O Dia Internacional das Crianças Vítimas de Agressão assinala-se a 4 de junho. O número de menores vítimas de agressão tem vindo a aumentar. Entre 2022 e 2024 a APAV registou um aumento de 46% nestes crimes. O que explica este aumento, a seu ver?
Antes de mais é preciso perceber se o aumento do registo da criminalidade existe devido a um aumento da própria criminalidade ou a um aumento das denúncias. Nem sempre o aumento se deve a maior criminalidade. Pode apenas dever-se ao facto de existirem mais denúncias, o que pode acontecer devido a uma maior sensibilização da sociedade para o que constitui abuso ou agressão e menor tolerância para os mesmos. A crise económica (inflação, habitação, precariedade) agrava também o stress nas famílias mais vulneráveis, ou o abuso emocional ou físico muitas vezes devido também a contextos de exclusão social e instabilidade familiar. Por outro lado, o uso de dispositivos digitais por crianças pequenas aumentou. Com isso, surgem novas formas de violência online, como por exemplo o grooming (aliciamento), a sextortion, o cyberbullying, e desafios perigosos que podem ter consequências físicas ou psicológicas graves.
“O acesso é facilitado pois os agressores podem entrar em
contacto com crianças sem necessidade de proximidade física
e o anonimato facilita o aliciamento, a manipulação e o abuso
sem rápida deteção”.
Entre os principais crimes denunciados estão aqueles relacionados com partilhas de imagens íntimas, o abuso sexual e a violação. Como lida Portugal, legislativamente, com este tipo de crimes?
Todos esses crimes são punidos criminalmente e são tratados com seriedade no âmbito do Código Penal, mas também na Lei da Cibercriminalidade e em convenções internacionais ratificadas pelo Estado português. Os Crimes Sexuais contra Menores são considerados de natureza pública, portanto podem ser investigados mesmo sem queixa da vítima. Por outro lado, os agressores, além do cumprimento da pena criminal, também estão sujeitos à proibição
de contacto com a vítima, à inibição de exercício de funções com menores e ao registo de condenados por crimes
contra a autodeterminação e liberdade sexual de menor.
“Os Crimes sexuais contra Menores são considerados de natureza pública,
portanto podem ser investigados mesmo sem queixa da vítima”.
Especificamente relativamente à partilha de imagens íntimas de menores, seguidas ou não de extorsão e ameaças, já existe legislação adequada a este crime? Como é punido?
Estes crimes são abordados no Código Penal Português e também na Lei da Cibercriminalidade, com foco especial
em proteger os menores contra formas modernas de exploração sexual, como a sextorsion (extorsão com base em imagens íntimas) e a distribuição de pornografia infantil. A legislação é clara e está em sintonia com as normas europeias. Mas, ainda que não haja extorsão, o Código Penal criminaliza, com penas de prisão, entre o mais, a captura, gravação ou divulgação de imagens íntimas e a partilha de conteúdos sexuais ou íntimos. Mas o principal desafio é a deteção e denúncia atempada dos casos, sobretudo quando ocorrem em ambiente digital.
Tem casos em que os crimes praticados contra crianças agora são levados a cabo por uma via alternativa, como sejam as redes sociais?
Tradicionalmente, crimes contra crianças – como abuso físico ou sexual – ocorriam em ambientes familiares, escolares ou comunitários. Hoje, o meio digital tornou-se uma nova “zona de risco”, o acesso é facilitado pois os agressores podem entrar em contacto com crianças sem necessidade de proximidade física e o anonimato facilita o aliciamento, a manipulação e o abuso sem rápida deteção. Os pais têm mais dificuldades em proteger os seus filhos nesses contextos, que são pouco visíveis e mais insidiosos e as crianças não têm maturidade nem o discernimento é
suficiente para se defenderem desses predadores. Por outro lado, nos grupos de crianças e jovens, nas redes sociais,
pode existir bulling, ameaças e ofensas, de uns para os outros. Nestes casos é muito importante que se perceba que
é preciso ajudar a vítima e a criança agressora. Ambas são crianças em perigo.
Após a descoberta de um crime contra crianças, qual o procedimento jurídico, entre organismos como a CPCJ e os Tribunais, para garantir um acompanhamento do menor com vista ao seu restabelecimento físico e mental?
No que diz respeito à vítima, a CPCJ ou o tribunal só intervirá com um processo de promoção e proteção se a família não conseguir remover o perigo a que essa criança possa estar sujeita ou o perigo residir na família. Nesse caso poderá estar em causa o afastamento imediato da família. De resto, a intervenção judicial passará pela instauração
de um inquérito crime que poderá culminar com a responsabilização do agressor e a atribuição de uma indemnização à vítima. Para efeito de ajuda no restabelecimento da vítima, os organismos que poderão ser pertinentes são a APAV, o Instituto de Apoio à Criança, por exemplo, e o SNS.
“Nos grupos de crianças e jovens, nas redes sociais, pode existir
bulling, ameaças e ofensas, de uns para os outros. Nestes casos
é muito importante que se perceba que é preciso ajudar a vítima
e a criança agressora. Ambas são crianças em perigo”.
O que é que se pode fazer relativamente à proteção dos menores, a seu ver?
A luta contra este tipo de crime tem de ser conjunta, entre os pais, a escola, as associações e os órgãos do poder judicial. O primeiro passo é alertar as crianças para que estejam atentas e se consigam defender. Depois, é preciso educação digital nas escolas e em casa. Assim como ferramentas de controlo parental em dispositivos eletrónicos de menores. No que diz respeito ao Ministério Público e aos tribunais, é fundamental que atuem de forma célere e eficiente na investigação e julgamento destes casos. É importante que haja uma denúncia rápida por parte das vítimas e familiares.