“É urgente pensar o futuro dos cuidados domiciliários”

Maria do Rosário é a Presidente da Associação Alzheimer Portugal, que desenvolve projetos ligados ao apoio domiciliário e à valorização e apoio dos cuidadores informais, cujo dia se assinalou a 5 de novembro. Portugal é um país com muita população idosa e cujos problemas de saúde se adensam na terceira idade, pelo que este é um problema no qual urge pensar e para o qual importa encontrar soluções.

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Quais são as perspetivas e desafios que a Associação vê no futuro dos cuidados domiciliários à medida que a população envelhece, em Portugal?

As orientações europeias convidam os governos nacionais a criarem e implementarem políticas que priorizem os cuidados no domicílio, sendo este o local onde, regra geral, as pessoas se sentem melhor uma vez que permanecem num meio que lhes é familiar. Para tal, importa valorizar o papel do cuidador informal, que é quem assegura que a pessoa possa permanecer nas suas casas. Contudo, a nível nacional, as políticas neste sentido têm-se mostrado insuficientes. O Estatuto do Cuidador Informal, embora afirme como objetivos o reconhecimento e
valorização social do cuidador informal, bem como incentivar os cuidados informais promovendo a manutenção das pessoas cuidadas no domicílio, consagra medidas manifestamente insuficientes para alcançar tais objetivos. Desde logo pela pouca abrangência (a esmagadora maioria dos cuidadores fica de fora de estatuto, quer por não reunir
os pressupostos, quer por desconhecimento ou ainda porque se desmotiva com tanta burocracia), mas também pela exiguidade do subsídio a que muito poucos têm direito e escassez de incentivos quanto à conciliação da vida profissional com a vida familiar. Sem reforço significativo das medidas de apoio ao cuidador, com o envelhecimento
galopante da população e com as previsões muito alarmantes quanto ao aumento do número de pessoas com alguma forma de demência nas próximas décadas, vemos com muita preocupação o futuro dos cuidados domiciliários, tanto mais que mesmo com cuidadores profissionais no domicílio o cuidador informal é sempre necessário.

Quais são os maiores desafios que as famílias enfrentam ao cuidar de um familiar com demência em casa?

Os desafios são de ordem financeira (estudo revela que 60% dos custos diretos não médicos são suportados por cuidados informais[i]), social (isolamento social), laboral (dificuldade de conciliar a prestação de cuidados com atividade profissional e dificuldade no regresso ao mundo do trabalho quando deixa de prestar cuidados), psicológico ou emocional (a prestação de cuidados causa grande desgaste emocional e mesmo situações de burnout), físico (principalmente quando não existe capacitação, ou seja, quando não se aprende a cuidar com menor esforço físico).

Como é que a Associação auxilia na superação dos desafios relacionados com o apoio domiciliário e com o apoio aos cuidadores informais?

A Alzheimer Portugal presta serviços de apoio domiciliário, através da existência de equipas multidisciplinares e tem desenvolvido vários projetos que apostam na valorização e apoio aos cuidadores informais. A título de exemplo, saliento o projeto “Rostos” – Serviço de saúde e Bem-estar para os cuidadores no domicílio). Além disso, dispomos de grupos de suporte e de ajuda mútua e grupos psicoeducativos. Temos também capacidade para transmitir conhecimentos e capacidades aos cuidadores informais. Fazemos isso através da realização de ações de formação, onde são ensinadas estratégias para melhor cuidar e promover o seu próprio bem-estar. Falamos também, nestas formações, sobre direitos e apoios sociais.

A Presidente acredita que os serviços de apoio domiciliário estão suficientemente divulgados e compreendidos pela sociedade portuguesa? O que pode ser feito para aumentar a consciencialização e a procura destes serviços?

Os serviços de apoio domiciliário são conhecidos, pelo que, na minha perspetiva, não se trata tanto de dar a conhecer a existência de serviços de apoio domiciliário. Existem, aliás, várias entidades privadas e do setor social a prestarem este tipo de serviços. O que me parece essencial é apostar na qualidade destes serviços, e isso passa por melhorar e garantir condições através de recursos humanos devidamente capacitados, uma equipa técnica que permita que o serviço não se limite à higiene e à alimentação, mas também à ocupação, à estimulação cognitiva e sensorial, à capacitação e apoio ao cuidador. É também importante que seja possível a todos conseguirem aceder a estes cuidados, seja a nível geográfico, seja a nível financeiro.