O que é a Provedoria de Justiça e qual é o seu papel? Por que é a Provedoria um órgão mais administrativo do que de Justiça?
A Provedoria Europeia é um órgão relevante no quadro do constitucionalismo europeu, ao abrigo dos Tratados, como também no contexto mais prático e no dia a dia dos cidadãos europeus. A Provedoria tem como principal função ser a guardiã da dita “boa administração”, procurando zelar pelo cumprimento, ao nível das instituições europeias, tanto da legalidade, como dos direitos fundamentais, como também dos princípios de boa administração que estão muito relacionados com aquilo que os cidadãos podem vir a encontrar no contexto das instituições europeias, como por exemplo os atrasos, o que podem entender por burocracias mais excessivas ou a ausência de respostas ou respostas que considerem insuficientes, ou muitas vezes as respostas que o cidadão possa vir a considerar injustas.
As Provedorias são uma espécie de observatórios – no quadro nacional, são observatórios do Estado, no quadro europeu, são observatórios das instituições europeias e da forma como as mesmas se refletem na vida das pessoas. Este reflexo na vida da população pode gerar descontentamento ou uma sensação de injustiça e os cidadãos podem, então, dirigir-se à Provedoria para reportar isso mesmo.
E esta é a natureza única de uma Provedoria. O nosso primeiro objetivo é ouvir o cidadão e procurar responder aos seus problemas. A capacidade que esta instituição tem de, por via da sua independência, da sua imparcialidade e da sua argumentação, apontar às instituições não apenas aquilo que possa estar a ser feito fora da Lei, mas os procedimentos administrativos que possam necessitar de correção ou mesmo alteração, seja legislativa, seja administrativa, por uma questão de Justiça, é particularmente importante. Não temos poder vinculativo, e por isso é que também existe uma grande diferenciação com a Justiça. A Provedoria de Justiça Europeia pode diminuir o número de casos que chegam ao Tribunal de Justiça da União Europeia, mas é muito diferente na sua natureza, exatamente pelo que já referi e por causa da informalidade que lhe está associada. Existem, claro, critérios de admissibilidade das queixas, mas o cidadão não necessita, por exemplo, da representação de um advogado. Apresenta a sua queixa por via online ou através de carta e terá uma resposta nessa sequência.
“O que as queixas na Provedoria de Justiça
demonstram é que muitas vezes existe um fosso
profundo entre o que são as expectativas que
foram criadas no cidadão e aquilo que, depois,
as instituições são capazes de cumprir”.
A questão da burocracia e da simplificação tem sido um trabalho desenvolvido pela Provedoria ao longo do tempo?
Efetivamente, o maior número de queixas que recebemos está diretamente relacionado com a questão da burocracia, porque é ela que muitas vezes leva à demora do processo e também à sua opacidade. É importante aqui
salientar que a burocracia não é inimiga da democracia, pelo contrário. A burocracia surge, inicialmente, para garantir que os processos são claros, no sentido de um correto equilíbrio, garantindo que não existe corrupção, falta de transparência… O problema está nos extremos – quando temos burocracia a menos ou a mais.
E temos de ter a certeza que existe um bom sistema de fiscalização. O posicionamento da Provedoria de Justiça Europeia passa por garantir que, ao longo de um processo, as decisões foram tomadas de forma justa, transparente e responsável. A União Europeia caminhou, e bem, no processo de democratização. Nesse processo de democratização, fez um apelo constante ao cidadão para que se interesse pela União Europeia, sendo esse interesse manifestado em função de participação e do conhecimento. É a chamada democracia participativa, que consta dos Tratados.
Mas as instituições têm de ter capacidade para dar resposta a esta participação. E o que as queixas na Provedoria de Justiça demonstram é que muitas vezes existe um fosso profundo entre o que são as expectativas que foram criadas no cidadão e aquilo que, depois, as instituições são capazes de cumprir. Este fosso tem de ser resolvido. No entanto, uma queixa é um ato de confiança. A pessoa ainda acredita que existe uma instituição que, dentro do sistema, é capaz de ouvi-la e de lhe responder. E tem confiança nessa resposta, portanto deve ter um tratamento nesse sentido.
Quando foi eleita, salientou a importância de aproximar as instituições das pessoas e de assegurar a capacidade de resposta dos organismos europeus às necessidades da população. Este é um dos objetivos centrais do seu mandato?
Uma das principais razões pelas quais a Provedoria foi criada foi para aproximar as instituições do cidadão. A participação dos cidadãos na União Europeia, de que já falámos, relaciona-se exatamente com este aspeto da
proximidade. Isso faz parte da minha visão e do meu esforço de reforçar o laço de confiança que deve existir entre as instituições e os cidadãos. As Provedorias são verdadeiras pontes entre estes dois polos. Permitem garantir que
se respeitam os padrões mais elevados de integridade, de responsabilidade e de capacidade de resposta, que as instituições têm de ter.
“É importante aqui salientar que a burocracia não é inimiga da democracia, pelo contrário. A burocracia surge, inicialmente, para garantir que os processos são claros”.
Tenho de dizer, porém, que compreendo a dificuldade das instituições, porque nós vivemos tempos em que a realidade muda muito rapidamente e a necessidade de resposta aumenta. Mas os processos de decisão são morosos e, neste campo, permita-me deixar uma mensagem clara: não pode a urgência, nunca, a meu ver, justificar a desconsideração de princípios muito importantes que tornaram as nossas instituições sólidas desde o início, nomeadamente a democracia participativa. Assim, eu compreendo a necessidade de urgência e a necessidade de se encontrarem procedimentos que possam ser mais ágeis, mas isso não pode ter como custo os princípios que são
fundamentais, porque foram eles que tornaram as nossas instituições sólidas, sob pena de embarcarmos num ciclo que pode vir a pôr em causa a própria democracia europeia.