“O impacto da pandemia na saúde mental é evidente”

O médico pedopsiquiatra João Pedro Machado sempre quis compreender a mente humana. Licenciou-se em Medicina e, apesar de a sua formação base remeter para a Pedopsiquiatria, o seu objetivo final era a formação em Psicoterapia Psicanalítica, na vertente Relacional e é nesta área que, atualmente, desenvolve a sua atividade. Enquanto profissional ligado à Saúde Mental, este clínico assume que a pandemia pode representar uma boa razão para o aumento de casos clínicos ligados à Saúde Mental.

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Porquê a opção pela Psicoterapia Psicanalítica Relacional, aplicada a adultos?

Desde sempre, o meu objetivo foi ajudar adultos através da Psicoterapia Psicanalítica. Optei por especializar-me em Pedopsiquiatria porque a Psiquiatria (de adultos) baseava-se mais nas intervenções farmacológicas. Apesar de considerar que, em certas doenças mentais, a utilização de medicamentos é fundamental, a Psicoterapia também o é e era nesta abordagem que eu queria trabalhar. Na Pedopsiquiatria, privilegiavam-se intervenções mais próximas da Psicoterapia. O meu projeto foi concluir a Especialização em Pedopsiquiatria e posteriormente fazer a formação de Psicoterapia Psicanalítica e aplicá-la a adultos. E assim foi. A opção pela vertente Relacional da Psicoterapia Psicanalítica deve-se à minha convicção de que não basta ajudarmos o paciente a dar um sentido ao que se passa consigo (apesar de isso ser também fundamental); só o conseguiremos ajudar plenamente se estabelecermos com ele uma relação empática e de confiança, que lhe permita, de certa forma, “renascer”, passando a gerir a sua vida com mais segurança e autonomia e menos sofrimento.

Para quem é indicado este tipo de abordagem?

Uma das vantagens deste tipo de abordagem é que está indicado para qualquer pessoa que esteja em sofrimento emocional.

Como pode a pessoa identificar que necessita de ajuda?

A pessoa que sinta, persistentemente, tristeza, medo (ansiedade) e/ou raiva e/ou que mantém, ao longo do tempo, uma insatisfação nos seus relacionamentos afetivos é alguém que necessita de ajuda.

Com a pandemia, muitas consultas ficaram adiadas ou passaram para o online. Que vantagens e desvantagens encontra neste novo método de consulta através de videoconferência?

As vantagens das consultas por videoconferência são: permitir que paciente e psicoterapeuta estejam longe, até em países diferentes, e isso não ser um impedimento para a realização das consultas; a comodidade de não ter que se deslocar; e a maior segurança que esta modalidade proporciona, por reduzir o risco de transmissão do vírus. As desvantagens são: a possível dificuldade do paciente em ter privacidade em casa para falar à vontade com o psicoterapeuta e a dificuldade que algumas pessoas têm com as tecnologias. Receava-se também que, através de videoconferência, as consultas fossem menos eficazes, por faltar a presença física, a proximidade… Contudo, constatou-se que, através de videoconferência, se consegue uma proximidade maior do que se previa e os resultados não parecem ser inferiores aos alcançados em consultas presenciais.

Para alguns especialistas, a utilização da máscara diminui a interação durante as sessões, porque há expressões que não são visíveis através dessa proteção. Concorda com esta questão?

Concordo. É mais uma vantagem das consultas por videoconferência: não ser necessário utilizarmos máscaras, o que permite ver as expressões faciais, o que é muito importante em consultas de Psicoterapia Psicanalítica Relacional, pela mais rica interação que permite.

Considerando que a pandemia alterou substancialmente os relacionamentos entre familiares e colegas de trabalho, como avalia o aumento de problemas do foro mental nos próximos tempos?

As medidas para nos protegermos da Covid-19 têm sido, ao mesmo tempo, medidas que têm prejudicado a saúde mental da população. O ser humano é um ser social: necessita da proximidade física com outros seres humanos, precisa de toque, de abraços… E viu-se obrigado a renunciar a isso: até a desconfiar dos outros seres humanos (“Será que ele tem Covid e me vai contagiar?”). Isto levou a um isolamento das pessoas. O seu impacto na saúde mental é evidente. No entanto, na minha opinião, enquanto o foco estiver na pandemia, as pessoas não irão estar tão atentas ao seu próprio estado mental. Prevejo que o principal boom de procura de ajuda no âmbito da saúde mental irá acontecer quando a pandemia deixar de ser o foco e as pessoas olharem para dentro de si próprias e constatarem que não estão bem: estão esgotadas, carentes e com um sentimento de vazio. Os profissionais de saúde mental cá estão para ajudar.

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