Para quem não conhece a AGEPOR, explique-nos como se deu a agregação de duas associações, para criar a AGEPOR e quais são os seus principais objetivos, enquanto associação dos agentes de navegação.
A agregação das Associações dos Agentes de Navegação do Sul e do Norte de Portugal – APAN e AGENOR, respetivamente – foi o culminar de um processo natural, mas sempre difícil, pois os associados de cada uma tinham um sentido muito forte de pertença e posse para com a sua associação. Havia naquela época, há 20 anos, um sentimento regional ainda muito marcado.
A junção começou a tomar forma em meados da década de 90, e viu a sua concretização numa Assembleia Geral constituinte, no dia 10 de dezembro de 1999. O longo tempo que mediou até à fusão das duas associações permitiu que ambas se fossem conhecendo melhor, e mais importante, que em conjunto trabalhassem e estruturassem as bases da nova associação, por forma a melhor servir e responder a toda a classe. Porque se quis que a Associação Nacional tivesse força para falar a uma só voz, mas em concomitância não perdesse a riqueza das singularidades e especificidades regionais, arquitetou-se uma estrutura que, não só representasse todos os portos comerciais do país, como assegurasse a participação do maior número possível de empresas nos Órgãos Sociais. Desta forma, foi criado o Conselho Nacional da AGEPOR, órgão constituído por 17 diretores, eleitos localmente nos diversos portos, variando entre um e três elementos por cada porto, num misto proporcional entre o número de associados em cada porto e a importância do mesmo.
No Conselho Nacional recai a responsabilidade de tecer as bases programáticas e linhas gerais da atuação da AGEPOR. Para as pôr em prática, contamos com a Direção Nacional, cinco membros eleitos de entre os 17 Diretores. A totalidade dos órgãos sociais obrigam à participação de 22 empresas diferentes nos destinos da AGEPOR, o que garante a diversidade, mas também um comprometimento direto de cerca de um terço da totalidade dos associados.
Os principais objetivos da AGEPOR estão não só plasmados nos seus Estatutos, como também na sua missão. Resumiria pela importância objetiva, os seguintes:
- Defender as catividades marítimas, o transporte marítimo e os portos, nomeadamente os situados na área der atuação dos seus associados.
- Defender os direitos e interesses legítimos dos agentes de navegação associados, bem como dos armadores e transportadores marítimos que por eles sejam representados.
Quais as funções da AGEPOR para com os seus associados?
A razão de existência da AGEPOR é a defesa dos interesses dos seus associados e a criação de valor para eles. Daí o primado que resumi na questão anterior. Mas a sua esfera de atuação é muito mais abrangente do que isso. Assim, elencava as seguintes funções que, não se esgotando em si próprias, dão já uma boa ideia do que fazemos:
- Representar os agentes de navegação em Portugal e no mundo;
- Prestar assistência aos armadores e transportadores marítimos através dos agentes de navegação, seus associados;
- Promover e providenciar à educação e formação dos seus associados bem como oferecer essa formação também aos parceiros de atividade no setor;
- Promover seminários e workshops;
- Prestar assistência jurídica e informação nas áreas legais relacionadas com o setor aos associados;
- Prestar assistência nas questões aduaneiras aos associados;
- Ajudar, sempre que solicitado, ou quando entenda necessário, o Governo e o Regulador a construírem um setor mais forte e mais competitivo;
- Trabalhar em conjunto com as Administrações Portuárias e restantes autoridades envolvidas, em modelos de simplificação e competitividade nas áreas respeitantes à escala dos navios, carga, tripulações e passageiros;
- Representar os agentes de navegação junto das Comunidades Portuárias;
- Ser um garante de participação ativa dos agentes de navegação nos modelos de transformação eletrónica e digitais como por exemplo a JUL – Janela Única Logística.
Neste seu mandato, quais as linhas orientadoras para o seu cumprimento?
A AGEPOR tem uma tradição de continuidade e, até porque estou no meu segundo mandato enquanto Presidente de Direção, essa linha tem sido mantida. O que vai variando são as circunstâncias que vamos enfrentando.
Em 2015, quando a atual Direção foi eleita, no seu primeiro mandato, propôs um Plano de Atividades que foi aprovado pelo Conselho Nacional e apresentado em Assembleia Geral, do qual constavam:
- Visitas a associados – Obrigatoriedade do Diretor Executivo e Secretários Regionais manterem uma estreita proximidade com os associados.
- Estatuto do Agente de Navegação – Adequar, tanto quanto possível, o Estatuto do agente de navegação à atividade de hoje e realidade atual do Setor.
- Comunicação – Estudar novas formas de comunicação entre a Associação e associados mais eficazes.
- Estatística – Implementar e monitorizar um modelo estatístico (AGEPORSTATS) que permita aos associados um melhor conhecimento de mercado, instrumento indispensável como ferramenta de ajuda para o crescimento do setor.
- Formação – Implementar uma oferta formativa que ajude os agentes de navegação a serem melhores e mais competitivos profissionais.
- CCT – Enquanto Associação patronal garantir e promover, trabalhando em conjunto com os sindicatos, a otimização das relações entre empresas e trabalhadores, adequando o instrumento de regulação coletiva de trabalho (CCT) à realidade do mercado.
- Reforço das relações Institucionais – Garantir um Setor mais coeso e mais competitivo.
- Representação internacional – Garantir uma presença forte e ativa a nível ibérico, europeu e mundial. Somos parte da FIMOP, da ECASBA e da FONASBA.
- PALOPs – Participar de forma atuante junto da APLOP – Associação dos Portos de Língua Oficial Portuguesa para potenciar as relações institucionais e comerciais entre todos os países aderentes.
- Estudos – Promover estudos que ajudem o setor a ser mais competitivo.
No segundo mandato (2018-2020), para além de dar continuidade às ações que vinham de trás entendeu-se juntar, entre outras ações, as seguintes:
- Agenda digital – Acompanhar de forma participativa todas as iniciativas digitais que, direta ou indiretamente, podem vir a influir no setor.
- Investimento nos Portos – Promover a necessidade de investimento na maioria dos portos portugueses para que estes se adequem às necessidades do mercado atual e mais do que isso possam continuar a crescer.
Além do plano de atividades, temos um papel fundamental a desempenhar, e somos chamados a pronunciar-nos, sobre tudo o que diz respeito aos portos portugueses. Infelizmente, nos últimos anos, isso envolveu também enfrentar um conjunto sucessivo de greves que tanto prejudicaram os portos onde foram levadas a cabo e a economia portuguesa.
Como se pode constatar, trabalho não falta e, sobretudo, a grande maioria das ações elencadas não têm fim. Antes são uma espécie de aperfeiçoamento ativo que vamos procurando fazer por forma a poder responder melhor às necessidades atuais e sermos cada vez mais fortes e competitivos.
Este é um setor muito importante para o país, mas infelizmente parece ser pouco reconhecido. Como avalia o setor e a sua importância atual para o país?
O país, ou em outras palavras, o grande público, só se apercebe da importância deste setor em determinadas situações, como por exemplo, quando as greves nos portos ameaçam os abastecimentos e, em consequência, os produtos básicos que Portugal tem de importar. Que eu me lembre, e aqui felizmente, nas últimas décadas não se assistiu em Portugal a nenhuma ocorrência extrema que provocasse a escassez nos tais produtos básicos que afetam o dia-a-dia de todos os portugueses. Se isso um dia viesse a acontecer, o que espero sinceramente nunca venha a ocorrer, os portugueses quando vissem as prateleiras dos supermercados vazias, as bombas de gasolina sem combustível, as fábricas com cortes de energia, etc., perceberiam e reconheceriam, na sua plena dimensão, toda a importância que este setor representa para o país.
Noutro contexto, e aqui já a afetar verdadeiramente um outro “público”, situações como as atrás descritas têm prejudicado as exportações portuguesas que, embora tenham encontrado outras soluções logísticas para se continuarem a processar, o fazem, pelo menos inicialmente, a um custo maior e em consequência perdem competitividade.
No ano passado com a greve ocorrida em Setúbal que afetou um dos maiores exportadores nacionais, a AutoEuropa, o Governo e o País perceberam, ainda que provavelmente só de uma forma pontual porque a normalidade leva ao esquecimento, a importância que este setor tem na economia do país.
Os portos são elos chave para toda a atividade económica e para o país. O Governo anterior reconheceu essa importância e colocou-os sob a alçada do Ministério do Mar. No novo Governo, cuja legislatura agora começa, os portos ficam sob a égide do Ministério das Infraestruturas. Esperemos que esta nova orgânica não dilua a atenção aos portos e que se mantenha a firme convicção de levar por diante a “Estratégia para o Aumento da Competitividade Portuária”, documento chave sobre o que pode e deve ser feito em cada porto português.
Enquanto país europeu, Portugal tem desafios ainda maiores neste setor?
Os desafios neste setor, quando encarados do ponto de vista externo, são-no normalmente ao nível mundial, já que o “shipping” e o comércio são atividades globais. Na vertente ambiental, os desafios que hoje se colocam à indústria do shipping são cada vez mais importantes. A IMO (Nações Unidas do Mar) tem vindo a liderar uma agenda com metas ambiciosas que não deixarão de produzir resultados, mas que trarão inevitavelmente consequências que importa desde já realçar. Por exemplo, a partir de 1 janeiro de 2020, os navios serão obrigados a navegar com combustíveis mais limpos que implicam 4 tipos alternativos de solução. Uso de gasóleo marítimo, filtragem a bordo do atual combustível pesado, uso de combustível menos pesado, ou opção por outro tipo de energia. Tudo isto para reduzir as emissões de enxofre. Qualquer uma destas soluções tem como consequência o encarecimento da rubrica energia, que tem um peso grande nos custos operacionais dos navios, o que obrigará a fretes mais caros. Este é um primeiro e muito rápido desafio que se coloca já a este setor.
Paralelamente, estão também em cima da mesa objetivos ambiciosos para redução das emissões de gases com efeito de estufa.
Outra preocupação tem a ver com a já referida necessidade de expandir os portos do país. O investimento tão necessário tem tardado e a verdade é que o mercado (tamanho dos navios) tem vindo a exigir novas condições técnicas e operacionais que é preciso satisfazer. Não queremos ficar de fora das principais cadeias logísticas. Temos de ser ousados e menos burocráticos, sem colocar em causa o respeito da Lei e ter a coragem de arriscar.
Quais são os desafios com os quais a AGEPOR se debate atualmente?
De forma sucinta, diria que o principal desafio, não só para a AGEPOR mas para todo o setor, é neste momento o que tem a ver com as acessibilidades. Tanto as marítimas como as terrestres. Como referi acima, é vital que os investimentos que estavam programados para os nossos portos vejam rapidamente a luz do dia, mas também é vital que as acessibilidades terrestres sejam melhoradas. Por outro lado, quero referir a importância de ter paz social em todos os portos portugueses. Não nos podemos dar ao luxo de “cultivar” uma má imagem do trabalho nos nossos portos quando competimos diariamente com outros altamente eficazes. Alguns (e essa vai ser cada vez mais uma realidade) totalmente automatizados. Temos de compreender que a nossa “guerra” não pode ser interna, de uns contra os outros, mas antes de todos contra os concorrentes no exterior. Temos de ser capazes de encontrar equilíbrios razoáveis e justos.
A paz social e a estabilidade em conjunto com os investimentos planeados para setor são os principais desafios, não da AGEPOR, mas de todos os que trabalham para que este setor seja cada vez melhor.
Finalizo, referindo um desafio, que uma vez mais é transversal a todo o setor, que respeita à inovação e transformação digital. Há que estar atentos, perceber as ameaças e abraçar as oportunidades no momento certo.
O Mar pode ser uma mais-valia, enquanto atividade económica, para Portugal? O que falta para alcançarmos o sucesso nessa área?
Julgo que Portugal, enquanto nação marítima, tem o grande desafio de ser capaz de deixar para as gerações vindouras um novo ‘Império’. Refiro-me ao projeto de alargamento da plataforma continental que está neste momento em fase de decisão na ONU e que, a ser aprovado, dará uma nova dimensão a Portugal.
É fulcral que nos preparemos, desde já, para este cenário. Mesmo sabendo que não teremos a dimensão (indústria de capital muitíssimo intensivo) para explorar todo o território que nos for concedido, é obrigatório que, quanto antes, dotemos o país de valências que possamos mais tarde exigir como contrapartidas nas concessões que se vierem a fazer. Temos de apostar fortemente no conhecimento e preparar os nossos jovens para abraçarem projetos que inevitavelmente surgirão nessas áreas.
É também importante envolver toda a sociedade civil neste projeto. Não guardar segredo do mesmo, pois quantos mais o sentirem como um desígnio nacional, maiores as probabilidades de o mesmo ter sucesso. Lembrando que “Portugal só foi grande quando olhou para o Mar”, está na altura de o fazermos outra vez.