O novo Governo, após a tomada de posse, assegurou que revisitaria questões ligadas à Agenda do Trabalho Digno, e proporia algumas alterações. Como analisa esta posição? Existem efetivamente medidas que seriam importantes alterar? Quais destacaria?
Sou de opinião que o Governo deve propor alterações, designadamente nas matérias que suscitam inconstitucionalidades. São elas: (i) a proibição do recurso ao outsourcing depois de um despedimento coletivo ou extinção do posto de trabalho, durante 12 meses; (ii) a questão da remissão abdicativa dos créditos do trabalhador; (iii) as alterações aduzidas no âmbito do direito à atividade sindical na empresa. Houve ainda um claro retrocesso, que importaria corrigir, porquanto a Lei 13/2023 aditou uma nova norma em matéria de proibição de práticas discriminatórias relacionadas com a atribuição de prémios de assiduidade e produtividade. Tal preceito representa um retrocesso, porque em matéria de direito laboral voltámos ao tempo em que se confundia igualdade com igualitarismo. Ora, como sabemos, um trabalhador com baixos níveis de produtividade é bem diferente de um trabalhador zeloso e os prémios de assiduidade e produtividade vinham aportar justiça a tal diferenciação.
Relativamente à questão da proibição de contratação de serviços em outsourcing após despedimentos na mesma área da contratação do serviço, ainda continua a suscitar-lhe dúvidas legais esta medida? Seria uma das daquelas que justificaria uma análise governamental mais atenta?
Sim, disse-o há um ano e reafirmo. O despedimento coletivo e a extinção de posto de trabalho são despedimentos com justa causa objetiva, que têm por escopo corrigir, recuperar, relançar uma empresa, estão-lhe subjacentes razões empresariais. Por sua vez, o outsourcing é um recurso que as empresas utilizam para racionalizar custos. Proibi-lo nos 12 meses seguintes ao despedimento parece-me absurdo, contraria o princípio subjacente às normas concernentes aos despedimentos coletivos e por extinção do posto de trabalho: a reestruturação da empresa. Sob o ponto de vista da inconstitucionalidade da alteração legal, estará em causa, entre outros, a liberdade de iniciativa económica, radicada no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição. É um Direito Fundamental, que só poderá ser beliscado para salvaguarda de outros valores constitucionais, o que não é manifestamente o caso.
A Agenda do Trabalho Digno que entrou em vigor em maio do ano passado acabou com a possibilidade de trabalhadores e empresas negociarem um valor em virtude da cessação do contrato de trabalho. Que impacto tem para ambas as partes?
Esta norma acaba com a possibilidade de os trabalhadores e empregadores poderem negociar os montantes a receber pela compensação no âmbito da cessação do contrato de trabalho. Em última rácio, esta norma prejudica o trabalhador, porquanto inviabiliza que o empregador se disponha a negociar um valor para a cessação do contrato de trabalho, superior ao que resulta do regime legal, para além de ser um atentado ao princípio da autonomia privada. Tal violação resulta inevitavelmente numa inconstitucionalidade.
A nível geral, nota um aumento da litigância entre trabalhadores e empresas em resultado das novas medidas que entraram em vigor há pouco mais de um ano?
Até ao momento não foi notório o aumento de litigância, porém é esperado que a partir de julho próximo tal aumento se verifique, principalmente devido ao aditamento ao art. 12.º do Código do Trabalho (CT). A “presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital”, que originou um artigo complementar no CT, o 12.º-A. O legislador veio estender a presunção legal da existência de contrato de trabalho às relações laborais existentes no âmbito da plataforma digital, protegendo, sob o ponto de vista dos trabalhadores, todos aqueles que trabalham na área. Esta alteração vai aumentar muitíssimo a litigância entre trabalhadores e empresas, estando inclusivamente a serem estudadas eventuais alterações às regras de competência territorial dos Tribunais, de modo a poderem distribuir-se os processos de forma mais equitativa sob o ponto de vista territorial.