As circunstâncias extraordinárias que vivemos nos últimos meses tornaram evidente para todos algo há muito defendido por alguns: a importância da habitação como direito fundamental da pessoa humana.
A habitação esteve na linha da frente da defesa contra a pandemia: foi espaço de recolhimento, foi, para muitos, espaço de convalescença e de cura, foi espaço de trabalho, foi espaço de aprendizagem. Foi, em síntese, o porto de abrigo seguro nos momentos mais difíceis.
A consciência da importância de que se revestia a habitação e do risco que poderia advir da situação de vulnerabilidade que iria afetar muitas famílias, levou a que, num primeiro momento, fosse aprovado um conjunto de medidas excecionais e de emergência que garantissem a permanência das famílias nas suas habitações, numa altura em que lhes era pedido para ficarem em casa, e em que a troca de habitação era, não só muito difícil, como mesmo desaconselhada. Estas medidas incluíram a suspensão dos despejos, da caducidade e denúncia dos contratos de arrendamento e da execução de hipotecas de habitação própria e permanente.
No entanto, estas medidas por si só não impediam que as famílias entrassem em incumprimento, caso os rendimentos do seu agregado familiar sofressem alguma redução, e que se vissem confrontadas com a perda da habitação num futuro próximo. Para acautelar estas situações e para conferir as condições para as famílias manterem a habitação onde residem após o término do estado de emergência, foi aprovado outro conjunto de medidas, entre as quais se contam: a moratória para os créditos habitacionais, um regime excecional e temporário de mora no pagamento de rendas e um apoio financeiro a conceder pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação urbana, I.P. (IHRU, I.P.) para pagamento de rendas.
A aprovação do regime excecional para o arrendamento veio permitir que as famílias que tivessem uma quebra de rendimentos significativa e cujos encargos com a renda fossem superiores a 35% dos seus rendimentos mensais não fossem penalizadas por atrasos no pagamento das rendas e que pudessem saldar essa dívida com os seus senhorios posteriormente, ao longo dos doze meses seguintes. A medida abrangeu todos os agregados familiares que se encontrassem nestas condições, independentemente do seu nível de rendimentos ou dos valores das rendas. O seu objetivo era garantir que todos os que se vissem excecionalmente afetados por esta crise tinham medidas de apoio excecionais para manter os seus compromissos. Esta medida vigorou durante o estado e emergência e mês seguinte, ou seja, termina no corrente mês de junho.
Aprovado em simultâneo e disponível desde 15 de abril, o apoio financeiro concedido pelo IHRU, I.P., veio permitir que as famílias que a este recorressem não só pudessem manter o pagamento das rendas em dia junto dos seus senhorios, como usufruíssem de uma forma de regularização dos valores devidos verdadeiramente comportável para o seu orçamento. Por um lado, este apoio garante o tempo necessário para as famílias normalizarem a sua situação financeira: tem um período de carência de seis meses, sendo que nunca se inicia o pagamento antes de janeiro de 2021, o que é muito mais longo do que o previsto para iniciar a regularização do valor em dívida junto do senhorio, que ocorre já no próximo mês. Por outro lado, o valor das prestações mensais é bastante mais baixo e permite ainda a sua renegociação, sempre se verifique que a taxa de esforço e o rendimento das famílias assim o justifica.
Convém ainda sublinhar que o recurso ao apoio do IHRU, I.P., – que estátambém disponível para os senhorios de baixos recursos sempre que osarrendatários não o façam -, além de ser mais vantajoso para as famíliaspermite ainda aos senhorios manterem os rendimentos dos seus imóveis arrendados inalterados, minimizando assim os impactos negativos deste período para todas as partes.
Como sabemos, embora o estado de emergência já tenha sido levantado, as dificuldades sociais e económicas motivadas pela pandemia irão prolongar-se. É previsível que haja um número significativo de famílias que demorem ainda algum tempo a recuperar a sua estabilidade financeira.
Por esta razão, considerou-se essencial que o levantamento das medidas excecionais aprovadas para a habitação fosse também progressivo, tal como está a acontecer com o desconfinamento e com a retoma da economia. Por essa razão, no que respeita ao arrendamento, a despenalização dos atrasos no pagamento das rendas junto dos senhorios cessa este mês, iniciando-se em julho a obrigatoriedade de reposição das mesmas. Não obstante, o apoio do IHRU, I.P., foi prorrogado até setembro, permitindo que, mesmos os arrendatários com quebra de rendimentos que a este ainda não tenham recorrido o passam fazer. Por esta via é possível aos arrendatários regularizar as rendas em dívida, usufruir de apoio à renda nos próximos meses e somente iniciar a regularização dos pagamentos em março do próximo ano.
Assim, nesta nova fase, e sem penalização para os senhorios, foram criadas as condições para que as famílias não entrem em incumprimento nos seus contratos de arrendamento, regularizem as rendas de forma suave ao longo do tempo, e somente após um período alargado, para possibilitar a normalização da sua vida profissional e situação remuneratória.
A proteção das famílias e da pessoa humana exige que, mesmo numa altura difícil como a que estamos a atravessar, se evite o surgimento de novas situações de precariedade habitacional e, principalmente, se garanta que o direito a uma habitação condigna continua a consolidar-se em Portugal, sem retrocessos, na senda do que tem vindo a acontecer nos últimos anos. Este é mais um passo nesse sentido.
Fotos cedidas pelo MIH