“Os episódios depressivos aumentaram”

A Clínica Navegantes, em Oeiras, dispõe de uma equipa clínica ligada à Psicologia e Pedopsiquiatria, que dá resposta aos problemas de saúde mental que afetam crianças e jovens. A psicóloga Sónia Serrão e a pedopsiquiatra Rita Teixeira esclarecem, em entrevista, como é possível identificar estes problemas e o que fazer para os resolver.

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Sónia Serrão, psicóloga

As crianças e os jovens são particularmente dependentes da socialização – na escola e nos grupos de amigos. Como se pode ajudar os adolescentes e as crianças a enfrentar um período de maior escassez de socialização?

Sónia Serrão (S.S.): No caso das crianças são evidentes as necessidades de brincar em grupo, a necessidade de interação social, de exploração do ambiente, a aprendizagem em contexto social e cooperativa, sendo que é precisamente no palco destas relações sociais que se desenvolvem competências diversas e comportamentos pró-sociais. Para os adolescentes e jovens, o distanciamento social tem grandes impactos, pois estamos a falar de uma fase da vida em que os pares assumem um papel essencial. A impossibilidade de desfrutar de festas, de assinalar marcos e datas importantes com os amigos, a restrição de atividades de lazer passaram a fazer parte deste “novo normal”. As famílias têm um papel valioso na promoção e manutenção das relações sociais das crianças e jovens. No caso das crianças, podem aumentar o tempo de brincar e atividades de lazer em família, permitir a interação com vizinhos e amigos criando uma espécie de “bolha”, atendendo às medidas de higiene e segurança necessárias.

As redes sociais podem servir de ponte para permitir o relacionamento entre os jovens, a família e os amigos. Até que ponto, porém, estas podem ser fatores destrutivos da relação familiar pessoal e direta?

(S.S.): Cada faixa etária tem uma relação distinta e um uso diferente das redes sociais e por isso quando falamos de família, falamos de diversidade. É, pois, essencial que se definam regras em conjunto relativamente ao uso das redes sociais, de forma a que se privilegie os momentos em família, as refeições, os serões. Quando as redes sociais assumem o lugar do diálogo em família, são usadas para substituir o sentimento de solidão que se sente em família, um refúgio, significa que algo não está bem.

Como podem os pais reconhecer sinais de uma possível ansiedade ou início de depressão?

(S.S.): Na ansiedade em crianças mais pequenas, devemos estar atentos a sinais como um mal estar excessivo sempre que se antecipa um período de afastamento e separação das figuras significativas, assim como maior irritabilidade e oposição. Na idade escolar, existe a ansiedade de desempenho, relacionada com o medo persistente e acentuado dos testes, por exemplo ou a ansiedade generalizada, que inclui preocupações excessivas difíceis de controlar sobre aspetos da vida quotidiana. Na adolescência, os tipos de ansiedade anterior podem também ocorrer, assim como a ansiedade social, traduzida no desconforto nas interações sociais e evitamento e o medo da avaliação negativa dos outros. Em termos gerais, devemos estar atentos à existência de muitas preocupações que são aparentemente desproporcionais em relação à realidade, à existência de pensamentos: “ E se…?, Será que?”, que refletem antecipações e previsões negativas sobre o futuro, a procura frequente de tranquilização, a dificuldade de lidar com a incerteza, dificuldades de atenção e concentração. Pode ser também frequente a autocrítica excessiva, pensamentos intrusivos e marcados pelo pessimismo. A par destes sintomas, podem existir dores de barriga, cefaleias, tremores, sudorese e alterações do apetite e do sono, insónias iniciais e pesadelos. No caso da depressão, os sinais e sintomas mais frequentes e visíveis são a presença de um humor persistente depressivo ou irritável, alterações do sono e apetite, baixa tolerância à frustração e dificuldades de autonomia. A partir da idade escolar e na adolescência já surge a verbalização de sentimentos depressivos, a autocrítica, perda de energia e interesse em atividades, sentimento de inferioridade, pessimismo, culpa exacerbada e por vezes ideação suicida.

Em casos em que a criança ou o jovem esteja deprimido, quais as ações recomendadas para ajudar a enfrentar a doença?

Rita Teixeira (R.T.): Qualquer indivíduo diagnosticado com um episódio depressivo deve ser acompanhado em consultas de saúde mental. O diagnóstico deve ser realizado por um pedopsiquiatra, o qual em conjunto com os cuidadores e a criança, estabelece um projeto terapêutico que pode incluir intervenções no contexto, como a promoção de comportamentos saudáveis ou intervenções na escola e acompanhamento psicoterapêutico. Frequentemente, e porque a depressão afeta não só o próprio, mas também os que o rodeiam, é importante que seja incluído no plano um espaço para que os cuidadores possam abordar as suas preocupações e angústias.

Esta pandemia é um acontecimento que ficará registado nas mentes de todos. Que influência terá no comportamento e no desenvolvimento psicológico de cada um?

(R.T.): Temos encontrado nas crianças e jovens marcado impacto nas rotinas do sono, particularmente no período de confinamento, com aumento do tempo de utilização de ecrãs. O isolamento dos núcleos familiares, bem como o distanciamento dos serviços de suporte à família, tem também contribuído para um agravamento de dinâmicas familiares disfuncionais. Do lado positivo, em contextos protetores, assistimos a um reforço das relações interpessoais com aumento das atividades de prazer e um maior envolvimento afetivo cuidadores-criança. Isto é particularmente verdade para as crianças mais pequenas, uma vez que os adolescentes estão numa fase de desenvolvimento em que o investimento relacional é realizado maioritariamente no grupo de pares.

O que antecipa relativamente aos problemas de saúde mental, sobretudo depressão, nos jovens, no futuro a médio prazo?

(R.T.): A incidência do diagnóstico de episódios depressivos em idade pediátrica tem vindo a aumentar. Este facto está provavelmente relacionado tanto com o aumento dos fatores de risco para o desenvolvimento de doença, como com a maior valorização de sintomas de sofrimento emocional nestas idades. No contexto actual, podemos prever que este aumento se mantenha.

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