Sendo advogada e trabalhando maioritariamente em processos relacionados com responsabilidades parentais e divórcio, que impacto acredita que um processo deste género causa às crianças envolvidas?
Quando, antes da separação, o casal parental vivia uma relação não conflituosa, a maior dificuldade das crianças é aceitar que esse modelo de vida terminou. Que não vão viver com as pessoas que mais gostam juntas na mesma casa.
Ao contrário, quando a situação familiar já era tensa, as crianças podem até sentir um alívio com a separação; mas, ainda assim, sentem e vivem todo o incómodo que a separação dos pais implica.
Em ambos os casos, implica uma mudança e essa mudança pode ser mais ou menos dolorosa, dependente de vários fatores emocionais e patrimoniais.
As situações mais traumáticas são, no entanto e sem qualquer dúvida, o conflito parental que se prolonga depois do divórcio/separação. As crianças deixam de reconhecer os pais, sentem-se armas que estes utilizam um contra o outro.
Existem estratégias que permitam ao advogado ser defensor de uma das partes e simultaneamente mediador de um conflito entre adultos com impacto na vida das crianças?
O advogado deve trabalhar junto do seu cliente para que este não tome atitudes que põem em causa o bem-estar dos filhos, e isso implica não prejudicar ou ofender o outro progenitor. As pessoas vivem mágoas
profundíssimas e precisam de um profissional que por vezes as lembre que, mesmo tendo razão, há guerras que não valem a pena ser travadas.
Em casos de violência doméstica, como consegue a Justiça portuguesa proteger a criança de uma situação de risco?
A lei prevê vários mecanismos, mas que na prática não são utilizados porque o sistema não permite.
Note-se que os magistrados não têm muitas vezes formação para inquirir crianças, muito menos em quadros de violência doméstica, e caso acionem os meios legais à sua disposição, como seja a presença de um profissional
habilitado, sabem que a audição da criança pode só ser possível daí a vários meses, com todas as consequências que isso pode ter para a própria criança.
O mesmo se passa com os técnicos de apoio aos tribunais, muitas vezes não têm formação para avaliar a situação nem tempo para fazer uma investigação no terreno.
As falsas queixas de violência doméstica, utilizadas como forma de obter vantagem no processo de guarda, ou mesmo como forma de vingança, levaram à banalização das queixas e ao entupimento dos serviços. Há que
punir severamente estas situações.
A União Europeia atualizou o estatuto da criança enquanto vítima no processo penal. De que forma isso se refletiu na legislação nacional?
A legislação nacional está atualizada, mas de nada serve ter boas leis sem que existam meios para a sua aplicação.
Tem que haver investimento na formação e reforço de meios. Entre uma queixa de violência doméstica e a primeira audição da criança podem passar vários meses. Até lá, o tribunal de família, que não tem os meios
para aferir da veracidade da queixa, tende a separar as águas e estabelece residências alternadas e visitas com pernoita com os agressores.
Outras vezes, suspende injustamente os contactos, e tudo isto se passa muitas vezes sem ouvir a criança. Não há tempo nem meios para aplicar a lei.
Os processos de responsabilidades parentais com indícios de violência doméstica deveriam ser tratados por uma equipa multidisciplinar única para não haver incoerências.
Nada se consegue no entanto sem um reforço urgente de pessoal nas secretarias dos Tribunais, é preciso tempo e meios para que possam trabalhar sem andar sempre a correr atrás do prejuízo.









