Quais os objetivos centrais desta nova legislação?
Não há dúvida que esta nova legislação tem como objetivo central a simplificação dos procedimentos administrativos referentes às operações urbanísticas. Claro que o mote para esta simplificação, e sobretudo para a extensão da mesma, foi a crise que se vive na habitação em Portugal e, em especial, nos grandes centros
urbanos. No entanto, em especial da leitura do preâmbulo, percebe-se claramente que o legislador assume que o status quo atual não se poderia manter, sob pena de elevados custos de contexto e perda de competitividade no setor.
Até que ponto estas medidas facilitam, de forma efetiva, o acesso à habitação?
A principal medida do novo diploma, concretamente dirigida à habitação, corresponde à simplificação do processo de reclassificação de solos rústicos para habitação acessível. Já quanto às restantes medidas de eliminação de
licenças, autorizações e atos administrativos, julgo que teremos de esperar alguns meses pela experiência da aplicação prática do diploma por parte das autarquias, de forma a verificarmos se irão ou não criar uma maior dinâmica no mercado e, nessa medida, aumentar a oferta de habitação.
De alguma forma, aumenta a incerteza aquando dos processos de compra e venda de um imóvel, por exemplo, na medida em que se eliminou a obrigação de apresentação da licença de utilização ou de construção aquando da celebração da escritura pública?
Sim, claramente que aumenta a incerteza, sobretudo para consumidores que estejam desacompanhados de apoio jurídico. Já não podem depositar no Notário essa função de verificação da legalidade urbanística do ativo,
pelo que terão de ter especial atenção na procura de apoio adequado. Esta medida, quanto a mim, não é dirigida à crise na habitação, mas sim aos portfolios de ativos imobiliários que estavam “estagnados” em Bancos, sem solução, sobretudo porque estes não tinham na sua estrutura capacidade de legalizar esses imóveis.
Existem também novas situações de isenção de licenciamento, como nos casos de aumento de número de pisos sem aumento da cércea ou fachada ou quando estejam em causa obras interiores que afetem a estrutura de estabilidade. Em que responsabilidades jurídicas podem incorrer quer o técnico responsável, quer o promotor da obra, em caso de acidente futuro que se prove ter sido causado por estas alterações?
Atenção que os técnicos já eram anteriormente responsáveis pelos projetos que elaboravam e pelas declarações de conformidade técnica e legal que sobre os mesmos produziam. Falamos de responsabilidade civil e criminal, em certos casos. A novidade é que nos casos citados na questão, que antes estavam sujeitos a licenciamento, o Município também entrava no perímetro dessa responsabilidade: funcionava como rede de segurança dos técnicos/promotores – e agora sai de “cena”. O reforço do profissionalismo e o rigor na análise prévia da lei e dos regulamentos por parte dos técnicos e promotores serão inevitáveis.
Este decreto-Lei também prevê a criação da Plataforma Eletrónica dos Procedimentos Urbanísticos. Isto servirá para simplificar a relação entre autarquias e cidadãos, garantindo um maior e mais rápido acesso aos processos, eliminando toda a burocracia inerente a reuniões e consultas de documentos físicos?
Se a plataforma for tudo o que o legislador promete que ela será, é certamente uma excelente medida e pode de facto contribuir para uma maior clareza dos processos, que passam a poder ser monitorizados em tempo real por todos os interessados. É pena que só possa acontecer em 2026, mas o mais importante é que funcione de facto quando for implementada.