“O acesso aos cuidados de saúde oftalmológicos via SNS tem de ser melhorado”

A 10 Outubro celebrou-se o Dia Mundial da Visão e a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia não podia deixar de assinalar a data. Em entrevista, a Presidente desta instituição, Rita Flores, fala das dificuldades que a área da Oftalmologia atravessa no Serviço Nacional de Saúde, alerta para os problemas visuais das próximas décadas e deixa conselhos para que cuide da sua visão.

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Por que motivo é importante assinalar o Dia Mundial da Visão?

O Dia Mundial da Visão comemora-se anualmente na segunda quinta-feira de outubro – este ano a 10 de outubro de 2024. A data, criada pela Organização Mundial de Saúde, chama a atenção para os perigos mais graves, como a cegueira e a deficiência visual. O seu objetivo é consciencializar acerca da importância dos olhos na saúde e bem-estar das populações. Este dia destaca também a necessidade da sua regular observação em qualquer grupo etário, principalmente crianças, idosos, diabéticos e naqueles que vivem em regiões carenciadas. Esta data é assinalada por todo o globo, através de vários eventos e iniciativas que procuram chamar a atenção para o cuidado a ter com a visão e prevenção da cegueira.

Enquanto entidade representativa dos profissionais do setor, que medidas deveriam ser tomadas para que a Oftalmologia fosse mais acessível via SNS?

Anualmente, realiza-se em todo o país um gigantesco número de consultas e de cirurgias oftalmológicas no SNS. No entanto, esta resposta é sabidamente inferior à procura – cujos números aumentam progressivamente, aumento este associado a inúmeros fatores, nomeadamente a resposta insuficiente dos cuidados primários de
saúde e o envelhecimento da população. Nesta análise, importa salientar a grande desproporção existente entre o número total de oftalmologistas e o número de oftalmologistas a desempenhar funções no SNS. Muitas razões poderão ser apontadas para esta desproporção (várias delas não recentes, algumas estruturais, outras geracionais) que têm culminado naquilo a que hoje em dia todos assistimos: atuais políticas de contratação, pouco investimento nas carreiras médicas, subfinanciamento dos cuidados de saúde e dos profissionais de saúde.

Para contrariar estas fragilidades é urgente tornar o SNS mais atrativo, com melhores condições de trabalho, melhor remuneração, possibilidade de progressão na carreira, reconquistando o orgulho em trabalhar no SNS.

Paralelamente, a referenciação dos doentes precisa de ser repensada e reformulada, de acordo com a gravidade e complexidade dos cuidados exigidos, criando unidades intermédias menos diferenciadas mas plenamente eficazes para doentes menos complexos, evitando a referenciação massificada para os grandes centros, muitas vezes sem critério ou prioridade.

Que desafios enfrenta atualmente esta área, a que urge dar solução?

Em termos gerais, os maiores desafios que enfrentamos prendem-se com a necessidade de resolução ou mitigação das principais limitações atrás apontadas e de todos conhecidas. O acesso aos cuidados oftalmológicos, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, necessita de ser melhorado e harmonizado, com redução das atuais listas de espera desproporcionadas e com desigualdades geográficas assinaláveis. A referenciação pelos cuidados primários de saúde necessita de ser trabalhada e melhorada. A hierarquização dos cuidados de saúde e das unidades hospitalares merece ser reformulada.

Com as crianças e os adultos a estarem cada vez mais dependentes das telas dos computadores, telemóveis e tablets para viver e trabalhar, antecipam-se problemas oftalmológicos nas gerações que se seguem?

Este é um tema muito atual, porque as necessidades e as exigências a este nível são progressivamente superiores. A interferência cada vez maior das faculdades visuais e de leitura no dia a dia das populações e a relação estreita com o grau de literacia, leva a que esta dependência seja crescente. As queixas de desconforto
ocular associadas ao uso de ecrãs é um outro facto, cuja frequência nas consultas de oftalmologia disparou na última década.

Quão importante é conseguir informar a população da importância de cuidar da visão?

Como Presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia detenho, em nome de todos os oftalmologistas, a possibilidade de veicular medidas de educação para a saúde, através de campanhas de divulgação de “disease awareness”, permitindo aos doentes estarem despertos para a sua saúde ocular, valorizando os seus sintomas e melhorando a informação de proximidade.

Que conselhos pode a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia deixar à população?

O melhor conselho que podemos deixar à população é que devem obter vigilância oftalmológica regular e cuidados de saúde oftalmológicos, desempenhados por profissionais competentes na saúde visual, ou seja, por médicos oftalmologistas. A colaboração com outros profissionais de saúde será, à semelhança de outras especialidades, mantida e salvaguardada, nunca ultrapassando ou desvirtuando o princípio de que o ato médico deverá ser uma responsabilidade exclusiva do médico, que concretiza e satisfaz um direito do cidadão aos melhores cuidados de saúde.