Uma análise à Nova Lei dos Estrangeiros: o que mudou e como isso afeta os imigrantes

A nova Lei dos Estrangeiros, aprovada em 30 de setembro de 2025, resulta de algumas atualizações e ajustes à anterior, que vigora atualmente. O advogado Cleber de Alcântara Chagas, da Chagas Advogados, explica em detalhe o que mudou e opina sobre os novos aspetos desta lei que, entre outras coisas, representa uma mudança paradigmática na política migratória portuguesa.

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Quais os pontos principais que, a seu ver, merecem ser mencionados enquanto alterações a ter em conta nesta nova Lei?

Os pontos principais que merecem destaque são: primeiro, a extinção definitiva do procedimento de “manifestação de interesse”, que permitia a regularização de estrangeiros que tivessem entrado em Portugal como turistas e posteriormente obtido um contrato de trabalho. Segundo, a imposição de um prazo mínimo de dois anos de residência legal para solicitar o reagrupamento familiar. Terceiro, a criação do visto para procura de trabalho qualificado, restrito a profissionais altamente qualificados. Quarto, o endurecimento das condições para cidadãos da CPLP, que passam a ter de solicitar visto prévio no país de origem, perdendo a vantagem histórica de poderem
regularizar a sua situação após a entrada em território português. Por fim, destaco a introdução de requisitos de integração mais rigorosos para o reagrupamento familiar, incluindo a obrigatoriedade de frequência de cursos de língua portuguesa e de formação sobre valores constitucionais, bem como a comprovação de meios de subsistência adequados.

Qual o impacto direto para a população imigrante de, por exemplo, o prazo para as respostas aos casos ser, agora, estipulado em 90 dias?

Antes de mais, é importante esclarecer que o prazo estipulado na nova lei não é de 90 dias, mas sim de 9 meses (270 dias), conforme previsto no artigo 105.º. Este é um ponto crucial que merece ser corrigido, pois a diferença é
substancial. Na minha perspectiva profissional, 9 meses é um prazo excessivamente longo e inadequado para a decisão de um pedido de autorização de residência. Estamos a falar de pessoas que ficam, durante todo este período, numa situação de incerteza jurídica, muitas vezes sem acesso pleno ao mercado de trabalho, à saúde, à habitação ou a outros direitos fundamentais. Esta espera prolongada gera ansiedade, vulnerabilidade e dificulta enormemente a integração. O prazo ideal deveria ser de 90 dias, no máximo. Este seria um período razoável para a
análise documental, verificação de requisitos e emissão de uma decisão. Vários países europeus conseguem processar pedidos de residência em prazos muito mais curtos, demonstrando que é possível conjugar eficiência administrativa com rigor na análise.

Relativamente à questão do reagrupamento familiar, e aos novos prazos impostos em termos de tempo a residir em Portugal para que possa solicitar reagrupamento, estes parecem-lhe mais ajustados?

A imposição de um prazo mínimo de dois anos para o reagrupamento familiar é, na minha perspetiva profissional e humana, excessiva e desproporcionada. A família é um direito fundamental, reconhecido pela Constituição da
República Portuguesa, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e por diversos tratados internacionais. Obrigar famílias a permanecerem separadas durante dois anos, quando o titular da autorização de residência já demonstrou a sua integração e capacidade de subsistência, representa uma violação deste direito. É verdade que a lei prevê exceções importantes, nomeadamente para casais com filhos menores, para familiares com deficiência ou dependentes, e para casais sem filhos (reduzindo o prazo para um ano). Considero que o regime anterior, que não impunha qualquer prazo mínimo, era mais equilibrado e respeitador dos direitos humanos.

Os cidadãos da CPLP sempre beneficiaram de condições particulares para entrar em Portugal. No entanto, recentemente estas condições alteraram-se e entrar em Portugal ficou mais difícil. Quais as principais diferenças e, a seu ver, porquê esta necessidade de alterar estas condições únicas entre países falantes da Língua Portuguesa?

Os cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) sempre gozaram de um estatuto especial em Portugal. Este tratamento preferencial materializava-se na possibilidade de entrar em Portugal como turista e, posteriormente, solicitar uma autorização de residência através da manifestação de interesse, desde que obtivessem um contrato de trabalho. A nova lei elimina esta vantagem histórica. Os cidadãos da CPLP passam a ter de solicitar um visto prévio no país de origem, tal como qualquer outro estrangeiro. O visto para procura de trabalho, que poderia ser uma alternativa, fica restrito a profissionais altamente qualificados, excluindo a grande maioria dos trabalhadores que procuram oportunidades em setores como a construção, a restauração, a agricultura ou os serviços.

Qual a razão desta mudança?

Do ponto de vista do governo, a alteração justifica-se pela necessidade de controlar os fluxos migratórios e de combater a imigração irregular. Argumenta-se que o regime anterior criava situações de vulnerabilidade e era explorado por redes de tráfico de pessoas. No entanto, na minha opinião, esta justificação não resiste a uma análise cuidada. Os dados económicos demonstram que os imigrantes, incluindo os cidadãos da CPLP, são contribuintes líquidos para a Segurança Social e essenciais para a sustentabilidade demográfica e fiscal de Portugal. A verdadeira razão para esta mudança parece ser política. Esta alteração representa, na minha perspetiva, um erro estratégico. Portugal beneficia enormemente da imigração lusófona, que traz não só mão de obra, mas também dinamismo cultural, empreendedorismo e laços económicos com outros países de língua portuguesa. Dificultar a entrada destes cidadãos é, no fundo, enfraquecer Portugal.

Quão importante é, a seu ver, que a pessoa esteja efetivamente integrada no país, social e culturalmente, para que possa fazer sentido a etapa seguinte, de reagrupamento familiar, por exemplo? O que é preciso para uma maior integração dos imigrantes em Portugal?

A integração é, sem dúvida, fundamental para o sucesso de qualquer projeto migratório, tanto para o imigrante como para a sociedade de acolhimento. Uma pessoa integrada participa ativamente na vida social e económica do país, espeita as suas leis e valores, e contribui para a coesão social. Neste sentido, é legítimo que o Estado promova e incentive a integração. No entanto, é preciso distinguir entre promover a integração e impor barreiras desproporcionadas. A nova lei exige que os familiares do requerente frequentem cursos de língua portuguesa e de formação sobre valores constitucionais, e que o requerente comprove meios de subsistência adequados. Estes requisitos são, em princípio, razoáveis. O problema surge quando se transformam em obstáculos burocráticos que dificultam ou impedem o reagrupamento familiar. A integração não se decreta por lei; constrói-se no dia a dia. Para uma maior integração dos imigrantes em Portugal, são necessárias políticas públicas que vão muito além de cursos obrigatórios:

Acesso facilitado à habitação: O mercado de arrendamento em Portugal é extremamente difícil para imigrantes, que enfrentam discriminação e exigências abusivas. Sem uma casa digna, não há integração possível.

Reconhecimento de qualificações: Muitos imigrantes altamente qualificados veem-se forçados a aceitar empregos abaixo das suas competências porque os seus diplomas não são reconhecidos. É preciso simplificar e agilizar este processo.

Combate à discriminação: A discriminação no mercado de trabalho, no acesso a serviços e na vida quotidiana é uma realidade que precisa de ser enfrentada com políticas activas e campanhas de sensibilização.

Apoio à aprendizagem da língua: Os cursos de português devem ser gratuitos, acessíveis e adaptados às necessidades dos imigrantes, incluindo horários compatíveis com o trabalho.

Participação cívica: Incentivar a participação dos imigrantes em associações, sindicatos e estruturas de participação local.

Reagrupamento familiar facilitado: Paradoxalmente, uma das melhores formas de promover a integração é facilitar o reagrupamento familiar. Uma pessoa que vive com a sua família, que tem uma rede de apoio e que pode planear o futuro a longo prazo, integra-se muito melhor do que alguém que vive na incerteza e na solidão.

Por que razão é tão importante que as pessoas que pretendem estabelecer-se em Portugal sejam acompanhadas por um advogado especialista neste processo? Isso pode ajudar a simplificar o processo?

A legislação de imigração é complexa, técnica e em constante mudança. A nova Lei dos Estrangeiros, com as suas múltiplas exceções, prazos e requisitos, é um exemplo perfeito desta complexidade. Para um cidadão estrangeiro, que muitas vezes não domina a língua portuguesa, não conhece o sistema jurídico português e enfrenta dificuldades práticas no dia a dia, navegar por este labirinto burocrático pode ser extremamente difícil, senão impossível. Um advogado especialista em direito de imigração pode fazer toda a diferença:

  1. Conhecimento técnico: Um advogado conhece a lei, a jurisprudência e a prática administrativa.
  2. Estratégia personalizada: Cada caso é único. Um advogado analisa a situação específica do cliente e define a melhor estratégia, escolhendo o tipo de visto ou autorização de residência mais adequado e preparando o processo de forma sólida.
  3. Prevenção de problemas: Muitos pedidos são indeferidos por erros formais, documentos em falta ou incompletos, ou por não cumprimento de requisitos. Um advogado previne estes problemas.
  4. Defesa de direitos: Em caso de indeferimento, demora excessiva ou violação de direitos, um advogado pode interpor recursos administrativos ou judiciais, defendendo os interesses do cliente de forma eficaz.
  5. Acompanhamento e tranquilidade: O processo de imigração é stressante e pode durar meses ou anos. Ter um advogado ao lado dá tranquilidade e segurança.

Simplificar o processo? Sim e não. Um advogado não pode simplificar a lei, que é o que é. Mas pode simplificar a vida do cliente, assumindo a gestão do processo, lidando com a burocracia e permitindo que o cliente se concentre no que é realmente importante: trabalhar, estudar, integrar-se e construir a sua vida em Portugal. Em suma, estas alterações representam uma oportunidade perdida. Em vez de construir um sistema de imigração moderno, eficiente e humano, Portugal optou por erguer muros. Como advogado, continuarei a lutar pelos direitos dos meus clientes. Como cidadão, lamento profundamente esta escolha.