“Escolhi criar o meu próprio caminho na Advocacia”

A advogada Rita Lacerda Neto escolheu desempenhar a sua profissão de forma independente e acredita que isso lhe dá uma maior liberdade, embora com maior responsabilidade. Desenvolvendo a sua atividade de forma particular na área do Direito de Família e Menores, assume que a Justiça é, muitas vezes, eficaz, mas nem sempre cumpre, de facto, os pressupostos de proteção do superior interesse da criança.

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A Advocacia é, hoje, maioritariamente uma profissão de mulheres. Além da Advocacia, as mulheres estão também presentes noutras profissões ligadas ao Direito, como a Magistratura do Ministério Público e Juízas. Parece-lhe que esta maior presença feminina alterou, de alguma forma, a maneira de advogar e litigar no país?

De maneira alguma, considero sobretudo que esse facto se deve à liberdade. À liberdade de escolha da profissão, a que devemos estar eternamente agradecidos aos que tanto lutaram para que as mulheres possam, em igualdade de género, acedera qualquer profissão.

Alguma vez sentiu que foi tratada de forma diferente, por um cliente ou um colega, em razão do seu género?

Nunca senti qualquer tipo de discriminação de género no exercício da profissão. Sendo a Advocacia e inúmeras profissões ligadas ao Direito, hoje, amplamente exercidas por mulheres, parece-me que esse preconceito poderá estar a esbater-se. No entanto, refiro que este é o ponto de vista de uma mulher, mãe e advogada que escolheu criar o seu próprio caminho e emprego. Um caminho que acarreta mais responsabilidade, mas que, sem dúvida, me permite ter liberdade total para gerir a minha profissão e conciliá-la com tudo aquilo que sou e acredito.

Há colegas que acreditam que desde que a presença das mulheres é maior nos Tribunais, existe uma maior possibilidade de chegar a acordo, por exemplo, em detrimento da litigância. Concorda?

Não concordo. Na Advocacia, assim como em qualquer outro ofício, devemos repudiar qualquer tipo de distinção de géneros. Certamente existirão características pessoais que permitirão mais flexibilidade e abertura para chegar a um acordo, isto independentemente do género. A existirem mais acordos, diria que esse facto se
deve à evolução civilizacional, que privilegia a paz ao invés do conflito.

Enquanto advogada que trabalha a área do Direito da Família, Menores e Sucessões, que impacto considera que a legislação atualmente existente tem na defesa e proteção dos direitos das crianças?

A legislação na área do Direito da Família e Menores em Portugal é muito rica e tecnicamente apta à defesa e proteção das crianças. A infância encontra-se amplamente protegida pela legislação nacional e internacional. A nível legislativo, não deteto nenhuma lacuna na legislação atual. A legislação é completamente direcionada para o cumprimento do superior interesse da criança.

O país dispõe de meios infraestruturais e humanos que protejam de forma efetiva uma criança que esteja a ver os seus direitos violados?

Neste ponto, julgo que o país tem um grande problema. De nada nos valerá ter uma legislação amplamente protetora dos direitos da criança se, a posteriori, a mesma não tem a efetividade prática pretendida. Faltam-nos recursos humanos e infraestruturas, desde magistrados judiciais e do Ministério Público, oficiais de justiça,
psicólogos, assistentes sociais, casas de acolhimento e todo um conjunto de meios capazes de assegurar a proteção das crianças e jovens.

Que avaliação faz à atual situação da Justiça em Portugal? É possível fazer cumprir a lei e proteger os menores ou os processos legislativos deveriam ser revistos, com base na capacidade existente em Portugal para proteger os menores?

Os tribunais de família e menores estão entupidos. Já assisti, muitas vezes, ao cumprimento da Justiça, de forma rápida e célere, tal qual como se prevê na legislação, que atribui caráter de urgência aos processos que envolvem menores, devendo, por isso, preceder a qualquer outro; no entanto, também já assisti precisamente o contrário: a Justiça a incumprir-se e os menores ficarem completamente à mercê do sistema até que atinjam a maioridade. Não considero que o problema esteja na legislação, mas sim na falta de recursos humanos e
infraestruturas para fazer cumprir a lei. Sendo certo que, para que exista uma proteção efetiva, ambos os fatores têm de andar de mãos dadas e Portugal ainda está longe de atingir essa simbiose.