O ISEC foi dos primeiros estabelecimentos de ensino nacional a encerrar a sua atividade académica e de investigação presencial, devido ao coronavírus. Como avalia o desafio de utilizar as plataformas de ensino digital para as aulas à distância?
A crise do coronavírus foi uma ameaça muito séria a toda a comunidade académica do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra – ISEC: está a ser uma crise que varre o mundo de lés a lés e cuja intensidade e consequências ainda não são claras. Apesar de alguma incompreensão inicial, o ISEC foi, de facto, das primeiras escolas do ensino superior a suspender as suas aulas presenciais e todas as suas iniciativas públicas. E colocámos logo em ação um plano de “Medidas Alternativas de Ensino”, recorrendo às plataformas digitais. Nesta crise, o nosso principal objetivo foi que o tempo letivo fosse o melhor aproveitado possível, face às circunstâncias. O grande problema é que há disciplinas da engenharia que é difícil, ou mesmo impossível, trabalhar virtualmente. É por isso que, logo a partir de maio, alguns conteúdos experimentais e laboratoriais recomeçaram a ser feitos presencialmente. Os cursos de engenharia do ISEC, pela sua elevada componente prática, não se compadecem com “reuniões” à distância. Isso é bom para os cursos de “papel e lápis”, ou para cursos com elevada componente teórica – mas para as engenharias não chega! Os engenheiros precisam de “pôr as mãos na massa”.A nossa grande preocupação tem sido assegurar todas as condições de segurança e de saúde exigidas nesta fase. O regresso às aulas presenciais em setembro será feito em total segurança.

Que consequências teve esta paragem no que respeita à área da investigação?
Não vale a pena iludir: a crise do Covid-19 atrasou projetos de investigação. Fez-se menos ciência nestes meses do que era suposto e estava ao alcance do ISEC em circunstâncias normais. Penso que em todas as grandes escolas de engenharia – da Europa às Américas, passando pelo Japão ou pela Coreia – se passou a mesma coisa. Dito isto, não ficamos parados! Continuamos a ter muitos projetos em curso, nomeadamente com empresas nossas parceiras. A comunicação social tem noticiado a participação de investigadores do ISEC num projeto de piscinas modulares eco-eficientes que estão a ter grande sucesso comercial na Europa central. Estamos também a estudar a restruturação de zonas industriais junto a florestas para as protegermos dos grandes incêndios de Verão. Os nossos investigadores e docentes conceberam e estão a desenvolver um manípulo que vai permitir abrir e fechar portas em sítios públicos como hospitais, centros comerciais ou repartições públicas sem usar as mãos, como forma de prevenir o contágio da Covid-19. Ou seja: apesar da travagem que a pandemia provocou, estamos a investigar e a desenvolver muita coisa.
Quer a ALTICE, quer a PRIO são duas entidades que instalaram os seus laboratórios no ISEC, recentemente. Enquanto presidente do ISEC, como define a importância estratégica do ISEC para o desenvolvimento e investigação nacional, na área da engenharia?
É um orgulho para toda a nossa comunidade académica ver reconhecida a investigação produzida no ISEC por parte de grandes empresas, nomeadamente um dos maiores gigantes de telecomunicações do mundo, como a ALTICE. Estas parcerias com a PRIO, a Critical Software ou a Peugeot-Citroen, por exemplo, irão permitir uma investigação mais interativa e, com isso, desenvolver produtos mais competitivos através da transmissão de conhecimento entre investigadores e professores do ISEC e engenheiros altamente especializados destas multinacionais. Cada laboratório que abrimos com uma grande empresa inovadora é mais uma concretização da ligação do nosso ensino e da nossa investigação à economia real e ao nosso objetivo principal: preparar engenheiros que saibam conceber e desenvolver produtos e serviços que sejam competitivos no mercado global. O ISEC está totalmente empenhado em colaborar com parceiros industriais, transmitir conhecimento à sociedade e ajudar as empresas com que colabora a tornarem-se mais competitivas no mercado. O nosso principal mérito é que as empresas que colaboram connosco e contratam os nossos engenheiros tornam-se mais lucrativas, ganham mais dinheiro.
A Engenharia pode ser a chave para o desenvolvimento de soluções e equipamentos que ajudem a redesenhar a sociedade, no que respeita à automação?
Sejamos claros: as grandes questões com que a humanidade hoje se confronta estão a ser levantadas pela engenharia! O avanço acelerado da inteligência artificial, da robótica, da internet das coisas e da automação – a transformação digital e a transição energética – são produto da engenharia. As suas vantagens serão desenvolvidas pela engenharia, sendo que também será a engenharia a resolver os problemas que se vão levantar. O século XXI será ainda mais da engenharia do que foi o século XX. Esta transição em que nos encontramos não levanta só problemas técnicos, levanta também novos desafios éticos às pessoas e irá exigir um novo modelo de sociedade. É preciso, sem dúvida, discutir os limites e os valores na interação entre os humanos e as máquinas. As questões éticas na era da transformação tecnológica têm precisamente a ver com as relações entre os humanos e as máquinas: é crucial perceber onde acaba o homem e começa a tecnologia. Estamos a enfrentar situações novas que envolvem seres humanos e sistemas tecnológicos com elevado grau de autonomia, como os robôs: isto convoca-nos a todos,engenheiros e não engenheiros, a ter de pensar nos valores humanos e humanistas que devemos preservar. Estas questões são uma preocupação nossa desde há muito tempo, razão pela qual temos promovido debates sobre este assunto no ISEC. Os nossos estudantes serão os futuros líderes das empresas e programadores de robôs, por isso importa que estejam alerta desde muito cedo para as questões de ética que a tecnologia levanta. Em 2020, antes da pandemia, promovemos um debate sobre a “Engenharia e Inovação no Contexto da Transformação Digital”, no qual contámos com a presença do Professor Doutor António Cunha, ex-reitor da Universidade do Minho e ex-presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas.
Já existe o primeiro ventilador de emergência 100% nacional e o projeto foi liderado por um docente do ISEC, envolvendo médicos, engenheiros mecânicos de Fórmula 1, estudantes e investigadores. Este contributo tão atual para resolver questões do dia-a-dia é a filosofia do ISEC?
É verdade, faz parte do nosso ADN promovermos a produção transversal de ciência. Temos, aliás, uma colaboração regular com a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra que permite aos Laboratório de Biomecânica Aplicada do ISEC desenvolver, num patamar científico mais elevado, os projetos que tem em curso nas áreas das próteses ortopédicas e dos instrumentos com sensores para a área da reabilitação. A Faculdade de Medicina é o parceiro ideal para nos aproximar das necessidades da sociedade nesta área, criando soluções tecnológicas que permitam facilitar o dia-a-dia dos doentes – ou assisti-los numa altura de emergência, como é o caso do ventilador. A engenharia do ISEC está mobilizada para responder às necessidades da saúde.
É uma escola virada para o ensino prático? Que vantagens crê que esse ensino traz, quer aos alunos, quer à própria escola?
Os finalistas do ISEC chegam às empresas e parecem logo engenheiros com experiência. O tipo de aprendizagem que proporcionamos aos nossos estudantes, e o tipo de ciência que os nossos investigadores produzem, não cabe em modelos de ensino passivos. Por isso, no ISEC, orientamos o nosso ensino para projetos, seguindo a metodologia ‘Project- Based Learning”, na qual os estudantes aprendem fazendo.Por outro lado, o ensino do ISEC faz associar à fortíssima exigência técnica dos seus conteúdos uma grande atenção, uma enorme sensibilidade para as “soft skills”, as chamadas competências não técnicas. No ISEC estimulamos competências não técnicas como a criatividade, a capacidade de comunicar e de trabalhar em equipa, a vontade de inovar e de assumir riscos, criando espíritos empreendedores e líderes nos engenheiros que formamos. Como os empresários bem sabem, quando um engenheiro do ISEC entra numa empresa ou organização, mesmo que seja recém-formado, parece logo um quadro com anos de experiência!
Existe uma estreita colaboração entre o ISEC e o mercado de trabalho?
O ISEC tem uma vocação genética para trabalhar com as empresas: são inúmeros os projetos desenvolvidos por docentes, investigadores e estudantes nas diversas áreas da engenharia com aplicação prática nas empresas. Aliás, a criação e produção das viseiras que fizemos quando se declarou a pandemia do novo coronavírus foi disso um bom exemplo. Não é por acaso que empresas como a Critical Software, ALTICE ou a PRIO, por exemplo, aceitaram ou propuseram trabalhar connosco. A verdade é que o essencial da engenharia que lecionamos tem uma elevada componente prática e laboratorial. E temos em curso uma profunda digitalização do nossoensino. Estou a falar na orientação que o ISEC dá aos seus estudantes para a inovação em engenharia que a Indústria 4.0 tornou indispensável. Não é por acaso que a feira de emprego que os nossos estudantes organizam todos os anos, a FENGE, se tornou no maior evento de engenharia do país. É também por isso que muitos destes estudantes, quando saem para a vida ativa, têm tanta facilidade em criar e em gerir empresas.
Que desafios antevê quer para o sistema de ensino nacional superior, quer para a área de Investigação e Desenvolvimento, tendo em conta este “novo normal” a que estamos sujeitos, enquanto sociedade?
Como disse Einstein, “É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera-se a si mesmo”. O ISEC está a ser a escola de engenharia em Portugal que melhor está a recriar o seu ensino para, quer nas plataformas digitais, quer nos seus laboratórios, formar os engenheiros do futuro. O que estamos a fazer hoje, e vamos reforçar a partir de setembro com o regresso às aulas presenciais, é superar a crise que a pandemia da Covid-19 colocou à engenharia.
