“Quem assume o papel de cuidador também precisa de apoio”

A atividade da Clínica da Neuropsicologia centra-se no trabalho com pessoas com demência, como o Alzheimer, com AVC (Acidente Vascular Cerebral) e com cuidadores informais. A neuropsicóloga e fundadora deste espaço, Lia Gomes de Almeida, fala sobre a importância de controlar os fatores de risco para desenvolver demências ou vir a sofrer um AVC e sobre o impacto que estas doenças têm na vida dos cuidadores informais.

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Que análise faz à frequência com que os AVCs sucedem agora? A vida que levamos, mais sedentária e urbanizada, bem como o dia a dia laboral intenso, poderão contribuir para o maior aumento destes casos, alguns até numa população bastante jovem?

Os AVC são a principal causa de incapacidade em Portugal. A maioria dos casos de AVC deve-se a fatores de risco, como a diabetes, colesterol, hipertensão ou excesso de peso. Associado ao estilo de vida agitado e sedentário que levamos, acabamos por descurar da nossa alimentação e saúde física e mental. Além disto,
também existe uma associação entre o stress emocional e o AVC, sendo que 1 em cada 6 AVC está associado a stress ou fatores emocionais. O consumo de substâncias como o álcool, o tabaco ou drogas, é um fator de risco, e é usado por algumas pessoas como estratégia para lidar com o stress, aumentando assim o risco de ter AVC. Por oposição, quando falamos em AVC na infância ou em jovens, a maioria é por questões genéticas ou problemas de saúde que a criança ou o jovem já possuía – doenças cardiovasculares, malformações congénitas ou problemas de coagulação. É fundamental manter um estilo de vida saudável e controlar os fatores de risco.

Como muda a vida de uma pessoa que se torne cuidador de outrem?

A vida de um cuidador muda por completo. Há pessoas que deixam de trabalhar; outras que deixam de ter tempo para conviver dedicando-se apenas ao cuidar; há gastos extra com produtos farmacêuticos e de higiene e com terapias; o sono fica prejudicado; há pessoas que ficam com lesões físicas e que se sentem sempre cansadas; e há também um grande impacto emocional. Os níveis de ansiedade, depressão e stress aumentam e o cuidador sente-se socialmente isolado. Sente que não tem ajuda e que depende só de si: tem menos tempo para viver. Os cuidadores têm tendência para ver a sua qualidade de vida diminuída em todas as áreas. Assim, é fundamental que cuidem de si mesmos. Devem ter momentos para si e momentos de descanso. Ninguém consegue fazer tudo sozinho, por isso devem pedir ajuda de forma prática e direta, por exemplo pedir a um familiar que vá às compras. Como nem todos os cuidadores pedem ajuda, se conhecer um cuidador, ofereça-a: disponibilize-se para limpar a casa ou ficar com a pessoa cuidada para que o cuidador descanse. Assim, o cuidador reduz a sua sobrecarga e isolamento.

Como pode a Neuropsicologia ajudar no acompanhamento a estas pessoas com demência ou lesões cerebrais?

A Neuropsicologia é uma especialidade da Psicologia, que trabalha a ligação entre o cérebro e o comportamento. O conceito de neuroplasticidade (a capacidade que o cérebro tem de se adaptar e de responder a diferentes estímulos) é a base do trabalho desenvolvido. Quando temos um AVC, uma lesão cerebral ou um quadro demencial, perdemos neurónios. Não os conseguimos recuperar, mas podemos aumentar as ligações entre os neurónios que ficam, para conseguir manter ou recuperar as nossas capacidades. A Neuropsicologia, através de exercícios e estratégias, trabalha as várias áreas cognitivas, como a memória e a atenção.

Quais os sinais que é importante conhecer para perceber que está na altura de procurar ajuda?

Em caso de AVC é importante conhecer os 3 F: Face ao lado, Falar com dificuldade e Força reduzida. Caso se detetem alguns destes sinais, deve-se logo ligar 112. Quanto às demências, esquecimentos todos podemos ter. Devemos é estar atentos à regularidade com que as dificuldades de memória acontecem. Depois, é também
importante perceber se são dificuldades passageiras ou se são permanentes. Em caso de dúvida, o ideal é consultar um profissional de saúde especializado, como um neurologista ou um neuropsicólogo.