Sempre foi seu propósito profissional tornar-se advogada?
Não nasci com a vontade de ser advogada, mas quase! A minha personalidade sempre foi muito reivindicativa
e contestatária, portanto as pessoas diziam que eu tinha perfil para advogada. Aos 12 anos, manifestei pela primeira vez que queria ser advogada e nunca mais alterei o meu propósito. Não só nunca mudei de ideias até entrar na universidade, como durante a licenciatura ou o exercício da profissão nunca tive dúvidas. É algo que adoro fazer e, se voltasse atrás, faria tudo igual.
O que lhe parece que esta profissão já lhe trouxe, enquanto pessoa e profissional?
Enquanto pessoa, esta profissão ajuda-nos a sair do nosso próprio mundo e a entrar no mundo dos outros, a
criar pontes. Criar empatia com os problemas dos outros e ir mais além do que aquilo que são os nossos
problemas. Isso faz-nos entender melhor as pessoas e todos os dias nos faz crescer um bocadinho. Enquanto
profissional, é uma profissão extremamente desafiante, porque se queremos ser bons naquilo que fazemos,
temos de estar em permanente evolução. Nós temos de partir do pressuposto que sabemos muito pouco e
que há muito mais para conhecer. Exige de nós estudo, conhecimento e isso faz com que os nossos horizontes
estejam sempre a crescer.
Quais as áreas em que exerce?
O meu foco principal é no Direito Administrativo e no Laboral, na vertente do emprego público.
Todas as pessoas têm a dimensão pessoal, profissional, familiar… Simultaneamente, a área da Advocacia é muito exigente em termos laborais. Como consegue conjugar estas vertentes todas, de forma a sentir-se realizada?
Acredito que é muito difícil sentirmo-nos plenos e encontrarmos o equilíbrio certo entre a gestão da vida pessoal, profissional e familiar a todo o momento. Não creio que seja possível. O que acho que vai acontecendo é que há momentos em que temos de nos dedicar um pouco mais à vida profissional e ficamos em falta nas outras vertentes; e há momentos, depois, em que nos dedicamos mais à vida pessoal e familiar e a profissão ressente-se um pouco. É sempre tudo muito exigente, sobretudo quando já se está numa posição em que não se é só advogada, mas também se gere uma Sociedade. Por isso, considero que não interessa a quantidade de tempo que se passa em cada lado, interessa, sim, a qualidade do tempo.
Apesar de já existirem bastantes mulheres a exercer Advocacia, já alguma vez vivenciou uma situação de discriminação / descontentamento pelo facto de ser mulher e de assumir determinado caso? Como lidou com a situação?
Nunca senti diretamente de um cliente alguma manifestação direta de descontentamento de que, por eu ser mulher, era uma desvantagem. Isso nunca foi verbalizado. Aquilo que se sente são microagressões – por força de sermos mulheres. Por exemplo, se uma pessoa se exalta um pouco é porque é histérica, ou porque está “naqueles dias”. Há comentários mais desagradáveis. Há também uma desconfiança latente, à partida, o que faz com que eu, pessoalmente, sinta, nalgumas circunstâncias, que não parti do mesmo sítio do meu colega homem. Parti em desvantagem, tenho de me esforçar mais para alcançar o mesmo resultado. Isso acontece, quer nos Tribunais, quer no dia a dia com os clientes, embora, felizmente, cada vez menos.
Até que ponto se justifica que ainda se fale da questão da paridade laboral? O que é que é preciso fazer para encerrar o assunto, resolvendo as questões que não permitem que homens e mulheres estejam em igualdade quando em cumprimento das mesmas tarefas?
Faz todo o sentido continuarmos a falar da preocupação com a paridade laboral, porque não há dúvida nenhuma de que no mercado, e particularmente em posições de topo, as mulheres ainda não estão em igual número (embora no mercado da Advocacia sejamos maioritariamente mulheres). Isso tem uma razão de ser: há um preconceito latente na escolha de uma mulher para o exercício de cargos mais exigentes. Esse preconceito vem, ainda, de um conceito enraizado de que depois não conseguirá conciliar a família, porque tem uma obrigação acrescida em relação ao homem. Por outro lado, mesmo quando estamos a falar de contratar, na dúvida entre um homem e uma mulher, escolhe-se quase sempre o homem. Enquanto os números revelarem que assim é, e consequentemente também é assim na remuneração, continua a fazer sentido falar na paridade laboral. Por
isso entendo que a questão das quotas é um mal necessário, para que obriguem as pessoas a contrariar esse preconceito.
Nesta profissão, as mulheres ainda não têm todos os seus direitos assegurados, nomeadamente no que se relaciona com a maternidade e a assistência à família. Ainda é assim? Por que lhe parece que tal ainda acontece?
Confirmo que a realidade existe. Eu própria passei por ela. Fui mãe duas vezes e foi complicado. Isso resulta de uma desproteção enorme que as mulheres advogadas têm. As profissionais que trabalham para as grandes Sociedades de Advogados têm esses direitos protegidos por causa das próprias Sociedades, que lhes criam planos de proteção, mas isso não pode ser, porque assim está assente na vontade de quem contrata fornecer ou não determinados direitos. Tem de haver um sistema de proteção, sobretudo para as advogadas que exercem em prática individual. Não tenho a certeza de qual alteração deva ser. Tenho dúvidas de que a integração na Segurança Social deva ser a solução, mas de facto as coisas não podem continuar como estão. Desconheço outra
profissão que esteja tão precária como a nossa nesse nível e ao nível da proteção na doença e fiquei chocada quando senti isso.
Que mensagem gostaria de deixar às gerações mais novas?
Eu diria para não perderem o foco. Se nós quisermos chegar mais longe, temos de nos focar sem cair nos extremos. Temos de trabalhar, fazer bem o nosso trabalho e manter sempre o equilíbrio – esta é a chave.