GUDA: A Arte e o Design Participativo

Sofia Martins é designer e partner na GUDA – Give U Design Art, uma empresa que junta a Arte ao Design de uma forma irreverente. O conceito desta empresa passa pelo Design Participativo, envolvendo o cliente no processo e na criação do produto final.

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Sofia Martins, designer e partner

Em primeiro lugar, quero dar-lhe os parabéns por este novo conceito de design. O que a levou a apostar na criação da GUDA?

Um percurso familiar assente na criatividade e, no que agora se chama de empreendedorismo, mas que na altura era a capacidade de trabalho, desenvolvimento pessoal e resiliência, levou-me a seguir as Artes Plásticas. No final da licenciatura compreendi que não me identificava com o meio artístico “convencional” e que me faltava algo mais, encontrar o meu percurso criativo afastando-me da herança familiar. Na troca de experiência com amigos de outros cursos o Design começou a chamar-me cada vez mais. Após uma tentativa frustrada de integrar o mercado de trabalho no departamento de comunicação de uma empresa de média dimensão nacional e internacional, percebi que também não era aquele o meio com que me identificava. Entretanto realizei a minha formação em Design, o que me permitiu desenvolver capacidades técnicas e conceptuais que se integraram naturalmente em toda a formação artística que na realidade tive desde criança. Estava então frustrada com o mundo das Artes e com o mercado de trabalho que integrei. E foi na partilha desta frustração com uma amiga de curso, a Susana Leonor, que nos identificamos neste sentimento de frustração e com a vontade de fazer algo para mudar. Ambas vínhamos das Artes e ambas tínhamos uma visão clara do que queríamos trazer para o espaço de Design, o que rapidamente se transformou num manifesto e na formação da GUDA, que na realidade é o acrónimo para Give U Design Art.

O que distingue a GUDA das restantes empresas da mesma área?

Como referi a GUDA surge desta vontade de aliar as Artes Plástica com o Design. E quando começamos eu e a Susana tínhamos uma visão muito claro do que queríamos trazer para este meio. O nosso manifesto não só trazia a nossa forma de ver as Artes e o Design, mas também a nossa forma conceptual de desenhar a experiência de todo o serviço que queríamos proporcionar. Falo no passado porque na realidade em 11 anos o nosso manifesto transformou-se e a nossa visão também, talvez não tanto! Há nove anos tivemos o nosso primeiro contacto com as metodologias de Design Participativo, através do Américo Mateus, que com o desenrolar da relação profissional se tornou sócio da GUDA, e esta metodologia ressoou no processo da GUDA. Na realidade já estava na sua génese, sem termos entendimento sobre a sua circunstância científica, já reclamávamos um trabalho com uma base colaborativa com o nosso cliente/projeto e com o contexto envolvente.

Hoje em dia o que nos distingue é que o nosso processo é participativo, para encontrarmos a resposta ao problema/necessidade há um trabalho colaborativo entre nós e todos os envolvidos neste problema/necessidade, para que seja uma resposta conjunta e real. Real porque tem que ser uma solução para o que todos carecem e muitas vezes o que nos pedem ou o desafio que nos colocam demonstra-se, mais à frente no processo, que na realidade não é o que necessitam ou que não resolve as precisões do projeto. Alguns processos são mais curtos, outros estendem-se mais ao longo do tempo, como é o caso do que estamos a desenvolver atualmente na URBiNAT, um projeto EU Horizon 2020, URBiNAT para o desenvolvimento de corredores saudáveis como propulsores dos bairros de habitação social para a cocriação de redes sociais, ambientais e comercializáveis de NBS. Onde participamos no desenho da metodologia de design, que envolve cidadãos e todas as partes interessadas em um processo colaborativo para o codesenvolvimento de diagnósticos locais, design de corredores saudáveis, bem como da monitorização continua da sua implementação.

Em resumo, o que nos diferencia é o processo participativo do nosso design e, muito importante, a relação dos três sócios à investigação e ensino, onde procuramos sempre a evolução e adaptação dos nossos processos através da investigação sobre os diferentes contextos e metodologias. Investigação que vamos integrando em cada projeto, pois para nós nenhum é igual e replicável.

Foto: Carlos Barradas

Considera que, atualmente, as oportunidades surgem da mesma forma para mulheres e homens (sobretudo para cargos de liderança)?

As oportunidades estão lá, é verdade. Mas não considero que sejam efetivamente iguais. Até porque nós mulheres vemos a oportunidade de outra forma, olhamos para cada possibilidade em várias dimensões e somos muito exigentes com o que damos, muito porque nos sentimos sempre observadas. É como uma prova de corrida em que à partida já há um eleito a vencedor, então temos que dar muito mais. O contexto mundial, mas muito o português, ainda não vê a mulher na liderança, estão sempre à espera que seja o homem a dar a palavra final ou a efetivar a seriedade dos projetos, métodos, etc. E quando estamos nessa liderança pouca ou quase nenhuma compreensão com a dimensão da mulher, ou seja, há uma forma masculina de ver a mulher na liderança e ela sente que tem que assumir essa forma ou é muito mais difícil chegar a essa liderança ou oportunidade.

Sei que há muita mudança a acontecer e temos mulheres a assumirem cargos da dita liderança e, cada vez mais, a reivindicarem o seu espaço como mulher em toda a sua grandeza, assumindo a integração da sua relevância pessoal, profissional e familiar. Mas ainda há um caminho gigante para percorrer… Porque em alguns espaços de discussão pública a voz está a ser tomada e há uma grande exposição desta vindícia, mas nos espaços menos públicos, menos visíveis e essenciais na dinâmica empresarial e social do dia-a-dia, não há visibilidade e por isso a força da voz destas mulheres perde-se e o medo e necessidade suplanta esta vontade de justiça e igualdade.

A liderança e a criatividade femininas

A liderança feminina é diferente da masculina? Em que aspetos?

Na realidade falo um pouco disso na resposta anterior. Numa sociedade patriarcal o homem assumiu o seu papel de trabalhador e sustento familiar, o seu objetivo era sair para trazer o sustento para casa e quanto maior era esse sustento que trazia maior era o respeito que conquistava pela sociedade. Então o homem, por exigências deste contexto, focou-se exclusivamente na conquista desse prestígio e esse passou a ser o padrão para o reconhecimento dentro do mercado de trabalho e social. Tu trabalhas horas a fio, não tens vida social e/ou familiar, nada suplanta as necessidades do teu cargo. E depois tens que ser agressivo no teu trabalho, e vive-se num ambiente de hostilidade em que tudo é uma competição e todos são inimigos. E a mulher para atingir esse espaço de liderança mimetizou a essa forma masculina de estar no contexto profissional para atingir esse reconhecimento.

Claro que isto não é geral e literal, na realidade estamos a ver essa mudança e temos líderes femininos e masculinos a liderar com ideais que se integram na visão contemporânea feminista. Mas, mais uma vez, é um caminho grande a percorrer.

Mais de metade das licenciaturas em Portugal são de mulheres e 35% das mulheres são responsáveis pela criação de novos negócios. A afirmação feminina no mercado de trabalho está a acontecer?

Teve e está muito em voga o “empreendedorismo feminino”, uma terminologia muito comiseradora do esforço da mulher para ter um espaço no contexto do mercado de trabalho e na sociedade, criando a sua própria oportunidade. Na realidade a mulher procura a conceção do seu negócio ou espaço de trabalho para conseguir ter o equilíbrio das suas dimensões pessoais, profissionais e familiares. Constrói a oportunidade de trabalho e de liderança muitas vezes negada, trazendo a sua voz à sociedade.

Que características devem possuir os líderes desta nova década?

Tenho muita dificuldade na palavra líder, o contexto histórico mundial enegreceu este conceito. Mas sim, podemos falar de influenciadores, de liderança colectiva, comunidades de referência que trabalham e se relacionam com a sociedade em várias dimensões: físico/material/psicológico/cognitivo/emocional/espiritual/cultural/simbólico. Uma forma de ver muito do pensamento do designer e da forma de ver as interacções humanas com o meio envolvente, onde se observa, reflecte e intervém neste contexto multidimensional da Ecologia Humana.

O design único que desenvolvem, com características de arte e da cultura distintas de cada empresa, tem também em si muito daquilo que é a essência da feminilidade?

Penso que não se circunscreve à natureza feminina, até porque seria redutor para o contexto masculino e a sua forma também de integrar a arte e a cultura. Há muita coisa boa a acontecer nesta integração das artes e da cultura no Design e outras áreas científicas. Mas sim, acho que faz parte da nossa forma de ver o mundo como mulheres e como designers. Eu não consigo olhar o mundo sem ser com esta visão cultural que permite reconhecer os arquétipos transpostos para a arte, compreendendo este processo de significação individual e coletiva que concerne ao resultado apropriação e reconhecimento.

Como avalia o mercado de trabalho português, atualmente e fazendo uma previsão a médio prazo, no que respeita à evolução profissional das mulheres?

Mais uma vez, temos um longo caminho a percorrer… Mas nestes 11 anos que, como GUDA e como professora, tenho interagido com o mercado português sinto que já houve uma evolução no reconhecimento da mulher e do seu trabalho. Também pode ser resultado das minhas certezas que vêm com a experiência. Mas há, pouco a pouco, um reconhecimento real, já não nos bastidores, das capacidades e qualidades do trabalho da mulher. No entanto, o contexto atual de pandemia veio parar esta evolução, o papel multidimensional dentro do contexto familiar: trabalhar a partir de casa, trabalhar para a casa e cuidar dos filhos e de todos, ficou maioritariamente incumbido às mulheres. Então estamos numa conjuntura muito perigosa para o futuro das mulheres (já nem falo em reconhecimento) no mercado de trabalho, temos mulheres a ficarem desempregadas, mulheres esgotadas e a previsão de uma crise económica mundial onde as minorias onde nos incluímos vão ser as primeiras a sofrer o seu impacto. Por isso, neste momento a minha previsão é dura para a mulher no mercado de trabalho português e mundial. Mas sou esperançosa e apelo a que não baixemos os braços, e nos circundemos de ainda mais solidariedade feminina e masculina, que hajamos coletivamente para minorar este impacto que já é uma realidade em um sentido real de comunidade.