Que análise faz da importância destes dois países, um para o outro, politicamente, e tendo em conta o cenário europeu?
Comecemos este artigo com um pouco de história, pois ela explica o passado, justifica o presente e aponta para um futuro bilateral e europeu comum.
A relação entre Portugal e o Luxemburgo remonta ao século XIX, tendo sido marcada pelo casamento da infanta portuguesa Maria Ana de Bragança com Guilherme IV, Grão-Duque do Luxemburgo.
Quando a sua irmã mais velha, a Grã-Duquesa Maria Adelaide, que tinha sucedido a seu pai, Guilherme IV, foi forçada a abdicar em 14 de janeiro de 1919, Charlotte teve que lidar com as tendências revolucionárias que grassavam no seu país (e por toda a Europa).
Num referendo quanto à nova Constituição, realizado em 28 de setembro de 1919, 77,8% do povo luxemburguês votou pela continuação da monarquia grã-ducal, escolhendo Charlotte, uma neta do antigo rei de Portugal, Dom Miguel I, como Chefe de Estado.
Foi por causa da Segunda Guerra Mundial que a aproximação entre os dois Estados se aprofundou, com a família grã-ducal e o governo do Luxemburgo a refugiarem-se primeiro em França e, após a rendição desta aos nazis, depois em Portugal, tendo o Cônsul português Aristides de Sousa Mendes dado vistos a muitos luxemburgueses.
Uma comitiva de 17 carros e 72 pessoas instala-se no Hotel do Buçaco. Salazar atribui à Grã-Duquesa e aos seus ministros o estatuto de refugiados desde que estes se abstivessem de qualquer atividade ou declarações políticas. Depois de Coimbra, Charlotte muda-se para Cascais.
Mais tarde, a família grã-ducal parte para os EUA e depois para o Canadá, onde angariam fundos para apoiar os seus concidadãos refugiados. A Grã-Duquesa Charlotte vai para o exílio em Londres onde aos microfones da BBC protesta contra a anexação do Luxemburgo e torna-se um símbolo de unidade nacional.
Apenas regressou ao Luxemburgo após luz verde dos Aliados em abril de 1945.
Esta história continuou depois a ser alimentada do lado português pela grande quantidade de imigrantes nacionais que, fugindo dos regimes de Oliveira Salazar e Marcello Caetano ou procurando melhores condições de vida, encontraram no Grão-Ducado o seu local de abrigo, contribuindo para o desenvolvimento económico do país, como é comumente reconhecido pelas mais altas autoridades do Luxemburgo.
A adesão de Portugal à União Europeia em 1986, de que o Luxemburgo é Estado-membro fundador, ainda mais veio alicerçar um presente e um futuro comum, onde a partilha dos mesmos valores e princípios, a construção do mercado único e da união económica e monetária, a liberdade de circulação de pessoas plasmada em Schengen, entre outros marcos da construção europeia, são hoje uma realidade, que a pandemia teima em tentar limitar.
A pandemia e as suas consequências, bem como as medidas que se tomaram ao nível económico e social constituem outros sinais de convergência entre os dois países e de coesão entre os dois povos. A solidariedade demonstrada pelo Grão-Ducado numa hora de necessidade em Portugal, que agradecemos, é apenas o reflexo de toda esta evolução que se entranhou e se aprofunda mais um pouco todos os dias. Imbuído do mesmo espírito, em 2020 Portugal ofereceu à escola luxemburguesa 15 professores de ensino da língua portuguesa para, face ao desdobramento das turmas, assegurar o ensino delas aos alunos, nomeadamente luxemburgueses.
No que respeita à questão económica, como avalia a posição e importância de Portugal no cenário de desenvolvimento económico e nas trocas comerciais com o Luxemburgo?
A relação económica entre os dois países é pequena em valores e bens e serviços, embora muitos deles sejam estatisticamente incorporados na contabilidade belga, por onde entram, mas o destino final é o Luxemburgo.
Os números traduzem o que afirmo. Portugal exporta sobretudo produtos agroalimentares, antigamente apenas para o mercado étnico, mas que hoje, nomeadamente dada a excelência dos seus vinhos, o ultrapassa largamente.
O Luxemburgo, lançando mão da sua experiência em serviços financeiros, exporta capital, seu ou de países terceiros, nomeadamente da China.
Naturalmente que esta relação é insuficiente. Pode-se fazer mais, diversificando e inovando.
Esperava que a visita agendada dos Grão-Duques a Portugal, prevista para maio de 2020, adiada devido à pandemia, pudesse colocar este sector do relacionamento bilateral noutro patamar, incentivando ambos os lados a unir esforços em áreas onde cada uma tem evidentes mais valias: por exemplo, Portugal com o turismo, a saúde e o verde; o Luxemburgo com os serviços financeiros, a mobilidade elétrica e o espaço. Ambos com o digital. As PMEs e as startups dos dois países têm que ser motivadas a fazer mais, cabendo aos dois Governos garantir-lhes o risco da inovação e o apoio nos mercados.
Do lado português, depois de várias tentativas para dinamizar a função de estruturas existentes, está em curso a criação de um clube de empreendedores, homens de negócios qua atuam em diferentes sectores, com provas dadas, que querem trabalhar o mercado luxemburguês, fazer a interface com o mercado português e sobretudo alargar as suas actividades à Grande Região (Leste da França, Sul da Bélgica e Oeste da Alemanha), onde vivem 25 milhões de consumidores responsáveis por 12% do PIB da União Europeia.
Em conclusão, há ainda espaço e sectores por trabalhar bilateralmente, que decerto aumentarão as trocas comerciais e tornarão mais interligadas as economias dos dois países.
A comunidade portuguesa no Luxemburgo é muito grande, tendo por isso uma grande importância nas atividades económicas do país. Como se divide esta comunidade de portugueses, entre os diversos setores económicos?
A Comunidade Portuguesa é efectivamente muito grande face ao tamanho da população luxemburguesa e à dimensão do país. É a maior comunidade estrangeira do Luxemburgo e constitui cerca de 1/5 da sua população. Ronda as 100 mil pessoas, mas com o fenómeno dos trabalhadores transfronteiriços poderá atingir os 120 mil. E com os que estão em situação irregular podemos ir mais além.
Dividiria a nossa Comunidade em três dimensões: i) os que trabalham nas inúmeras instituições europeias sedeados no país; ii) os que estão empregados em instituições privadas ou públicas, nacionais ou estrangeiras, como as instituições financeiras, fiscais e de saúde; e iii) os que trabalham em sectores como o da construção civil, as limpezas e a hotelaria e restauração. É nesta última dimensão, por onde aliás começou a imigração portuguesa para este país, que se encontra o maior número de trabalhadores portugueses.
Todos dão o seu melhor e contribuem dentro dos seus sectores de actividade para afirmar Portugal e a sua portugalidade. Todos são importantes. E a todos trato como portugueses de primeira, sem fazer distinções absurdas ou discriminações descabidas. Acresce que as mais altas autoridades do Luxemburgo respeitam a Comunidade Portuguesa e, reitero, elogiam a sua contribuição para o desenvolvimento do país.
Neste ponto gostaria de abordar quatro aspectos fundamentais onde me empenho pessoalmente para empoderar a Comunidade Portuguesa: i) a questão do ensino da língua portuguesa; ii) a energização do movimento associativo; iii) o exercício por parte dos portugueses dos seus direitos de cidadania através de uma maior participação cívica; e iv) a luta contra os empregadores de mão-de-obra “escrava”.
A Língua portuguesa é a 4ª língua mais falada no Luxemburgo depois do alemão, francês e inglês. É a língua de origem dos nossos imigrantes, que deve continuar a ser ensinada, através do Camões IP, nas escolas luxemburguesas através de diversos sistemas de ensino. É um acervo identitário, um instrumento de acesso ao ensino superior em Portugal e também uma via para a integração. Mas não deve impedir a integração das gerações mais novas; pelo contrário, deve incentivá-las a beneficiar de tudo o que o Luxemburgo oferece para poderem não ser estigmatizadas e conseguir entrar no respectivo elevador social. Temos 3.000 alunos a estudar a língua portuguesa. De 2020 para o ano lectivo 2021/22 entraram mais 300 novos alunos.
Com honrosas excepções, o movimento associativo precisa de ser renovado e dotado de lideranças mais novas com actividades mais adequadas aos tempos de hoje e que atraiam a comunidade jovem, sob pena de ficar preso a um passado em desaparecimento, cuja cultura popular e respectivo espólio se podem perder e dispersar.
A Comunidade Portuguesa está muito alheada da vida política luxemburguesa, quer ao nível local e também no plano nacional, não defendendo os seus interesses por falta de participação cívica. Tenho-lhe dito por diversas vezes que ela não tem no xadrez partidário luxemburguês uma presença proporcional à sua demografia, havendo aqui um défice que é necessário colmatar em seu benefício e do Luxemburgo.
Por último, mesmo antes da pandemia, mas agora com outra acuidade, “engajadores” portugueses exploram os seus concidadãos, prometendo-lhes “mundos e fundos”, trazendo-os para aqui para trabalhar na construção civil em condições inumanas e de forma ilegal. Tenho trabalhado com a Inspeção de Trabalho luxemburguesa, que já começou a dar alguns frutos, esperando eu que uma maior vigilância destas situações e condenações exemplares desmotivem estes criminosos.
Acresce ainda, no quadro da pandemia, a questão dos trabalhadores portugueses que se encontram sem emprego pelos seus vínculos precários ou contratos a termo terem cessado ou porque as empresas onde trabalhavam se tornaram insolventes, levando-os para situações de risco, numa primeira fase colmatado com a ajuda social local e algumas associações portuguesas e, no caso extremo, promovendo o seu regresso a Portugal por via de repatriamentos feitos por esta Embaixada, matéria que consta de um Guia por ela elaborado e divulgado.
Que projetos ou eventos gostaria de destacar, que venham a ter lugar em Portugal ou no Luxemburgo e que demonstrem, efetivamente, esta relação positiva que existe entre estes países?
O principal projecto, que é uma certeza dependente do encontro de datas mais adequadas a Portugal e ao Luxemburgo, é a visita de Estado dos Grão-Duques a Portugal logo que a pandemia o permita que, como disse, não deixará de colocar o relacionamento económico entre os dois países num novo patamar. Esta visita é assim uma espécie de alavanca ou motor de um maior aprofundamento do relacionamento bilateral, dando assim continuidade às visitas ao Luxemburgo do Senhor Primeiro Ministro e do Senhor Presidente da República em 2017, que já se podem considerar uma eternidade em termos económicos, financeiros e comerciais.
Quais os desafios que considera fulcrais, para os próximos tempos, sobretudo considerando este tempo particular em que vivemos e a situação económico-financeira e social em que os países (um pouco por todo o mundo, em particular na Europa) se encontram?
O principal desafio é o de “dominar” a pandemia e relançar a economia e o emprego. Nenhum Estado-membro o pode fazer individualmente. Só a União Europeia como um todo o pode concretizar. A grande maioria dos europeus está, aliás, à espera ou desespera por isso. Duvido que se trate de voltar à normalidade que todos conhecemos, mas pelo menos criar uma nova vida noutros tempos e espaços que não podemos deixar de descobrir e enfrentar. Trata-se de um novo caminho, mais digital e verde e com um modelo social europeu actualizado, como quer a PPUE 2021 e muitos outros Estados-membros. Por isso mesmo, custa-me a compreender certas dinâmicas de atraso em processos já acordados a “27”, que só enfraquecem politicamente os actuais líderes europeus, acabando por promover extremas direitas (e também de esquerda) que se aproveitam da inação para promover o medo e tentarem tomar o poder para por em causa a ordem estabelecida, que sabemos que tem de mudar à luz das novas circunstâncias e desafios. O que está em jogo é muito mais do que a pandemia e o relançar da economia e do emprego. É a própria União Europeia enquanto espaço democrático de solidariedade e de coesão, interna e externa, um verdadeiro modelo de “soft power” do século XXI.