Enquanto mulher e advogada, que impacto tem para si a evolução da profissão, que desde 1918 permite às mulheres tornarem-se advogadas e, desde há alguns anos, tem as mulheres como principais profissionais em exercício?
Diferentes autores e autoras têm teorizado sobre o potencial da entrada das mulheres numa profissão com uma forte tradição masculina, quer na Advocacia, quer na magistratura, introduzindo várias questões em torno desta
matéria. Uma primeira questão prende-se com a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres nas profissões jurídicas. Na minha área de atuação de Direito Imobiliário, apesar do crescimento das oportunidades, nós, mulheres, enfrentamos diversos desafios ao lutar por espaço nesse mercado imobiliário. Ainda é um setor muito masculino. A comunicação, a sensibilidade, a transmissão de confiança são fatores essenciais nesta área e considero que as mulheres têm mais facilidades do que os homens.
Enquanto mulher e profissional do Direito, por que razões considera que ainda existem diferenças salariais – o último estudo fala em 16% de ganhos salariais a mais para o homem, em média – em situações onde o homem e a mulher desempenham exatamente as mesmas funções?
A desigualdade salarial é uma das principais barreiras que as mulheres enfrentam no mercado de trabalho. Mesmo possuindo as mesmas qualificações e exercendo as mesmas funções que os homens, as mulheres recebem salários menores. Porém, no nosso escritório, não tem sido uma barreira o facto de ser homem ou mulher, uma vez que somos maioritariamente mulheres. Somos seis mulheres e dois homens atualmente.
Ao longo da sua carreira, tem adquirido experiência nas áreas do Direito Imobiliário e da Imigração. Em ambas, tivemos recentemente mudanças significativas. No caso do Direito Imobiliário, que considerações tece ao novo Simplex Urbanístico, lançado há pouco tempo?
O Simplex Urbanístico entrou em vigor no início deste ano com o objetivo de simplificar e agilizar os procedimentos de licenciamento urbanístico em Portugal. Este diploma traz várias vantagens, como a redução da burocracia e dos custos, o avanço de projetos por deferimento tácito e a facilitação da reconversão de imóveis comerciais para habitação. Os procedimentos urbanísticos passam a ser mais ágeis e simplificados, permitindo que promotores, investidores e famílias tenham acesso mais rápido à legalização de edificações e à oferta de
habitação. O Simplex Urbanístico introduz ainda novas regras e prazos para as autarquias decidirem sobre os licenciamentos urbanísticos, promovendo a uniformização e previsibilidade dos procedimentos.
Parece-lhe que estas medidas são realmente capazes de cumprir o objetivo de simplificar os processos burocráticos associados à construção e transações de imóveis?
Apesar dos seus benefícios, o Simplex Urbanístico também apresenta riscos, sobretudo no que diz respeito à segurança jurídica. A simplificação dos procedimentos vai gerar dúvidas sobre as garantias legais e sobre os
imóveis. Penso que a venda de imóveis com irregularidades irá aumentar, uma vez que, agora, é dispensada a licença de utilização, aquando da escritura de compra e venda. É fundamental que sejam adotadas medidas para
mitigar esses riscos, porém, muitos agentes imobiliários não concordam com o facto de os advogados manterem certo rigor no Due Diligence, aquando da compra do imóvel por parte do cliente. No nosso escritório, iremos
manter o rigor e exigir todos os documentos, nomeadamente a licença de utilização, quando deveria existir, bem como a ficha técnica.
O Direito da Imigração tem-se vindo a destacar, por estes dias, considerando a sua necessidade. A nível legislativo, e avaliando Portugal enquanto país recetor de muitos imigrantes, que considerações tece à legislação existente? Existem lacunas que seria importante suprir?
A última alteração à Lei dos Estrangeiros ocorreu em outubro de 2023. Porém, ainda em abril de 2024 houve protestos em frente às instalações da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), em Lisboa. De facto, verifica-se uma degradação da situação migratória que se vem agravando ao longo dos últimos meses, quer da
perspetiva humanística das condições de acolhimento e regularização de cidadãos estrangeiros que pretendem trabalhar e residir em território nacional, quer da operacionalidade do sistema de controlo e fiscalização. A situação está a ficar cada vez mais complicada. É de notar que, desde que o novo Governo tomou posse,
confirmam-se diagnósticos prévios quanto ao desacerto das opções políticas e institucionais anteriores e da sua execução, designadamente quanto ao processo de extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e da
implementação da AIMA. Encontram-se pendentes de decisão centenas de milhares de processos relativos a cidadãos migrantes e verificam-se dificuldades sérias no funcionamento do sistema de controlo, fiscalização, acolhimento e integração. Urge o novo Governo intervir nesta matéria.
Que impacto este mau funcionamento das instituições ligadas à imigração e o funcionamento dos serviços consulares, dos quais também existem queixas, pode ter na decisão das pessoas que escolhem Portugal para viver e trabalhar?
É mau para Portugal. Contrariamente ao que alguns acham, precisamos da imigração. A imigração tem um impacto significativo na sociedade portuguesa, contribuindo para o crescimento da população, para a diversificação cultural e para a dinamização da economia. O aumento da imigração na Europa é necessário
porque a população europeia está envelhecida e Portugal é um dos países mais envelhecidos da União tendo, de acordo com o Eurostat, em 2023, a maior proporção de população com 65 anos ou mais (23,2%), atrás apenas da Itália (23,6%) e da Grécia (23,4%). Apesar das melhorias ligeiras dos últimos anos continuamos a ter uma baixa taxa de natalidade, abaixo do nível de reposição populacional (2,1 filhos por mulher) e isto desde há várias décadas (em 2023, a taxa de natalidade era de 1,29 filhos por mulher). A imigração é também a forma mais
rápida de compensar a emigração de jovens portugueses para outros países da Europa, de manter níveis mínimos de saúde financeira dos sistemas de saúde e segurança social, respondendo assim ao aumento da procura por serviços de saúde e segurança social e, naturalmente, para manter a funcionar setores estratégicos (como o turismo, a IT e agricultura) da nossa economia.