É inegável que a tecnologia tem uma força transformadora na sociedade contemporânea. Transformou e moldou a forma como vivemos e interagimos.
Os avanços tecnológicos influenciaram a nossa comunicação, bem como todas as áreas sociais e humanas,
medicina, educação, etc. A introdução de tecnologias digitais no ambiente educacional possibilitou a criação de um espaço mais dinâmico e interativo de aprendizagem.
Mas, e sem mais delongas de introito, a tecnologia não substitui o professor, nem agora nem nunca e se substitui então ele merece a troca porque não entendeu o seu papel no processo.
Pensando na educação de uma forma híbrida, vemos que determinadas atividades e tarefas se tornam mais simples quando desempenhadas por meio dos mecanismos digitais/tecnológicos, ao passo que em outras atividades, a presença física já não consegue ser substituída de modo algum, pois reclama a existência de um corpo pleno, material, em todas as áreas de abordagem. Deste modo, parece coerente e fácil organizar o conhecimento de forma compartimentada: o conhecimento que precisa do Homem e o conhecimento que não precisa.
Só que, não é de todo a minha opinião. A escola à antiga, padronizada e modelo de conhecimento e de sociabilidade caiu por terra com o passar dos anos. A organização escolar continua caduca, não espelha o reflexo dos alunos do século XXI e diga-se, nas duas vertentes (personalista e tecnológica). A preocupação não é de todo o processo de ensino-aprendizagem. Alunos não se seduzem em torno da busca pelo conhecimento, quando o lazer toma a maior parte das vezes conta. Somos infinitamente digitais! Respiramos bytes, kilobytes, megabytes, gigabytes. Vivemos e pensamos na cultura digital de forma prática e instintiva e isso muda a forma como as pessoas executam as suas atividades diárias e interações. Sucede que, quando o professor adentrava a sua sala, era confrontado com o panorama quase inalterado do século XIV. Substituímos as penas e a tinta permanente pelo giz e quadro negro, para lidar “agora” com a tecnologia que a sala de informática equipou com uma dezena de IBM’S mais ou menos funcionais, que se apresentavam geralmente insuficientes, dado a disparidade do número de alunos que integrava as turmas no sistema educativo português.
Criar almas pensantes dá trabalho. Hoje o confronto é a necessidade de educar pessoas pensantes para se defenderem daquilo que elas próprias criaram. Não sou contra a tecnologia (como poderia sê-lo!), vivo (vivemos) todos em torno dela.
À parte disso, lecionei por anos educação tecnológica com afinco e o ânimo que ela requer! Mas chegando ao “q” da questão: a educação é inseparável, não se pode compartimentar num bloco distante das relações sociais e humanas, sendo que toda a educação reflete a ideologia de um determinado período histórico, ela é um espelho da sociedade e a inversa também é verídica. Somos o Homem idealizado há décadas atrás, para ser ligeiro, porque um
século pesa toda a vida. Sabemos que a escola não é um lugar perfeito, mas é um lugar singular de comunhão e entendimento, ela reflete o mundo e as suas variações, num mundo perfeito que não existe fora das nossas mentes.
A Pandemia deste século que nos afastou a todos, ressuscitou a “telescola” e implementou o teletrabalho. Cinco anos se passaram e não há quem possa afirmar que a tecnologia não ganhou um lugar ainda mais cativo no nosso dia-a-dia. Mas se assim é o que importa restaurar no ensino clássico? O que é importante no ensino presencial? Tudo. Não há abraço que a tecnologia consiga aproximar na sua verosimilhança. No passado remoto, a função do professor foi sempre desprestigiante e desprestigiada, sabemo-lo, mas depois com o tempo isto acabou por mudar. Pensavam os antigos: se o fundamental é usar a razão, aquele que ensina a usar a razão deve ser prestigiado.
Agradeçamos aos iluministas que começaram a prestigiar o professor!
Mas e a educação do futuro?
Primeiramente e para não alargar a outros campos, temos a IA. Imaginar um mundo onde a criatividade rompe limites, recheado de expansão, gerado pela tecnologia e não por seres humanos é já uma realidade dos nossos dias. Hoje temos uma diversidade de IA´s: Inteligência Artificial Limita (ANI); Inteligência artificial geral (AGI); Superinteligência (ASI); Inteligência Artificial Generativa (IA Generativa), uma viagem no tempo para antever o futuro. Aquilo que no passado parecia uma miragem, hoje é uma realidade presente, transversal a todas as áreas, deixando e criando estruturas de possibilidades infinitas no futuro.
A Inteligência Artificial está em todo o lado, temos carros inteligentes, assistentes virtuais, autênticos braços direitos na medicina, investigação, indústria e as possibilidades não se esgotam. Mas a Inteligência Artificial, no futuro promete revolucionar ainda mais, automatizando tarefas, criando arte, levantando inúmeras questões para inspirar a filosofia e até mesmo curar doenças.
Sem dúvida, que assistimos a uma verdadeira e inspiradora revolução, que vem desaguar em novas formas de encarar o mundo laboral, o mundo dos negócios e a própria vida. Como desafios, vislumbram-se as questões éticas, a legislação que sirva de barreira ao eventual crescimento desenfreado, o entendimento e tratamento destas ferramentas com responsabilidade e equilíbrio, para garantir o prometido futuro brilhante.
Mas então a escola, tal como a conhecíamos, está fadada ao fracasso?
O Homem é dotado de uma natureza que lhe permite o seu aperfeiçoamento progressivo e a escola é um espaço autonomizador de liberdade e expressão desse aperfeiçoamento. É um espaço de construção e constituição, onde se desenvolve a formação da personalidade. O Homem não se pode compartimentar, não o Homem Global, expressão da interligação de todas as produções, ou, eu ajo naturalmente e isso traz comigo a complexidade do que sou (ética). Habitamos em dois mundos, o da natureza e o paralelo a ela. A ciência bem como a tecnologia é
uma construção paralela à natureza. Tudo o que eu construo é paralelo à natureza. O Homem construiu um mundo paralelo como abrigo. O mundo construído é um mundo de abrigo. Ainda somos iluminados, somos dependentes hoje da razão, queremos que tudo nos seja explicado. A felicidade decorre do bom uso da razão e este uso permite-nos reflexionar sobre a intensidade e necessidade com que fazemos uso das ferramentas tecnológicas.
Se a escola não se preparou para fazer a transição da pena, para a era digital, a tecnologia não se preparou para o Homem.
Esta transição, para uns não faz sentido, para outros é um caminho sem regresso. Uma coisa é certa, “todos” temos nos países desenvolvidos e de algum modo acesso à tecnologia. Mas, de lá até “aqui”, tudo foi pensado para o lápis e papel e agora como vamos reaprender a escrever numa vida que é Ex nunc? Não há efeitos retroativos no que toca ao desenvolvimento social, seja em que área for.
Sinceramente se me perguntarem o que prefiro, eu não hesito em responder que, entre o digital e o formal, atirada à civilização da cultura evoluída mas, e ainda resistente, responderei que prefiro o olhar e o sorriso. Prefiro a presença e o sentir. E se o argumento se sustenta em pernas débeis, fortaleço-o nas palavras de um dos grandes nomes da música e da produção artística, Brain Eno, quando nos diz que a “tecnologia é o nome que se dá a
coisas que não funcionam”. Mas, não sustentando o antagonismo, a mesma tecnologia que afasta a proximidade interpessoal, também torna as pessoas mais ativas, e por isso mais próximas também. A tecnologia precisa de pessoas, como o monstro precisa de amigos! Com ela, as pessoas são ativas mesmo que não queiram (mas quais
as vantagens de não ser)? Na educação, se a tecnologia deve ou não ter um papel secundário no processo educativo, o tempo dirá, mas com o empurrão da pandemia, não se vislumbram momentos de retrocesso, bem pelo contrário. O teletrabalho e o e-learning vieram para ficar e a eventual resistência em mudar reflete-se no medo do desconhecido. Outras novidades nos confrontarão no futuro, outros medos, outras mudanças, porque o mundo não pára porque o medo existe.
A escola do futuro e já agora, do presente, pode tender a hipervalorizar o saber-fazer e não o saber por si só. Poder-se-á nem sequer fazer sentir a necessidade da escola física, se os objetivos forem alcançados por via virtual. O que sabemos é que a transmissão da informação não carece de qualquer escola, a do conhecimento sim. Entender e compreender algo, está muito para além de uma tela. A escola vai ser sempre necessária porque o debate não se faz sozinho, à distância de um ecrã, a criatividade precisa do outro na sua alteridade, para se expressar mesmo a nível individual. Nós só temos aquilo que damos. Assim, cumpre questionar o fundamental:
a escola pode ser substituída? Pode, como qualquer outra coisa. Podemos aprender sozinhos? Podemos. Mas não
vamos de certo moldar um mundo, ficar mais inteligentes. A escola do diálogo, lugar de troca, que faz atravessar mundos e cruzar afetos vai ser sempre necessária, pelo menos na minha visão do Homem, que não quer ser uma máquina.
Carla Teixeira da Silva
carmts@hotmail.com