A mulher advogada foi uma realidade que, em Portugal, só foi possível a partir de 1918. Atualmente, o género feminino tem mais profissionais do Direito em atividade do que o masculino. No entanto, na Antonino Antunes, Maria Augusta Antunes e Associados dá-se o caso de ser a única mulher entre a equipa residente. Como definiria esta experiência?
A “Antonino Antunes & Maria Augusta Antunes”, fundada pelos dois sócios que lhe dão nome é, desde a sua génese, em março de 1980, pluralista, onde a meritocracia e a idoneidade são critérios essenciais na progressão da carreira, o que facilitou a minha integração. Como a única mulher numa equipa de seis advogados, reputo a
experiência como positiva. A diferença de emocionalidades revela-se útil na resolução de conflitos. Mas as carreiras têm custos de oportunidade. Fruto da educação, tenho enraizada a ideia severa de perfeição como
profissional, dona de casa, esposa e mãe, sendo a última tarefa a que considerava mais difícil e que exigiria mais de mim. Entendi não estar à altura de desempenhar todas de forma satisfatória e eliminei a mais difícil, mas a
sociedade não está preparada para isso, porque é considerado antinatural. Perdi a conta às vezes em que, na falta de argumentos, me arremessaram a frase, a destilar preconceito, “não é mãe, por isso não entende, é fria”. É confrangedor e foi apenas neste aspeto em que me senti discriminada. Sou advogada, humanista e isso explica muito de mim e do meu percurso.
Ainda subsistem diferenças quando as empresas ou os particulares procuram a ajuda de um advogado? Alguma vez notou uma diferença de tratamento devido ao género?
A opção em função do género veio a mitigar-se graças ao progresso social e legislativo no reconhecimento da igualdade, sobretudo nos últimos 50 anos, e por sermos atualmente em maior número. Nunca me senti preterida, mas preferida, e estas preferências são mais notórias em algumas áreas, v.g., na da família a escolha
recai tendencialmente sobre mulheres, enquanto na empresarial sobre homens.
Como definiria a sociedade portuguesa no que concerne ao papel que a mulher tem na família? Ainda é verdade que a progressão na carreira, para a mulher, é mais difícil porque há mais tarefas domésticas e familiares que ainda são, por norma, atribuídas à mulher?
A sociedade portuguesa é de base matriarcal – e a discriminação começa aqui. Desde que nasce, à mulher é ensinado, pelo exemplo, que amar é cuidar dos filhos, do marido, do lar. Dão-nos bonecas, casinhas e cozinhas para brincar, e, quando crescemos ajudamos a mãe nessas tarefas para sermos bem treinadas no multitasking. A acumulação de funções com as exigências de uma carreira podem ser verdadeiramente esgotantes. A falta de
disponibilidade física e mental provocada pelo desgaste prejudica naturalmente a progressão.
Que peso essa divisão de tarefas socialmente atribuídas tem na forma como o trabalho feminino é valorizado? Porque ganham as mulheres, em média, 16% menos do que os homens, para desempenhar as mesmas funções?
Convém distinguir entre funções e cargos, estes, melhor remunerados, são preferencialmente acometidos a homens. As mulheres ficam-se, muitas vezes, pela mesma função, mas sem cargo e remuneração correspondentes, e sentem-se compelidas a aceitar, sem reivindicar, por receio de perder o emprego. A proteção da maternidade teve um efeito perverso na contratação e na valorização do trabalho, pelo que é urgente proceder no âmbito legislativo ao alargamento dos direitos de parentalidade, reforçando e fazendo equivaler os de igualdade de género e reforçando os direitos das crianças.
“A proteção da maternidade
teve um efeito perverso
na contratação e na
valorização do trabalho”.
Enquanto advogada que trabalha muito a área do Direito da Familia e Menores, quão importante é a abertura do país e da própria legislação às novas famílias – monoparentais, casais do mesmo sexo…?
Os divórcios, (re)casamentos, uniões de facto, monoparentalidade, poliparentalidade, provocaram um alteração da estrutura familiar típica e deram origem a “novas famílias”, que demandaram a readaptação da legislação, nem sempre consentânea com a velocidade destas mudanças. Em Portugal, a primeira grande medida de tutela, ainda que incipiente, surge em 1999, com a Lei da União de Facto, mas foi só a partir de 2001 que a mesma passou a ser reconhecida entre pessoas do mesmo sexo. Na revisão constitucional de 2004, consagrou-se o
princípio da igualdade, proibindo a discriminação em função da orientação sexual e, em 2010, permitiu-se o casamento civil entre casais do mesmo sexo. Com a Lei 02/2016, de 29/02, pretendeu-se eliminar todas as discriminações no acesso à adoção, apadrinhamento civil e demais relações jurídicas familiares, reconhecendo os mesmos direitos aos unidos de facto, o que foi vertido para a Lei da Reprodução Medicamente Assistida, mas não na Lei da Adoção, ainda limitada a duas pessoas casadas há mais de quatro anos e não separadas judicialmente de pessoas e bens ou de facto, relevando, para o efeito da contagem desse prazo, o tempo de vivência em união de facto imediatamente anterior à sua celebração.
Ficaram de fora algumas novas famílias, e o casamento ainda é uma instituição com tutela privilegiada no nosso ordenamento, que não se justifica. A base familiar está nos laços de afeto que unem os seres humanos e são o ingrediente essencial para o seu desenvolvimento. Como jusnaturalista, considero o direito como universal, imutável e inviolável, é a lei imposta pela natureza a todos aqueles que se encontram num estado de natureza e independente da vontade humana, ele existe mesmo antes do homem – é algo natural e tem como pressupostos os valores do ser humano, buscando sempre um ideal de justiça, e, dentro desta corrente, tem existido um esforço jurisprudencial na atenuação destas assimetrias, mas é preciso positivá-las.
Que evolução tem existido, na área da Família e Menores, no que respeita à legislação afeta à criança e às respetivas responsabilidades parentais?
Não podemos falar de evolução sem referir a Convenção sobre os Direitos da Criança, que alterou o paradigma. As crianças passaram de meros objetos de proteção social a detentoras de todos os direitos fundamentais – a denominação de “menor” foi substituída por “criança”, e a de “poder paternal” por “responsabilidades parentais”. Internamente, tal veio a ter acolhimento no RGPTC, norteado pela prossecução do superior interesse da criança,
com a consagração expressa do direito à audição e à participação ativa nas decisões que lhe dizem respeito. Sob a égide da OTM, havia como que um primado da mãe em detrimento do pai, claramente inconstitucional. A primeira alteração deste statu quo dá-se com a Lei 61/2008, de 31/10, que estabeleceu, como regime regra, o exercício conjunto das responsabilidades parentais. Caminha-se para a residência alternada como o regime regra, contudo, a igualdade deve ceder em prol do interesse superior da criança e haverá sempre que fazer uma ponderação casuística. Há ainda um caminho iniciático e social a percorrer, e por esta ordem.









