e, algo que já anteriormente fazíamos, proporcionar a cada colaborador o melhor equilíbrio possível entre vida pessoal e profissional. Acreditamos verdadeiramente que é esse bem-estar excecional que procuramos proporcionar a cada colaborador um fator diferenciador neste competitivo mercado de trabalho. Tivemos, como qualquer empresa, um período de adaptação. Acredito que poderão existir reorganizações empresariais no mercado de trabalho, dentro do domínio da energia e em particular na área da eletricidade. No que à Voltalia diz respeito, a organização teve um comportamento exemplar durante a pandemia e estou seguro de que em qualquer outro desafio que nos apareça, teremos capacidade de adaptação. Somos uma organização flexível.
Como antecipam o futuro, a curto e médio prazo, no setor das energias renováveis?
JA: O futuro, a curto prazo e em Portugal, passa não só pelo segundo leilão de solar – em que tudo aponta se realize no final de Agosto do corrente ano. O leilão está próximo, mas a chegada desta capacidade à rede irá levar algum tempo, sendo que tudo indica que apenas possa acontecer no verão de 2024. Aguardamos com expectativa mais informações, porém tem sido consistente a forma como quase toda a indústria tem antecipado este leilão. Espera-se que seja igualmente competitivo face ao leilão do ano anterior,com uma procura a exceder a oferta,porém há várias alterações que mudam consideravelmente a perceção e predisposição ao investimento. Isto porque, desde logo, será um leilão com menos capacidade e com menores lotes, mas também porque as expectativas dos preços da eletricidade a médio prazo baixaram muito consideravelmente, não só pelo efeito da Covid-19 mas também porque no momento de ligação à rede destes novos lotes em 2024, teremos vários gigawatts de centrais fotovoltaicas em concorrência direta e que produzirão eletricidade praticamente em simultâneo, aumentando a oferta nos períodos de maior produção solar. Isto, inevitavelmente, conduzirá à queda dos preços em mercado, o que para um investidor se traduz em risco acrescido. Em suma, estes fatores e outros de natureza técnica, irão certamente influenciar a perspetiva perante os leilões e fazer repensar o sentido de participação.
A legislação em Portugal, nesta área, é positiva para o setor, para quem produz e para quem comercializa energia?
JA: A Covid-19 efetivamente colocou à prova a capacidade de fazermos rápido, de nos adaptarmos a condições novas. No que diz respeito à legislação aplicável ao setor elétrico, esta percorre um tradicional fluxo que não é comparável à celeridade que foi necessária para a adaptação à pandemia. Faço esta menção para responder à sua pergunta na perspetiva que a regulamentação se deve adaptar também à digitalização e às necessidades que o setor tem para trazer agilidade e competitividade que, no fim de contas, se pretende que chegue à indústria e famílias em todo o país. Por exemplo, há vários regimes disponíveis para instalação de centrais fotovoltaicas, alguns similares a outros países dentro da União Europeia e outros bastante diferentes. No caso do autoconsumo e das comunidades de energia, a regulamentação em Portugal sofre várias modificações face às restantes geografias onde operamos no que diz respeito à remuneração de excedentes. Creio que o fundamental para a perspetiva do regulador é algo que consiga zelar pelos interesses das famílias, indústria e país em consonância com a visão de médio ou longo prazo que um investidor comprometido quer ter, evitando assim que qualquer investimento feito no domínio da eletricidade ou energia, possa colocar em risco a capacidade do potencial investidor, pois tal poderá onerar indiretamente os consumidores.
Quais os maiores desafios para quem quer começar a produzir energia para transformar posteriormente em eletricidade?
JA: Eletricidade é energia mas energia pode não ser só eletricidade. Ou seja, quando falamos na energia para um automóvel esta pode ser um combustível ou eletricidade. Falando em projetos de grande escala, posso dar-lhe o exemplo de uma central de biomassa como central de produção de eletricidade. É possível fazer uma plantação que tenha como objetivo ser o recurso a utilizar, cumprindo com a regulamentação em vigor e posteriormente transformar esta biomassa em eletricidade. Isto acontece competindo com as restantes indústrias que também poderiam utilizar este recurso para outra finalidade, ou até aproveitando o calor além da eletricidade. Quando falamos de outras fontes primárias como o sol ou o vento, os maiores desafios estão hoje relacionados com a possibilidade de obter uma ligação à rede nacional de distribuição ou rede nacional de transporte de eletricidade. Estas redes irão sofrer várias aplicações para comportar mais eletricidade de fontes renováveis, pelo que são inúmeras as solicitações de acesso à rede pelos potenciais investidores. Em paralelo, é necessário cumprir com todos os preceitos regulamentares, incluindo os ambientais, que combinados são desafiantes para a produção de eletricidade. Se falarmos de autoconsumo, por exemplo, a instalação de um único painel de menos de 350 Watt pode ser um processo simples, que não requer qualquer tipo de certificação. Para este tipo de pequenos projetos destinados aos consumidores domésticos, temos também uma solução no mercado – Solar Energy Kit, comercializado em Portugal pela nossa marca de distribuição de equipamentos MPrime.
O que mudou e o que é que ainda vai mudar, no mercado das energias renováveis?
JA: Nos próximos meses e anos vamos assistir a uma enorme dinâmica no mercado. Podemos dizer e esperar um aumento de tamanho e posteriormente de eficiência dos painéis fotovoltaicos, os aerogeradores irão continuar a crescer na potência, altura e comprimento das suas pás, veremos cada vez mais centrais instaladas no mar, sendo estas flutuantes ou de ancoragem fixa. Para comportar com as renováveis, com a crescente mobilidade elétrica e com a descarbonização dos transportes terrestres, marítimos e aviação, será crescente a aposta no hidrogénio produzido a partir de fontes renováveis, o aparecimento de instalações de armazenamento de eletricidade, o estímulo adicional à instalação de painéis nas casas e indústria. Os sistemas de consumo serão dotados de sistemas inteligentes, tão ou mais fundamentais do que o armazenamento ou hidrogénio para regular a procura e a oferta e que podem ajustar o consumo a tarifas dinâmicas, mediante o que possa ser mais importante para cada cliente – se a disponibilidade do serviço, se o preço. Vamos poder decidir se o mais importante é ter uma peça de roupa lavada ou se a queremos lavar quando for mais barato. Acreditamos em muitas mudanças e estamos estrategicamente preparados para elas.
No que à área de distribução de equipamentos diz respeito, onde a Voltalia opera em Portugal com a marca MPRIME, qual foi o impacto nas vendas durante o período de confinamento?
Diogo Barros, (DB): Na área de distribuição de equipamentos – MPrime/Voltalia, muito devido à estratégia de proximidade com os nossos parceiros e clientes, a MPrime tem vindo a registar um aumento de vendas sustentável, não tendo notado qualquer abrandamento da sua atividade durante estes últimos três meses, em que, globalmente, vivemos tempos de maior exigência logística e operacional. Graças a esta estratégia e investimento em stock local para fazer face a contingências imprevistas, associados a uma total disponibilidade operacional das nossas equipas, a MPrime registou durante este período um novo record de vendas, tendo superado as expectativas previstas.
Este “novo normal” obrigou a Voltalia Distribuição/MPrime a reavaliar e reajustar a sua estratégia?
DB: Efetivamente o negócio da distribuição de equipamentos solares fotvoltaicos na Voltalia (que em Portugal se faz representar pela marca MPrime) sofreu recentemente, em 2019, uma redefinição estratégica quer do ponto de vista do seu modelo de negócio, quer da sua expansão internacional. Neste último ano, criaram-se condições internas e de mercado para que esta unidade de negócio (distribuição) passasse de uma presença em apenas dois países (Portugal e Itália), para uma presença mais alargada e com vendas efetivas em seis países, tendo adicionado e iniciado operações em Espanha, França, Reino Unido e mais recentemente, na Grécia. Por outro lado, alargou-se o âmbito da atividade implementando novos modelos de negócio que aportam valor acrescentado aos nossos clientes, oferecendo soluções inovadoras associadas a serviço e em perfeita sintonia com a missão da Voltalia – promover o desenvolvimento local, impactando na melhoria do ambiente global.
Atendendo às, imprevisivelmente baixas, cotações recentes das fontes de energias de origem fóssil a que assistimos, como vê o futuro das energias renováveis e mais concretamente da energia solar fotovoltaica?
DB: Se já havia antes desta pandemia, agora elevou-se ainda mais uma consciência generalizada de que a sustentabilidade ambiental do planeta em que vivemos é uma preocupação de todos. Ouvimos hoje os altos governantes das economias mais relevantes, assim como os líderes das principais empresas europeias e mundiais, a reclamarem uma reconstrução da economia, aprendendo com o passado e projetando a mesma numa visão ecológica e sustentável. A única solução que se vislumbra para evitar futuras crises energéticas e, consequentemente, económicas passará pela implementação de uma transformação energética urgente com a erradicação progressiva das fontes poluentes. Nesta perspetiva, a proliferação de painéis solares fotovoltaicos nos telhados das nossas casas, em vilas e aldeias, nos parques industriais e em grande escala nas regiões com melhor irradiação solar para produção, promovendo desta forma para uma produção elétrica descentralizada. Esta será, seguramente, a forma mais segura e eficiente de responder a estes desafios.