1 em cada 5 portugueses sofre de uma perturbação psicológica. Haverá, no entanto, abertura suficiente na sociedade e mesmo na atividade laboral para que as pessoas se predisponham a pensar sobre si mesmas e a reconhecer que necessitam de ajuda psicológica?
Ainda existem preconceitos e uma cultura desencorajadora da procura de apoio psicológico. “Não preciso de ir ao psicólogo…Também não preciso de ir ao psiquiatra porque não sou maluco…” No entanto, assiste-se a uma viragem deste paradigma na sociedade atual com maior consciencialização e desestigmatização da saúde mental, nos media e redes sociais. A aceitação e compreensão da saúde mental envolve educação, promoção de bem-estar emocional e criação de ambientes de trabalho que incentivem os colaboradores a falar sobre dificuldades e a procurar ajuda. A chave é a segurança psicológica que engloba a liberdade de opinar sem medos de retaliação,
promovendo o acesso à saúde psicológica.
Que impacto tem uma doença psicológica nas diversas vertentes da vida de alguém?
Sem saúde mental não existe qualidade de vida. Estas alterações impactam de forma multifacetada a vida do ser humano, interferem com a qualidade do sono e comprometem a esfera pessoal, profissional e social. Quem não está bem consigo, não está bem com a vida.
O burnout é uma doença associada ao excesso de trabalho? Muitas pessoas desencadeiam, depois, problemas de ansiedade que podem dificultar grandemente a sua vida. Como identificar o burnout? Em que momento agir para tratar estes sintomas?
O burnout não é uma doença e foi reconhecido pela OMS como um fenómeno ocupacional. É uma síndrome, com caraterísticas clínicas, estritamente relacionada com o trabalho. O burnout agrupa 3 dimensões principais: a exaustão emocional na atividade profissional; sentimentos de desrealização, despersonalização e/ou cinismo.
Caracteriza-se por distanciamento emocional, afetivo, atitudes de indiferença em relação ao trabalho e às pessoas, que entram em piloto automático e já não vestem a camisola. Numa terceira dimensão, encontra-se uma realização profissional comprometida, com repulsa nas circunstâncias em que estão a trabalhar. A identificação precoce é a chave do sucesso: “Um dia senti o vazio! Tive a certeza de que não era capaz de desempenhar bem o meu trabalho, os olhos enchiam-se de lágrimas sem qualquer intenção, na cabeça apenas sentia vazio. E tive de admitir… não aguento mais! Não sou capaz! Preciso de ajuda!” As organizações e chefias necessitam de formação para estarem avisadas e agirem com a máxima brevidade. Os sintomas de alerta são:
irritabilidade, perturbações do sono, absentismo, presenteísmo (presente, mas ausente), tristeza e dores físicas. O burnout está circunscrito ao trabalho e, se nada for feito, os sintomas tornam-se transversais e evoluem para uma depressão.
Como pode o processo terapêutico ajudar a lidar com esta questão?
A psicoterapia, tão breve quanto possível, é o tratamento de eleição. Mas só se trata o que se conhece, portanto é indispensável o diagnóstico correto e precoce. A mudança no estilo de vida e no trabalho é essencial e a medicação pode afigurar-se necessária.
Que impacto tem o burnout no dia a dia das empresas? É cada vez mais necessário que os agentes económicos reconheçam que trabalhadores saudáveis são mais produtivos e apliquem, por isso, políticas de bem-estar e saúde mental no ambiente laboral?
A produtividade é um elemento essencial ao sucesso, ao crescimento económico e à distribuição de riqueza. Um trabalhador presente/ausente ou de baixa médica tem um impacto relevante na vida da empresa. “Sinto uma enorme pressão na cabeça e um zumbido constante.”; “Não descanso, não durmo bem. Acordo em pânico a pensar que no outro dia tenho que ir trabalhar.” Esta realidade deve ser combatida! A formação em políticas de
bem-estar e felicidade organizacional é um instrumento atual indispensável em qualquer empresa moderna. As chefias necessitam de sensibilização para este problema incontornável.
Como caracteriza o nosso país relativamente à importância que é dada à saúde mental?
Nos últimos anos, assistimos a um progresso evidente na divulgação e formação em prevenção e identificação da saúde mental. Mas, em bom rigor, ainda estamos distantes dos padrões desejáveis. Já antes da pandemia, 1 em cada 6 pessoas na UE sofria de problemas de saúde mental, representando um custo de 4% do PIB. Felizmente, as políticas públicas olham este tema com maior atenção e dedicam-lhe mais investimento. Estamos no bom caminho, mas com muita estrada para percorrer…