“A literacia financeira é um problema que afeta a contratação de crédito”

Rui Filipe Brites é um profissional da intermediação de crédito desde que esta área foi regulamentada pelo Banco de Portugal. Tendo como clientes muitos emigrantes portugueses, que agora procuram investir no seu país de origem, trabalha também com muitas famílias que recorrem à sua ajuda especializada para renegociar créditos – particularmente o crédito habitação – e reorganizar a sua vida financeira. Alerta, nesta entrevista, para a falta de literacia financeira em Portugal, que considera um problema estrutural da sociedade.

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Qual a importância de um intermediário de crédito, considerando a conjuntura financeira e económica do país?

Desde o início da minha atividade que me apercebo da grande dificuldade que a maioria dos clientes tem para compreender o que é a concessão de crédito, o que é lidar com transferência de crédito e o que é que isso
acarreta a nível de custos. A literacia financeira é muito má em Portugal. Há muitas pessoas literadas nas suas áreas, mas que no aspeto financeiro não entendem nada do que se lhes está a explicar, pelo que a ajuda de um
intermediário de crédito é fundamental. O cliente ainda tem uma dificuldade enorme para estar à frente do gerente do banco ou do gestor bancário, dada a linguagem técnica utilizada, que é frequentemente incompreensível para o cliente, bem como a distância que estes profissionais cultivaram durante décadas, que,
agora, está mais suavizada. Ainda assim, importa reconhecer que muitos bancários têm uma linguagem técnica muito formatada e não são capazes de se aproximar da linguagem compreendida pelo cliente. É aqui que nós,
intermediários de crédito, somos essenciais, pois facilitamos a comunicação entre as partes, simplificando-a. Eu tenho de perceber que cliente tenho à minha frente e como posso ajudá-lo. Quando o levo ao Banco, normalmente já o preparei para aquilo que lhe vai ser oferecido, de forma que não encontre conceitos que não
conhece.

A Banca já tem uma verdadeira abertura para negociar?

Agora já estamos numa fase em que os Bancos tentam mesmo ajudar, renegociando, de alguma forma, o crédito, mas claro que cada caso é um caso. Quando falamos em renegociação, isso passa por renegociar a taxa – que passa para taxa fixa, em parte do tempo do crédito -, ou então cancelar o seguro de vida acoplado ao
pacote do crédito bancário e procurar uma solução independente. Também é possível negociar o spread – o lucro que o Banco obtém – porque é esta taxa que o Banco tem mais facilidade em negociar, considerando que
prefere manter o cliente e o crédito, do que fazer com que o cliente procure outro Banco ou que, no limite, entre em incumprimento.

A falta de literacia financeira leva a que muitas pessoas não reconheçam os sinais de que deviam pedir ajuda para conseguir continuar a pagar o seu crédito. Enquanto intermediário de crédito, recebe muitos clientes com situações complicadas ou insolúveis? Que sinais devem as pessoas identificar para recorrer à ajuda de algum profissional?

Recebo todo o tipo de clientes: há quem chegue a tempo de procurar uma solução, porque se apercebe atempadamente que está com dificuldades, e há aqueles clientes que já chegam na última expectativa. De uma
maneira geral, a maioria dos clientes já se apercebe atempadamente, muito por causa da comunicação social, que fala muito nos problemas causados pela subida das taxas de juro.

Em jeito de análise do futuro próximo, o que lhe parece que teremos, enquanto sociedade? Continuaremos a ser uma sociedade desinformada e movida a crédito?

Acredito que o papel do intermediário de crédito vai ser determinante e cada vez mais importante, principalmente para ajudarmos as pessoas na literacia financeira e permitir-lhes perceber o que poderá vir a acontecer. Contudo, nunca é fácil saber o que virá. Não sabemos se as taxas de juro vão baixar, porque as crises são cíclicas e estamos, provavelmente, a entrar num novo período de crise. O nosso papel, enquanto profissionais, é ajudar a desmistificar a situação da literacia financeira, para evitar que as pessoas façam
créditos para tudo, para que estejam mais atentas à sua situação financeira e para que compreendam os sinais de alerta, relativamente à necessidade de renegociar algum crédito existente. As pessoas têm de ter noção de até onde podem ir.