Biomassa: Uma fonte de energia sustentável com margem para crescer

A Biomassa é uma das principais formas de produção de energia. Esta é sustentável e contribui, a montante e a jusante da sua transformação, para uma melhor utilização dos recursos orgânicos. O Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P. (LNEG), presidido por Teresa Ponce de Leão, trabalha nas diversas vertentes da energia e da geologia, onde se inclui a biomassa. Nesta entrevista, onde a biomassa, as suas utilizações e o seu papel na produção de energia nacional estarão em destaque, o Coordenador da Unidade de Bioenergia e Biorrefinarias, Francisco Gírio, a Coordenadora do Laboratório de Biocombustíveis e Biomassa, Cristina Oliveira, e Patrícia Moura e Luís Silva, ambos da Unidade de Bioenergia e Biorrefinarias caracterizam a biomassa portuguesa e o seu impacto económico.

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Como se caracteriza o país na investigação que se faz sobre a biomassa e as suas utilizações?

Em Portugal as áreas de investigação sobre a biomassa e as suas utilizações são muito amplas e encontram-se perfeitamente alinhadas com os planos de ação e estratégias europeias para a bioeconomia. Atualmente, o foco da investigação centra-se essencialmente na utilização da biomassa de natureza residual e nos seguintes eixos:

-cumprimento dos critérios de sustentabilidade da utilização de biomassa de natureza residual, para energia e/ou outros fins;

-aumento quer da eficiência dos processos de conversão da biomassa para energia, quer da flexibilidade das tecnologias de conversão, com vista à utilização de materiais mais heterogéneos e misturas de biomassas residuais;

-utilização integral dos componentes da biomassa, com procura de novas vias para a valorização de coprodutos;

-produção de biocombustíveis avançados, assim como de novos produtos derivados da biomassa, especialmente aqueles que promovam a fixação do carbono em ciclos mais longos.

O LNEG coordena a Infraestrutura Nacional de Investigação em Biomassa e Bioenergia (BBRI) no âmbito do Roteiro Nacional de Infraestruturas de Investigação de Interesse Estratégico. As atividades científicas da BBRI encontram-se focadas nas tecnologias de conversão de biomassa para obtenção de biocombustíveis avançados, produtos não-energéticos de base biológica e outros biomateriais. Recentemente, o LNEG candidatou-se a novo financiamento pelo programa LISBOA2030, para consolidação das linhas de investigação da BBRI e alargamento
da sua base de colaboração com as empresas e centros académicos.

Este é um recurso usado já de forma alargada para a produção de energia? É possível aumentar a sua utilização? Para tal, o que falta fazer?

A biomassa desempenha um papel significativo na diversificação da matriz energética nacional. O PNEC 2030, na sua revisão mais recente, espelha esta ambição, ao contemplar uma incorporação de 49% de renováveis no consumo de energia, face ao valor de 47% indicado na versão inicial. Concretamente na utilização de biomassa / biogás, o plano aponta para que a sua contribuição venha a atingir um valor de 2,7 TWh em 2030, aumentando cerca de cinco vezes a meta inicialmente prevista. O aumento esperado na produção de gases renováveis e uma utilização sustentável de outras fontes de biomassa em muito contribuirão para atingir estes objetivos.

O LNEG desenvolve “investigação para a sustentabilidade” e tem a capacidade de levar a cabo ensaios sobre biocombustíveis sólidos e biomassa, no seu laboratório, bem como investigações próprias. Que conclusões, de forma geral, se retiraram das investigações já efetuadas? Existe hoje um maior conhecimento sobre a matéria constituinte da biomassa, o seu comportamento enquanto nova matéria (pós-transformada) e os seus usos?

O Laboratório de Biocombustíveis e Biomassa (LBB) integra a Rede de Laboratórios acreditados do LNEG e tem por missão o desenvolvimento e aplicação de metodologias analíticas a biocombustíveis líquidos e sólidos,
combustíveis e óleos, garantindo a conformidade com normas, regulamentos e legislação aplicáveis. O LBB desenvolve também atividades de I&D associadas a projetos nacionais e internacionais. Especificamente em relação a avanços no conhecimento da matéria constituinte da biomassa e possíveis utilizações, o LBB esteve envolvido (2017-2019) num extenso trabalho de caracterização de biomassas residuais obtidas de empresas com atividade em Portugal continental, das áreas da agroindústria, pecuária, indústria da pasta e do papel, restauração e gestão de resíduos urbanos, com o objetivo de identificar e quantificar parâmetros críticos que fossem determinantes para o encaminhamento dessas biomassas para soluções tecnológicas de conversão em eletricidade, calor, vetores energéticos e/ou biocombustíveis avançados. Este trabalho permitiu a criação de uma base de dados de caracterização físico-química de diversos tipos de biomassas residuais, visando a definição de
critérios de admissibilidade a tecnologias de conversão para bioenergia e a definição de indicadores do potencial energético e de sustentabilidade para o universo das amostras recebidas (https://doi.org/10.3390/biomass3040021).

Além da produção de energia, que outros usos podem ser dados à biomassa?

A biomassa constitui-se como um recurso fundamental na mudança de paradigma industrial rumo a uma utilização mais racional dos recursos renováveis para diversos setores económicos. Para além da utilização para a
energia, importa ter presente que setores como a agricultura e alimentação, a floresta e a sua indústria derivada (aglomerados, mobiliário, pasta e papel, etc.), a agroindústria, os têxteis, os cosméticos, os bioplásticos, os materiais de construção baseados em biocompósitos têm por base o recurso “biomassa”. A abordagem à utilização sustentável da biomassa deverá ser numa ótica de bioeconomia, baseada em recursos sustentáveis como alternativa aos atuais recursos de origem fóssil.

Considerando que a biomassa é constituída por matéria orgânica e a mesma varia de região para região, como caracteriza a biomassa portuguesa?

A biomassa em Portugal é diversificada, sendo as regiões Norte e Centro as que concentram um maior potencial de aproveitamento de biomassa residual florestal, incluindo-se resíduos de espécies florestais, resíduos verdes
herbáceos e matos. Destaca-se, na região Centro, o pinheiro-bravo e o eucalipto. Já no Alentejo, os resíduos agrícolas provenientes dos cereais e do olival têm um potencial relevante. Acresce a contribuição dos resíduos
agroindustriais, realçando-se a indústria vinícola, olivícola, de lacticínios e de processamento de carnes, distribuída um pouco por todo o território. Também no contexto da economia circular, é cada vez mais importante a contribuição dos resíduos urbanos como fonte de energia. Esta diversidade de fontes de biomassa desempenha um papel preponderante na estratégia nacional para a transição energética.

Apesar de a biomassa ter como vantagem ser uma fonte de energia renovável, ela não é das mais eficientes. Isso pode colocarem risco, por um lado, a reserva florestal, bem como a vantagem económica existente na utilização de energia a partir deste composto?

A garantia de que apenas biomassa sustentável é tida em conta quando se pretende a sua utilização para aplicações energéticas tem-se revelado uma questão cada vez mais premente. A Diretiva UE 2018/2001, designada por RED II, veio incrementar significativamente os níveis de ambição nesta matéria, estabelecendo, para além de maior exigência na redução de GEE para os biocombustíveis produzidos em novas instalações, novos critérios de sustentabilidade para a utilização de biomassas, quer de natureza florestal, quer agrícola, refletindo a preocupação acrescida com a proteção da qualidade do solo e do carbono orgânico nele armazenado, assim como das zonas ricas em biodiversidade. De uma forma resumida, quando está em causa a recolha de biomassa florestal, haverá que assegurar uma gestão sustentável das florestas, garantindo a sua regeneração. Esta gestão deverá assentar em medidas a serem aplicadas através do direito nacional ou então ao nível da
área de aprovisionamento por via da utilização das melhores práticas de gestão, cabendo aos operadores o tomar de medidas adequadas que minimizem o risco de uma utilização insustentável da biomassa florestal quando para utilização na bioenergia.

Os equipamentos para a transformação da biomassa e para a produção de energia a partir da mesma têm um valor elevado. Considerando que esta não é das fontes de energia renovável mais eficazes, é possível trabalhar no sentido de tornar a tecnologia que acompanha todos estes processos de transformação mais barata?

A redução dos custos associados a tecnologias de conversão de biomassa é um objetivo importante. Há espaço para I&DT orientada para o aumento da eficiência nos processos de conversão para energia e também para o
aumento da flexibilidade das tecnologias de conversão, com o objetivo de permitir a utilização de biomassas mais heterogéneas e misturas. Nestes casos, o efeito que se poderia conseguir teria potencial para se repercutir num
aumento de escala dos processos de conversão e deste modo proporcionar uma melhor rentabilização das instalações de conversão de biomassa. A utilização de ferramentas de informação geolocalizada no mapeamento de biomassa florestal e resíduos poderá também contribuir positivamente para a criação de plataformas de colaboração e sinergias que ajudem a potenciar ainda mais este efeito do aumento de escala.

Como avalia a evolução da utilização deste recurso para aumentar a produção de energia em Portugal proveniente de fontes sustentáveis? Existem, a longo prazo, desafios que importa clarificar?

No que respeita à biomassa florestal, importa conciliar a necessidade de manutenção da biodiversidade e de preservação dos ecossistemas naturais com uma gestão dos ativos florestais rentável e sustentável. No caso dos
resíduos urbanos (RUs), será de considerar a urgência na implementação de mecanismos eficazes de recolha seletiva de biorresíduos, em linha com as diretrizes em vigor nesta matéria, assim como na prossecução da valorização energética de RUs e na implementação do plano de ação para o biometano.