Nos últimos anos a União Europeia (UE) tem vindo a observar um decréscimo de competitividade em relação aos EUA e à China. Qual deve ser o caminho a seguir: concorrer ou proteger? A resposta não é simples.
Parte da resposta passa pela adaptação da política de concorrência da UE. Podemos ver esta tendência, quer no relatório Draghi, quer na carta de missão para a Comissária da concorrência designada, Teresa Ribera. O relatório sobre o futuro da competitividade da União Europeia, de Mario Draghi, apresentado no passado dia 9 de setembro, veio oferecer recomendações estratégicas para fortalecer a competitividade da economia europeia. O relatório identifica a política de concorrência como um pilar essencial para a estabilidade e integração económica na UE, propondo uma abordagem mais flexível para acomodar as novas dinâmicas de mercado, especialmente em setores digitais e de inovação tecnológica. O relatório sugere uma reformulação da política de concorrência de mãos dadas com uma forte política industrial da UE. Neste campo, o relatório defende, mesmo, a criação de condições para que as empresas europeias tenham escala para competir a nível global (o que já foi visto por muitos comentadores como uma apologia aos “campeões europeus”).
A carta de missão para a Comissária designada com o pelouro da concorrência atribui-lhe um mandato ambicioso. A carta enfatiza a necessidade de se adotar uma nova abordagem à política de concorrência, que apoie as empresas na sua expansão nos mercados globais, que permita às empresas e consumidores colher os benefícios
de uma concorrência efetiva e que promova objetivos comuns, incluindo a descarbonização e a transição justa. Reformular a política de concorrência para acolher as vozes que reclamam maior aproximação a uma política industrial não é tarefa fácil e implica flexibilizar o controlo de concentrações, orientar os auxílios de Estado para
a inovação, incluindo as tecnologias relativas às energias renováveis (quer o relatório Draghi, quer as orientações políticas para 2024-2029, quer a carta de missão identificam como prioritários os Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu), ao mesmo tempo que se aplica vigorosamente as políticas “antitrust” para evitar cartéis e abusos de posição dominante. E esta é a parte em que a política de concorrência pode servir para apoiar a competitividade em mercados globais, na cena internacional.
Porém, na resposta à pergunta, também é preciso ter em conta outras grandes ordens de fatores. Primeiro, a economia global encontra-se em rápida evolução tecnológica, que a Europa tem de acompanhar. Segundo, o crescimento económico deve de ser sustentável. No entanto, as políticas verdes implicam mais regulação, o que tem impacto na competitividade. Terceiro, agravam-se conflitos internacionais, o que força a UE a ter de desenvolver estratégias para assegurar a sua independência energética e não só (lembremos os tempos da Covid-19 e a cada vez maior necessidade de acesso a matérias-primas críticas).
Sem surpresa, nos últimos anos, observámos a adoção de novas políticas destinadas a nivelar as condições de concorrência das empresas europeias com as das empresas de países terceiros, como o Regulamento dos subsídios estrangeiros (“Foreign Subsidies Regulation”), o Regulamento dos Mercados Digitais (“Digital Markets Act”) e o Regulamento de análise dos investimentos diretos estrangeiros na União, bem como as políticas nacionais de análise do investimento direto estrangeiro, que proliferam Europa fora.
A estas políticas somam-se, para dar exemplos recentes, a já extensa legislação ESG, que tem impacto nas cadeias de valor globais, ou o Regulamento da Inteligência Artificial. É necessária proteção? Somos conscientes de que existe sobrerregulação na UE e que muita dessa regulação existe para manter os padrões que a Europa considera essenciais, tais como alcançar a (necessária) descarbonização da economia e proteger direitos fundamentais, a democracia e o Estado de Direito. É importante que tal não prejudique a competitividade das empresas europeias.
Contudo, apesar de, neste momento, parecer evidente que a política de concorrência da UE deve ser adaptada e que deve ser encontrado um equilíbrio entre o fomento da inovação e a resiliência da economia europeia (dois conceitos sobejamente usados no relatório Draghi), tal deve acontecer sem desvirtuar o objetivo da política de concorrência de manter condições de concorrência equitativas, com o foco no bem-estar do consumidor, e sem pôr em causa a essência de abertura da UE e o mercado interno, um dos pilares da construção europeia.