Por uma Educação Holística

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O Homem como ser ético, tem preocupações com os outros, mas as crises sociais levaram a um processo de secularização e consequentemente a uma explicação do mundo que se afastou das influências religiosas, embasada na razão e na ciência, decorrências da força no Renascimento, da modernidade e do Iluminismo.

Este relativismo não se desacompanhou de uma crise ideológica e uma paradigmática perda de influências esquerdistas e direitistas na esfera política.

Hoje, assistimos a um pluralismo político, pese embora os “guardiões democráticos” tenham encontrado falhas estruturais na defesa e promoção da pluralidade interna.

Independentemente de ideologias, vivemos ciclos que ascendem e caem, mediante perceções mais ou menos dispares da realidade. Para onde tendemos pode (ou não) determinar para onde vamos. E no meio desta fragmentação, não há um Ser neste planeta que possa erguer uma bandeira isenta de pesos e contrapesos, contra o que o capitalismo despoletou: uma crise ideológica levada ao consumismo.

O Homem tal como conhecemos, tornou-se consumista. Visa o bem estar imediato, e mais do que necessidade, este Homem é a imagem marcante da sociedade que cria laços de influência nas relações, objetivos e instituições.

O capitalismo que nos beneficia a alavancar o consumo em variedade e preços competitivos é o mesmo que cria a desigualdade social e as suas cíclicas crises económicas.

Para que é que isto nos abre portas?

Para inúmeras considerações, nomeadamente no contexto das políticas educativas. A pedagogia de hoje, como ciência da educação, apresenta-se transvertida

e afastada da era do saber, passado de geração em geração, de critérios obsoletos, para se adaptar mais (e completamente), aos meios tecnológicos e metodologias focadas na aplicação de técnicas e estratégias que visam o sucesso, na premiação do “bem-sucedido, vitorioso, rico”, assente em critérios quantitativos, não qualitativos e a troco do desapreço da significação e do reconhecimento interno do eu singular e do seu lugar no mundo.

O equilíbrio social e mental, o bem-estar psicológico, a estabilidade e todos os critérios que se alicerçam na salutar saúde mental, antes de outra coisa, como promessa da verdadeira qualidade de vida, estão distantes. Como estão distantes as abordagens que incluem os assuntos considerados delicados e difíceis de discutir publicamente, como a morte, na sua consideração de término irreversível da vida, personificada, má, finalista. Enfim, sob o ponto de vista finalístico. Mas e indubitavelmente, existem diferentes abordagens e interpretações múltiplas, no contacto com esta temática.

Há cerca de 20 anos atrás, quando me propus a redigir um trabalho académico, no âmbito do seminário de mestrado em Filosofia da Educação, visava descortinar o porquê da falta de um vetor “tanatológico” e processos ante-mortem na agenda educativa, essencialmente no ensino básico. Nessa altura, a pequena sala de mestrandos, fez-se num silêncio absoluto e perturbador. Reconhecidamente, o mal-estar estava instalado. A afronta também. Bem… ninguém precisou ensinar-me o caminho para casa, fui caminhando em linha reta e estava com sintomas de não olhar para baixo. Hoje, continuo nas mesmas indagações, com poucas ou nenhumas respostas, a equacionar a resistência.

Se uma pedagogia da morte, arrasta consigo o receio que o peso que as próprias palavras provocam, permito-me a discordar delas (por mero acerto linguístico). O desconhecido será sempre analogicamente correspondente ao misterioso.

Estaremos, antes de qualquer coisa a falar de uma educação sobre a vida. Uma educação sobre e para a vida, que traz implícita a sua abordagem de uma educação sobre a morte.

É certo que a morte na nossa sociedade é um tabu, um assunto considerado de mau gosto e as escolas não têm preparação para abordar o assunto. Não obstante, se o nosso discurso, ao longo dos tempos, foi acompanhando a evolução social e transformando-se no discurso de que a escola serve para preparar para a vida, porque nos mantemos tão afastados de todas as dimensões dela? De que temos medo?

Educar, não pode ser fragmentar as áreas do conhecimento, educar é falar abertamente e deve incluir uma abordagem da totalidade de todas as coisas existentes, uma extensão amplificada do Universo e do que ele contém.

Ignorar o tema da morte não impede a sua existência, apenas o torna denso. E a escola como espaço aberto ao diálogo, tem de se permitir a não excluir aquilo com que não quer lidar, por falta de preparação, tem de abrir o seu território a todas as esferas, fortalecendo os laços de compaixão.

Existe uma manifesta confirmação da necessidade de reflexão perante esta realidade. Parece-me, no entanto, um discurso que circula bem em torno desta evidência, circunscrito, embora abra portas precisas, para finalidades a atingir.

E aqui vai o mote: Viver mais densamente e relativizar muita coisa. Como?

Levar o educando e o Homem a “viver mais densamente, a relativizar muita coisa ou paradoxalmente, viver-se melhor à luz da morte, que ilumina a vida e lhe dá mais conteúdo”, sem receios da intenção nos circunscrever na perigosidade que a ideia da própria sombra acarreta, na condição do Homem quotidiano.

A este respeito Espinosa refere: “Não é pensar na morte, mas servi-la” – “o Homem livre, no que pensa menos é na morte, e a sua sabedoria é uma meditação, não da morte, mas da vida”. Vale o argumento que a sabedoria reside na contemplação e no amor pela vida e não na fixação na finitude (impedimento para viver plenamente). O recomendável é a prática, a meditação.

Nos nossos currículos, uma verdadeira educação para a morte não existe, não programada, não orientada, não materializada numa Lei de Bases, para lá dos parâmetros religiosos e com o objetivo de desmistificar o tema e consequentemente promover uma vida mais consciente, fornecendo ferramentas essenciais para enfrentar os desafios da finitude, mas sobretudo com foco no despertar da consciência.

A educação para a morte é uma educação para a vida, parte do desenvolvimento pessoal e integral da individuação, servindo de ajuda e coadjuvando uma forma de viver mais consciente. Não me refiro exatamente a uma educação primária tanatológica, focada na compreensão científica, aos aspetos legais e forenses do assunto, mas uma abordagem com outro alcance. Na salutar existência de propostas concretas para abordar o tema na educação, com o uso, por exemplo, de atividades lúdicas e literárias para ajudar as crianças, adolescentes e comunidade em geral a compreender e expressar os seus sentimentos em relação a uma realidade, vertida na consciência doutrinaria, filosófica e visões plurais, fundamentadas na compreensão da vida e da morte, na busca por uma verdade fundamental. 

Ao invés de uma pedagogia de e para a morte (educar para bem morrer é educar para bem viver). Em primeira instância, extrai-se um ponto fundamental para base de reflexão: a educação integral, para uma formação total do individuo, da qual a natureza da compreensão e aceitação da realidade também faz parte. Nesta perspetiva, o Homem é visto como uma totalidade.

Então, mas como seria uma educação holística?

Os objetivos de uma educação holística seriam a inteireza do ser, despertando a consciência para uma cultura de harmonia e paz. Paz que se revela como o estado do individuo em plenitude, adquirida quando nos sentimos inteiros e integrados. Mas será a escola, que fragmenta o saber em disciplinas, capaz de o proporcionar? A este respeito, a comunidade tem um papel preponderante.

Considerando que os objetivos da educação passam por facilitar o conhecimento de si no mundo, descobrindo o sentido da vida, é neste seu conhecimento interior, do Ser e da sua relação com o Universo, que o individuo se revela como um conjunto de valores, valores estes intrínsecos à educação.

A educação integral aponta para o desenvolvimento da pessoa humana em geral e o desenvolvimento integral da criança e adolescente em particular. Esta questão remeterá, entre outros tópicos, para a educação de valores, entre os quais a finitude do ser está inclusa e uma educação que não os inclua como sua componente essencial, renunciará a educar o Homem na sua totalidade, virando costas ao desenvolvimento de seres integrados em comunidade e consigo mesmos.