“O bullying afeta muito mais pessoas além da vítima e do agressor”

A Psicologia chamou Andreia Lourador desde cedo. Foi com 13 anos que descobriu a força que a mente tem no bem-estar do ser humano e, desde então, evoluiu enquanto profissional, sempre com o intuito de ajudar quem está em sofrimento interior. Atualmente, conta com uma equipa de profissionais especializados, tem a sua clínica de saúde mental sediada no Porto, mas dá consultas também em Lisboa. Nesta entrevista, fala sobre bullying e de como esta é uma realidade que afeta muito mais do que somente aqueles diretamente envolvidos e para a qual urge preparar as crianças.

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Sempre quis ser psicóloga? O que a levou a seguir este caminho na área da Psicologia?

Aos 13 anos, deparei-me com o livro “História da Psicologia” e foi quando me confrontei pela primeira vez com os génios da mente humana, como Freud, Jung, Rogers. Aquele livro fez-me perceber algo que eu achei incrível, lembro-me como se tivesse aberto um baú e descoberto um segredo: “Tudo o que fazemos tem uma explicação. E é possível mudar a mente, lembro-me de ter pensado. Ao fazê-lo mudamos as nossas emoções, então eu posso sentir só coisas boas”. Na minha ingenuidade comum daquela fase, pensei que era possível não sentir mais emoções desagradáveis. Não é de todo mentira que assim não seja, mas as emoções desagradáveis também são necessárias. Com o tempo fui-me questionando sobre qual profissional poderia ajudar as pessoas a passarem por esse processo de transformação a que chamo de “mistérios da mente”. E a Psicologia ensina-nos como isso se
faz. Assim, decidi que seria psicóloga.

Como define a sua abordagem terapêutica? Cada pessoa é uma pessoa, sobretudo tendo em conta a sua idade e problema apresentado ou há um ponto de partida igual para todos?

Cada paciente é diferente, ainda que a base da abordagem terapêutica que sigo seja frequentemente a terapia cognitiva comportamental. Primeiramente é necessário “despir” o paciente. Não podemos olhar para o problema que nos traz de forma isolada, circunscrita. Somos um todo. Esse é o ponto de partida. Ele chega-nos carregado de experiências, de vivências, de traumas, cada um carrega consigo uma história diferente, com impactos diferentes. Às vezes, uma abordagem não é tão eficiente quanto a outra devido à personalidade, às crenças e à natureza dos problemas trazidos por cada um deles. O psicólogo tem que ser dotado de uma capacidade de encaixe e de sensibilidade muito efetiva, para conseguir responder rapidamente às características daquele paciente, estabelecendo a aliança terapêutica quase imediata. Todas as abordagens psicológicas são efetivas. Elas possuem o mesmo propósito: ajudar as pessoas na resolução de conflitos através da aquisição de autoconhecimento, e da cura de feridas emocionais.

Que impacto julga que esta recente aposta em campanhas que desmistificam a saúde mental tem na população?

As campanhas de sensibilização e de alerta para a saúde mental têm tido um forte impacto no aumento da literacia, na educação e na empatia para a doença mental, mas Portugal continua a ser um dos países da Europa onde o consumo de antidepressivos e benzodiazepinas é maior. E isto não é de todo demonizar os psicofármacos, até porque em muitos casos eles são indispensáveis e indissociáveis do acompanhamento psicológico. Mas muitas pessoas ainda os veem como único recurso, e isto só ameniza o sintoma, e assim a doença vai silenciosamente agravando. Há dois tipos de tratamentos: o tratamento etiológico e o tratamento sintomático. O tratamento etiológico vai à raiz do problema e o tratamento sintomático vai ao sintoma. Na saúde mental, se
apenas amenizarmos os sintomas, a causa principal vai agravando. Por isso é necessária uma educação contínua sobre saúde mental, desde a infância. Isso sim, é fundamental para que a mudança ocorra de facto.

Num momento de regresso à escola, que alertas importa deixar aos pais, de forma a estarem atentos não só ao facto de os filhos poderem ser alvos de bullying, como também ao facto de o seu filho/a poder praticar bullying?

A escalada destes fenómenos significa que estamos a falhar com as nossas crianças. Pode ser assustador para os pais, mas uma parte significativa das crianças, tarde ou cedo, acaba por estar envolvida no bullying. Quando falamos a respeito desta problemática, centramos a nossa atenção em quem a pratica e em quem a sofre, ou seja, agressor e vítima (direta). Mas, na maioria das vezes, o bullying tem sempre mais envolvidos, os
espectadores. Testemunhar o bullying é sempre perturbador e afeta também aqueles que o presenciam e que por medo, não o denunciam. A boa notícia é que os espectadores têm o potencial de fazer uma diferença positiva numa situação de bullying, intervindo de alguma forma. Interromper pessoalmente a prática do bullying não é recomendado, mas utilizar o que viram para pedir ajuda contando a um adulto é um grande e importante passo.
Deixo o alerta aos pais de que não devem incentivar a criança a responder com agressividade, ou seja “na mesma moeda”, porque para além de não cessar a violência, ainda colocaremos a criança numa situação de maior risco. Encorajar e incentivar os nossos filhos para uma comunicação aberta e para a partilha, para que os possamos ajudar e, assim, contribuir para um desenvolvimento seguro e saudável. Promovendo a sua empatia, resiliência e o respeito pelo outro, com certeza, reduziremos em larga escala a predisposição para que as nossas crianças sejam agressoras, percebendo o quão errado é exercer violência reiterada contra terceiros.