A Europa é um projeto de paz. Perceber o processo de organização política da União Europeia, passa por entender, antes de mais, o pós-guerra europeu e as duas guerras mundiais no início de século XX. Já desde o seculo XVII, os países sentiram a necessidade de se organizarem e constituírem áreas económicas comuns, como o intuito de procurar, por um lado, vantagens nas rotas comerciais, e por outro, uma maior liberalização da circulação de produtos entre esses países. Entretanto, o processo de integração económica entre os Estados teve uma evolução mais lenta durante o século XX, destacando-se, contrariamente à tendência de criação de áreas económicas, uma atitude mais protecionista dos Estados, devido em parte, às duas Grandes Guerras que marcaram o início desse século. É então, depois da segunda Guerra Mundial, que o processo de integração económica conhece um novo impulso com o Benelux, mas sobretudo com os movimentos de integração que se iniciaram em 1951, que levaram à criação da CECA e que deram origem à União Europeia e, por outro lado, a criação da EFTA, isto no contexto europeu. Destacam-se também os vários processos integracionistas em outras regiões. Como na América do Sul, com o Mercosul, entre outros. O Ato Único Europeu é indubitavelmente a completude da integração económica.
Mas, não é sobre esse legado histórico que urge refletir (não para este momento), é sobre o desenho de paz, fomentada por episódios de guerra, desejada no conflito e nas desorganizações cíclicas, capaz de transmutar a consciência coletiva, como o silêncio na sua derivação da palavra e na sua ausência, coexistindo como um só.
Portugal na CEE em 1986, país cosmopolita, com uma economia dinâmica, um ordenamento social diverso e uma democracia “solidificada”, trouxe essa ambição, aliada à melhoria de vida e vínculos de proximidade com os parceiros da Europa.
Por decreto de 22 de Maio de 1911, cinco meses após a Proclamação da República, nasceu o escudo. A vida do cifrão durou até a 1 de janeiro de 2002, dia em que as primeiras notas e moedas do euro entraram em circulação.
A nossa mentalidade teve que mudar, para lá da inflação e das teorias economicistas, querendo ou não. Com isso, alterou-se o dinamismo, a estrutura económica e social dos portugueses, consequentemente o pensamento as expetativas e os desejos.
Temos um mercado único, liberdade de circulação de bens, serviços e pessoas na UE, onde os portugueses se debateram com oportunidades e desafios, cada um nas suas naturezas e grandezas.
Os custos de não termos uma moeda única eram muito elevados, cerca de 6% do PIB Europeu eram gastos com os chamados riscos cambiais, (escudos ou pesetas no negócio)? Temos um sistema mundial. Os EUA tinham demasiada moeda porque toda a gente queria. Nesta onda de instabilidade, que puseram em causa as moedas, percebemos que tínhamos de fazer um sistema económico europeu. O ECU – origem do euro – nasce do Sistema Monetário Europeu como uma unidade de referência comum, com existência não física, apenas um referencial de valor, era uma coisa fictícia, onde no nosso bolo económico, o negócio mais lucrativo do mundo era e é o dinheiro. Moeda fiduciária, fidúcia – confiança. Assentamos nesta ideia do dinheiro desmaterializado, do dinheiro que não existe. Mas para que é que isto serve? Percebemos pontualmente as coisas. Vejamos, a euro economia quem favorece? Os países mais competitivos. Portugal é competitivo (na sua ambição) o que é meio caminho, mesmo que em termos de desafios tenha conseguido quota meia de superação. Verdade que com o euro andamos sempre a subir. Duzentos escudos eram dignos de estadia prolongada na nossa carteira, no tempo em que duzentos davam para comprar um sumo, uma sandes na escola, meia dúzia de gomas no café em frente e ainda voltar com troco para casa. Hoje os bem fadados 200,482 escudos (1 euro) não chegam muitas vezes para pagar um café em muitos locais.
Há quem tenha nunca tocado num escudo, há quem nunca tenha chegado a ver um euro, são realidades dispares, na primeira pessoa de cada um, os jovens dizem: “Somos uma geração a viver muito melhor, temos acesso a tudo”. E não é falso. O valor do dinheiro é o que interessa, não é a quantidade do dinheiro. Tudo é proporcional. Chama-se a isto o poder de compra, a questão não é o preço e isto é apenas uma ponta do iceberg.
Como os portugueses olham para a UE hoje não sabe bem, o que esperam dela talvez não seja tão agreste conjeturar. Seja como for e para lá do índice de abstenção nas eleições europeias, nós, portugueses, temos a visão mais positiva atualmente da UE entre todos os cidadãos dos 27 Estados-Membros. Não restam dúvidas do papel ativo que Portugal tem na construção do Projeto Europeu, intrínseco na sua própria realidade e desenvolvimento. Mas, em essência, entusiasmo não significa interesse, vontade não significa consciência e o direito ao voto não significa cidadania, mas sim o seu exercício. Será que são os partidos que falham o seu papel informativo no debate nacional, ou simplesmente Buda tapou os ouvidos para dar sorte? Talvez apenas não queiramos encarar a “possibilidade” do impacto das decisões políticas externas ou internas, na vida comunitária e de cada um.
Ora bem, mas afinal para que serve a Europa sem cidadãos? Sem cidadãos ativos (sublinhe-se). De quantos séculos precisaremos para aliviar este umbral de (in)consciência? Precisamos de uma mente mais esclarecida. Precisamos, não sabemos se queremos, pior, não sabemos como fazemos, se quisermos, são coisas distintas. O voto compulsório é inexistente no nosso país e ainda bem! Somos livres, não esclarecidos. Dever não é dever-ser, é dever, ponto.
Incontestáveis são as vantagens de ter uma Europa unida. O despoletar da emigração espelhou-o como nunca. O que vale aqui vale lá. A tecnologia faz tudo, ou quase. Entretanto para quem parte, a decisão de voltar ao pais de origem, para muitos, quase nunca tarda. Voltar quase sempre é uma alegria e o ponto final numa densa curva de rio.
Afinal o que está mal na “união” aparentemente tão perfeita?
De facto, é importante pensar, nem que por mera suposição, o que teria sido ou como seria Portugal se não estivesse na UE, como país tão desenvolvido que é e como acreditamos que seja. Apoio, formação, crescimento das pessoas, dos espaços, das máquinas, altas tecnologias, a lista taxativa pode não ter fim.
A nossa cara mudou de 1986 para cá, com a adesão à CEE, a UE também. Das crises, ao Brexit e à Pandemia, junta-se a Guerra na Ucrânia, despoletada pelo maior país de Eurásia, o alargamento a novos países, os fluxos migratórios, o combate às alterações climáticas, como novos desafios na receita de um porvir sem certezas para ninguém, nem para as gerações vindouras. Com potências em ascensão, precisamos de coesão e de mais coesão que sirva de contrabalanço para dar continuidade à nossa referência na agenda global. Podemos questionar: Portugal seria soberano fora da União Europeia? Com ou sem pimenta do reino, o Reino Unido achou qualquer coisa, submergindo no seu próprio alçapão a leis que já não pode orquestrar.
Falhamos onde? Onde não devíamos. No espírito. Quem? Todos os Estados-Membros, todos os membros do Estado. Somos europeus, mas não temos consciência europeia, muito menos espírito europeu. Temos informação, não temos comunicação. Não nos dispomos a ela. Comunicar de forma eficaz é algo complexo, mudar consciências também. Pressupõe a relação entre pessoas, consequentemente um elo de contiguidade efetivo. Começamos pelo tronco, negligenciando a cabeça, deixando os (M?)membros ao deus-dará.
Mas, o que vai mudar com o alargamento a mais dez países? Estaremos nessa altura mais capacitados para transmutar a informação em comunicação ou a orbita irá rodar em torno da decomposição dos fundos? Os interesses europeus não são únicos, a Europa tem várias vidas contidas num espaço único, mas Portugal consegue preparar-se para ficar sem fundos europeus, ou com a fatia fina do bolo, continuará tão importante quanto qualquer Estado-Membro (fato), no seu papel político decisivo. A mim, parece-me que a Europa pode e terá, de ser mais do que aquilo que fizemos dela até aqui. E efetivamente, é. Envolvimento político, participação e comunicação, essas são as keywords. O sangue e a raiz da unidade, digo, da União. E termino como comecei: A europa é um projeto de paz (para não ler à contrário).