Um estudo do SICAD analisou as respostas de 11.800 jovens entre os 13 e os 18 anos relativamente aos comportamentos aditivos e concluiu que o jogo online é aquele que está em maior crescimento. A seu ver, a que se deve isso? Porque é que os jovens estão a desenvolver comportamentos mais aditivos no que diz respeito ao jogo? Que fatores psicológicos podem estar aqui em causa?
Este comportamento pode assumir uma função de proteção face a emoções intensas e difíceis de elaborar, frequentemente associadas a experiências conflituosas que causam angústia. Traços como impulsividade e procura continuada por estímulos externos podem sinalizar um mal-estar psíquico subjacente, que vai fragilizar os recursos adaptativos dos jovens. A ausência de um suporte familiar estruturado, aliada à influência de figuras significativas com padrões comportamentais semelhantes, constitui um fator de risco acrescido. Em contextos de isolamento social e de crescente digitalização das relações, dinâmicas intensificadas durante uma pandemia, o jogo pode adquirir um papel de pertença identitária e substituição afetivo-relacional.
Este comportamento de adição tem aspetos aos quais os pais e educadores devem estar atentos, a fim de identificar esta dependência?
Sim, nomeadamente a perda de controlo sobre o tempo e a frequência deste, mesmo perante consequências negativas significativas. São comuns alterações no funcionamento diário, como quebra do rendimento académico,
retraimento social, sintomas como irritabilidade ou humor depressivo na ausência do jogo, e o aumento progressivo da necessidade de tempo de jogo (tolerância). A tendência para ocultar comportamentos e o desinvestimento nas interações presenciais reforçam a dimensão compulsiva do fenómeno e evidenciam a urgência de uma intervenção psicoterapêutica.
“A ausência de um suporte familiar estruturado, aliada à influência de figuras significativas
com padrões comportamentais semelhantes, constitui um fator de risco acrescido”.
Como se pode ajudar estes jovens a quebrar o ciclo do vício do jogo?
Este processo deve centrar-se na compreensão empática dos elementos da história de vida do jovem que o comportamento do jogo pode estar a silenciar ou a tentar regular. A criação de espaços relacionais seguros, que
favoreçam a expressão do mal-estar, a identificação de padrões repetitivos e o experimentar de formas alternativas de lidar com a angústia, é fundamental. A presença de figuras adultas significativas, capazes de estabelecer limites
firmes mas emocionalmente sintonizados, constitui um importante fator de proteção.
A redução gradual do tempo de exposição às telas, aliada à promoção de experiências envolventes e gratificantes permite ao jovem reencontrar fontes saudáveis de prazer e vínculo. É igualmente crucial avaliar a existência de psicopatologia associada.
Qual o papel dos profissionais ligados à Psicologia e à Psicoterapia na ajuda a estes jovens? Quais são as abordagens terapêuticas que a Clínica Pensamente adota nestes casos?
A psicoterapia assume um papel central ao oferecer um enquadramento relacional seguro, onde é possível compreender o significado dessas vivências e promover processos de transformação subjetiva. Na Clínica Pensamente (Lisboa | Setúbal | Online), disponibilizamos um espaço terapêutico que favorece a exploração dos significados associados à queixa, o desenvolvimento de competências emocionais e a (re)descoberta de um sentido
de vida autónomo e gratificante. A intervenção vai além da simples redução do comportamento de jogo: visa a recuperação da capacidade de simbolização, a reconexão com os vínculos afetivos e a construção progressiva de
um projeto de vida mais pleno.

É possível – e concretizável na prática – restringir a entrada dos jovens nos sites de jogo online? Que tipo de controlos podem ser implementados para reduzir a sua presença nestes espaços digitais?
Sim, é possível limitar o acesso de jovens às plataformas de jogo online, desde que essa restrição resulte da articulação coordenada entre medidas tecnológicas, legislativas, educativas e psicossociais. Mais do que uma
simples restrição, trata-se de promoção de proteção ativa e fomentar processos de reflexão crítica. Estratégias como a verificação rigorosa da idade através de documentação oficial, a utilização de sistemas de controlo parental integrados em contextos de diálogo e supervisão afetiva, e o bloqueio de plataformas não autorizadas contribuem para a redução da exposição a conteúdos de risco.
“A redução gradual do tempo de exposição a ecrãs, aliada à
promoção de experiências envolventes e gratificantes permite ao
jovem reencontrar fontes saudáveis de prazer e vínculo.”
É possível prevenir estes comportamentos? De que forma? Acredita que falta conhecimento na sociedade (sobretudo junto dos mais jovens) sobre os perigos das apostas online?

Cuidar, no seu sentido mais amplo, constitui a base essencial de qualquer estratégia preventiva. Promover desde a infância a capacidade de reflexão e gestão das emoções, fomentar o pensamento crítico e desenvolver mecanismos de autorregulação emocional são fatores protetores, que reduzem a probabilidade de os jovens recorrerem ao jogo como forma de anestesiar o sofrimento psíquico. A prevenção destes comportamentos deve, no entanto, começar ainda mais cedo, na primeira infância, através do acompanhamento precoce da parentalidade, sensibilizando pais e educadores para a importância da tolerância zero na exposição a ecrãs em crianças pequenas, evitando o seu uso
como estratégia de controlo comportamental ou resposta ao burnout parental. O contexto escolar pode funcionar como um espaço privilegiado de intervenção precoce, através de programas psicoeducativos que informam sobre os riscos das apostas online e incentivam decisões informadas e responsáveis. No ambiente familiar, a presença ativa dos cuidadores, o estabelecimento de limites consistentes e a comunicação empática têm um impacto significativo na mitigação de comportamentos de risco.