O Direito desportivo e o seu impacto na sociedade

João Manteigas é advogado e dedica a sua carreira ao Direito Desportivo. Como noutras áreas do Direito, esta padece também de alguma demora judicial que, segundo este causídico, pode ser corrigida. João Manteigas refere ainda a evolução do futebol profissional feminino, que acredita estar no bom caminho, mas ainda com necessidades de crescimento.

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A morosidade na Justiça desportiva será alguma vez melhorada, ou podemos vê-la como um caso perdido?

Recuso-me a aceitar como caso perdido tudo o que se relacionar direta ou indiretamente, com a Justiça. Haverá sempre espaço para adaptação e atualização, quer quanto ao conteúdo ou substância, quer nos procedimentos e estruturação. Estamos a falar de um setor intrinsecamente conectado aos cidadãos, no caso desportivo direcionado para sócios ou meros adeptos de clubes e sociedades desportivas. E estes têm que ter confiança de que o sistema defenderá intransigentemente a verdade, lealdade e a correção das competições desportivas. Posto isto, considero que há melhorias a aplicar no Tribunal Arbitral do Desporto com a experiência desde 2013 e,
sobretudo, nos procedimentos disciplinares internos das Federações Desportivas, com particular incidência para a parte instrutória que decorre na Liga de Clubes de Futebol.

Temos hoje uma relação demasiado próxima entre os principais clubes em Portugal e as instituições governamentais?

Creio que os cidadãos têm um sentimento de alguma subserviência. Ainda que não seja plenamente possível clarificá-la ou prová-la. Por exemplo, daquilo que me foi permitido conhecer e analisar, creio que já existiu, no passado, uma abertura mais direta com o poder administrativo central mas nota-se que o poder administrativo local pretende estar próximo das entidades desportivas mais relevantes. Por outro lado, os clubes e sociedades desportivas gozam de determinado poder, sobretudo ao nível comunicacional, dispondo de tempo de antena precioso e muito privilegiado. Isto é altamente apelativo para qualquer instituição, seja ela pública ou privada.

Como vê, juridicamente, as recentes alegações da “Operação Prolongamento”?

Com a maior das preocupações em várias vertentes. Desde logo, o facto do dinheiro sair do ecossistema desportivo, não permitindo o seu reinvestimento, por exemplo, no desenvolvimento de formação de talento,
infraestruturas e na própria sustentabilidade financeira das sociedades desportivas em causa. Suga-se o dinheiro que é essencial para a subsistência de entidades com uma ligação emocional extrema aos cidadãos. Este problema leva os stakeholders envolvidos a ter que arranjar soluções como a centralização dos direitos televisivos que é valiosa mas não tão milagrosa quanto se pensa. Depois, temos a parte fiscal com implicação societária. Agrava-se o sistema tributário e os impostos para os contribuintes a partir do momento em que se executam esquemas fraudulentos com base em falsas prestações de serviços de intermediação em contratos desportivos ou de consultoria em patrocínios para se atribuir vantagens indevidas ou não declaradas a terceiros, sejam eles quem forem. O sistema deturpa-se com consequências severas para a gestão direta das entidades desportivas e para o respetivo sistema que integram, bem como para os próprios contribuintes.

Que regularização falta implementar no Futebol Feminino, nomeadamente no direito das atletas?

Creio que se deve parabenizar a Federação Portuguesa de Futebol por ter traçado um plano sustentável muito interessante para o futebol feminino com um investimento que se revelou seguro até à data e que permitiu o desenvolvimento massivo desta modalidade em Portugal. O número de atletas aumentou de forma exponencial e até o futsal beneficiou do aumento da dedicação e, consequentemente, da qualidade técnica. As seleções nacionais femininas são disso exemplo num curto espaço de tempo. Creio que existem direitos básicos e
idiossincráticos das atletas que devem ser protegidos e a FIFA, UEFA e a própria Federação nacional deram o mote ao introduzir um protocolo de maternidade até para treinadoras e mães não-gestantes que inclui medidas de proteção do seu bem-estar. Porém, creio que ainda é cedo para se falar de uma eventual compatibilização com o enquadramento do futebol masculino. As raízes, desenvolvimento e necessidades de consumo são distintas no espaço e no tempo. A minha aposta na aproximação entre feminino e masculino começará a ganhar tração quando o mercado de transferências feminino começar a tocar na média de valores e investimento praticados no masculino. Já temos um bom prenúncio: desde 2023 que o Mundial de Seleções Feminino da FIFA está entre os seis eventos desportivos mais vistos do mundo.