Define-se enquanto “cidadã do mundo”. O que significa isso, em termos de características que coloca no seu dia a dia?
Costumo dizer que sou uma cidadã do mundo porque, desde sempre, a minha vida foi marcada pela diversidade cultural. Nasci em São Paulo, no Brasil, num contexto familiar português, com raízes que se estendem do Oriente ao Ocidente devido a todas as viagens e países onde viveram os meus avós e os meus pais. Isso deu-me uma enorme abertura ao outro e uma sensibilidade apurada para entender diferentes formas de viver, pensar e sentir. No meu dia a dia, essa bagagem traduz-se numa facilidade de criar empatia natural com os clientes, compreendê-los e aceitar melhor as suas diferenças, numa curiosidade constante e num olhar atento às nuances que fazem de cada pessoa – e de cada casa – algo único.
O Design sempre foi o seu propósito de vida? Como foi este caminho até criar o seu próprio estúdio?
Sim, de certa forma o design sempre esteve presente na minha vida, mesmo antes de eu saber que o nome para aquilo que fazia, via ou sonhava era “design”. Desde pequena senti uma atração natural por espaços, por composições, por detalhes, por cores e texturas. Mais tarde tudo isso ganhou forma quando entrei para a Escola Artística Soares dos Reis, no Porto, e depois para a ESAD, em Matosinhos, onde me licenciei em Design de Interiores e Mobiliário. A par da formação académica fui tendo experiências práticas em ateliers de arquitetura e design, o que me deu uma noção real do mercado. Em 2006, surgiu a vontade de criar algo verdadeiramente meu – um estúdio que fosse um reflexo dos meus valores, da minha estética e da forma como entendo a função do design. Assim nasceu o ShiStudio.
O ShiStudio é criado à sua imagem? Que características coloca no seu trabalho, que o definem?
Sem dúvida. O ShiStudio é uma extensão da minha visão de vida e da forma como entendo o papel do design na vida das pessoas. Não o vejo como um estúdio tradicional onde se desenham espaços bonitos. Vejo-o como um lugar onde se traduzem histórias, onde cada projeto é uma narrativa visual e emocional sobre quem o vai habitar. A autenticidade é uma das minhas maiores preocupações. Não acredito em modas passageiras ou em projetos que sejam meramente decorativos. Quero que cada espaço tenha alma, que reflita verdadeiramente o estilo de vida, os gostos e as memórias de quem lá vive.
“A autenticidade é uma das minhas maiores preocupações. Não acredito em
modas passageiras ou em projetos que sejam meramente decorativos”
Como se assume enquanto líder?
Assumo a liderança com sentido de responsabilidade, mas também com muito coração. Liderar, para mim, não é mandar ou controlar a todo o custo. É dar o exemplo, apontar o caminho e criar espaço para que os outros cresçam.
No ShiStudio, lidero uma equipa de profissionais talentosos, e vejo-me como uma facilitadora: alguém que orienta, que desafia, que inspira, mas que também aprende diariamente com os outros. Tenho uma grande preocupação com
a cultura de trabalho e com o bem-estar de todos. Valorizo a colaboração, a troca de ideias, a criatividade partilhada. Tento manter uma liderança humana, próxima, com abertura para o diálogo e flexibilidade para adaptar as decisões às necessidades reais de cada situação.
Teve particular dificuldade em criar o seu estúdio? Que desafios encontrou?
Criar o meu próprio estúdio foi um sonho tornado realidade, mas, como todos os sonhos, veio acompanhado de muitos desafios. Desde logo, o desafio de equilibrar a criatividade com a gestão – duas áreas que exigem competências bastante distintas. Além disso, o início exigiu uma dedicação total, muitas horas de trabalho e um constante processo de aprendizagem. Felizmente éramos dois, pois o meu marido entrou comigo nesta aventura e tornou-se muito bom sermos dois a tomar as decisões, a trabalhar, a puxar um pelo outro, a partilhar e a refletir sobre as decisões e consequências. Também senti necessidade de ir além do design e investi em formações em áreas como contabilidade, gestão, programação neurolinguística, coaching e psicologia. Todas essas ferramentas ajudaram-me a construir um negócio mais sólido e a criar relações mais eficazes com clientes e parceiros. Há dois
anos um dos nossos projetos ganhou o A’Design Award e este ano de 2025 o nosso projeto “Casa Verde” ganhou o German Design Award como “Excellent Architecture”. Nessas alturas, perante prestigiados reconhecimentos externos, sentimos que tudo valeu a pena.
“Valorizo a colaboração, a troca de
ideias, a criatividade partilhada”.
Acredita que algum desses problemas se deveu, de forma particular, ao facto de ser mulher?
Penso que sim. Apesar do setor do design de interiores ter uma forte presença feminina, ainda existem desafios associados ao facto de sermos mulheres e líderes. Há expectativas sociais e culturais que por vezes colocam obstáculos. Nunca me deixei limitar por isso, mas reconheço que, como mulher, tive de provar mais vezes o meu valor.
“Assumo a liderança
com sentido de
responsabilidade, mas
também com muito
coração”.
A seu ver, faltam alguns apoios a quem quer empreender em Portugal?
Sim, penso que ainda temos um caminho a percorrer nesse sentido. Existem apoios e iniciativas, claro, mas muitas vezes são de difícil acesso, pouco divulgados ou excessivamente burocráticos. Empreender, por si só, já é um
desafio enorme – seria fundamental ter estruturas de apoio mais ágeis e eficazes. Acredito muito na importância da formação contínua e da mentoria. Programas que ajudem os empreendedores a desenvolver não só ideias de negócio, mas também competências em áreas como gestão, liderança, marketing e finanças, seriam uma mais-valia
para que os projetos ganhassem mais sustentabilidade a longo prazo. Sem isso é muito difícil sobreviver em qualquer mercado.