Poluição sonora – Uma ameaça invisível?

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Propus-me divagar, desta feita num registo mais certo, sobre um assunto ora menos falado, ora às vezes silenciado, versando a problemática da poluição sonora e consequente impacto ambiental, nomeadamente no ecossistema.

Pensar sobre as coisas, sobre estas coisas, urge necessário e antes de mais, identificá-las na sua génese e problemática. Afinal de que falamos, quando falamos de poluição sonora? Sem muita redundância, porque a ela renuncio no que verdadeiramente importa atacar, a poluição sonora é, sem mais, o conjunto de todos os ruídos provenientes de uma ou mais fontes sonoras, manifestadas ao mesmo tempo num ambiente qualquer e cuja presença é indesejável. Mas, a ter em conta, que, nem todo o som é considerado poluição sonora! A Organização Mundial da Saúde (OMS), define como ruído, níveis sonoros superiores a 65 decibéis (dB) e que podem ser prejudiciais à nossa saúde auditiva. A sua caraterização é feita pela da medição do seu nível de pressão sonora (em dB).

Sabemos (e sem ter resposta para tudo), que a poluição atmosférica não é a única que tem efeitos prejudiciais para os seres vivos do planeta. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), a poluição sonora é um dos fatores ambientais que provoca mais problemas de saúde. Veja-se que, só na Europa, conforme a Agência Europeia do Ambiente (EEA), causa cerca de 16.600 mortes prematuras/ano e mais de 72.000 hospitalizações. É considerada um grave problema, segundo a OMS, afetando a qualidade de vida de milhares de pessoas, pelo que representa, sem dúvida, um elemento importante a considerar no contexto ambiental.

De entre as várias fontes emissoras, o setor dos transportes, em particular o tráfego rodoviário, é um dos principais responsáveis, com muito ruído. Um cenário que tenderá a piorar nos próximos anos, se não forem adotadas políticas mais exigentes. Entre as fontes que mais contribuem para o ruído ambiente estão as estradas – 87% (com origem na interação do pneu do veículo com a estrada e no ruído provocado pelo motor do veículo, transmissão e tubo de escape); os caminhos de ferro – 9% (a passagem de um comboio gera vibrações e ruído); os aeroportos – 3% (impacto que tem altos níveis sonoros) e a indústria – 1% (ruídos provenientes de indústrias). Dados recolhidos e estimados da Agência Ambiental Europeia, 2014).

Pode ser vantajoso, in casu, dividir os níveis de ruído por patamares, visto que as estratégias de mitigação (minimização de danos), estão diretamente relacionadas com o nível de ruído experimentado em determinada zona.

A poluição sonora é um grave problema ambiental, responsável por desencadear diversos problemas de saúde. O ruído excessivo e constante além dos efeitos negativos na audição pode causar outros problemas de saúde, como os psicopatológicos, psicológicos, sono, memória e atenção, cardiovasculares, afetando de forma adversa a saúde humana e bem-estar e contribuindo para mortes prematuras. Com relação ao meio ambiente, a poluição sonora está relacionada à qualidade de vida. Mas a questão premente do ruido, coloca-se no ecossistema no seu todo. O ruído é um risco ambiental e uma das principais causas da degradação da qualidade de vida das populações e do ambiente urbano, tendo igualmente impactos ambientais em zonas naturais cuja tranquilidade importa preservar.

Vejamos: Sobre os impactos na fauna terrestre, a poluição sonora é uma ameaça a animais afetando o seu comportamento, provocando o afastamento de animais, diminuindo sua população local e, como consequência, desequilibrando o ecossistema. Por exemplo, aves que formam colónias são altamente sensíveis ao ruído, quando um pássaro reage, os seus companheiros imitam-no. Prejudica a reprodução de espécies que dependem de comunicação sonora, de anfíbios a aves e pode afetar a capacidade de muitos animais, como corujas e morcegos, de encontrar e caçar as suas presas. Mas não é só. Os impactos sobre a fauna aquática também se fazem sentir. A poluição sonora representa também uma crescente ameaça para a fauna aquática, tornando-se uma grande ameaça ao bem-estar da vida selvagem. O ruído de navegação, como os sons emitidos por barcos têm efeitos negativos sobre os mamíferos marinhos, afetando o comportamento vocal de baleias, uma vez que elas usam os sons para se comunicarem entre si e os sons sonares dos navios sobrepõem-se aos seus chamados, forçando-as a repeti-los. Além disso, os impactos sobre a flora também se manifestam. A poluição causa graves impactos na sobrevivência das plantas, já que os métodos naturais de reprodução de vegetais seriam afetados. De que forma? A fuga de animais atrapalharia a distribuição de pólen entre flores, realizada por aves, e germinação de sementes de espécies como os pinheiros, o que pode levar à queda na população dessas plantas. Vemos que, a poluição sonora é tão onipresente que pode ameaçar a biodiversidade no seu todo e estes impactos estão a ser observados até mesmo em áreas protegidas.

Importa desde logo, observar o enquadramento jurídico, discutir a legislação que envolve a poluição sonora. A Poluição Sonora é considerada um crime ambiental perante a legislação. A partir dos anos 70, a União Europeia estabeleceu diretivas que limitaram a produção de poluição sonora em função do tipo de veículo. A Diretiva 2002/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, mais conhecida como Diretiva do Ruído Ambiente, elaborada pelo Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à avaliação gestão do ruído ambiente.

Em relação ao quadro legal nacional, temos plasmados na Lei Fundamental (C.R.P.), os artºs 66º e 9º alíneas d) e e). O ambiente é entendido como um bem jurídico precioso na nossa comunidade, sendo tutelado pela C.R.P. e por um leque de diplomas legais avulsos a par da legislação internacional. Este direito a um ambiente ecologicamente equilibrado deu forma ao artº 66º da C.R.P., afirmando-se, desde logo, como tarefa incumbida ao Estado no artº 9º, nas alíneas d) e e). De referência contamos também com a Lei de Bases da Política do Ambiente – Lei nº 19/2014 de 14 de Abril (Define as Bases da política do Ambiente) e o Regulamento Geral do Ruído. Este regulamento inserido no Decreto-Lei n.º 9/2007, emitido a 17 de janeiro de 2007, alterado pelo Decreto-Lei 278/2007, de 01 de Agosto – Aprova o Regulamento Geral do Ruído. Tem como principal objetivo, estabelecer o regime de prevenção e controlo da poluição sonora, a salvaguarda da saúde humana e o bem-estar das populações. A Lei do Ruído é um suporte fundamental para os casos de conflito (vizinhos barulhentos), e determina até que horas se pode fazer “barulho”. Abrange as seguintes áreas: Construção, reconstrução, ampliação, alteração ou conservação de edificações; obras de construção civil; laboração de estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços; equipamentos para utilização no exterior; infraestruturas de transporte, veículos e tráfegos; espetáculos, diversões, manifestações desportivas, feiras e mercados; sistemas sonoros de alarme; ruído de vizinhança. O Regulamento Geral do Ruído estabelece o regime de prevenção e controlo da poluição sonora, aplicando-se às atividades ruidosas permanentes e temporárias e a outras fontes de ruído suscetíveis de causar incomodidade, incluindo a laboração dos estabelecimentos comerciais. Bem assim, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), deve prestar apoio técnico às entidades que executam os mapas de ruído e planos de redução de ruído, e deve definir as diretrizes a seguir. É a área do ambiente onde mais se sente a influencia do território e por isso é que a lei dá influencia aos municípios. Os planos municipais de ordenamento do território, tendo em consideração as fontes de ruído existentes e previstas, asseguram a qualidade do ambiente sonoro, promovendo a distribuição adequada do território. Neles são estabelecidas, pelos municípios, as classificações, delimitações das zonas sensíveis e zonas mistas.

A questão que agora se coloca é: Não é sobre o que esta legislado, mas o que devia estar e aqui encontramos muitas críticas. Temos de analisar o quanto é limitado o poder local para delimitar a matéria. Sem poderes, a abordagem é mais de futuro, o quadro legal do que se admite que pode vir a ser em Portugal. Hoje um município pode algumas coisas, mas com limites, há um desejo dessa limitação ser removida. Na minha opinião, torna-se importante reforçar as competências dos municípios em matéria ambiental.

Os três principais pilares do desenvolvimento sustentável são o social, económico e ambiental. Assim, para se desenvolverem de forma sustentável, as empresas devem atuar de forma a que esses três pilares coexistam e interajam entre si de forma harmoniosa, não restam dúvidas. Então, como reduzir as consequências de uma ameaça invisível? Pensar em possíveis soluções! A implementação de estratégias de mitigação do ruído nas zonas urbanas, trará benefícios na saúde pública e consequentemente ganhos económicos. Técnicas de mitigação de ruído essas que incluem: Estradas mais silenciosas; barreiras de ruído; sinalização apropriada em áreas protegidas; realizar estratégias que visam reduzir o ruído através do recurso a soluções ecológicas e inovadoras; evitar o uso do carro e escolher alternativas como a bicicleta ou veículos elétricos; fazer obras domésticas nos horários recomendados.

Organismos internacionais como a Organização Mundial de saúde (OMS) referem que a consciencialização da cidadania é fundamental para vencer este inimigo invisível. É fundamental promover a educação ambiental, mormente a importância da educação ambiental no ensino básico. Cada vez mais as pessoas têm consciência que a educação ambiental é determinante para a sustentabilidade do planeta Terra e é isto que importa reforçar. Serão necessárias analisar situações específicas, onde podem vir a ser implementadas estas medidas e avaliadas a sua real eficácia.

E para futuro? Segundo a Agência Europeia do Ambiente (AEA), o tráfego rodoviário constitui a principal fonte de poluição sonora na Europa, de acordo como o relatório – Ruído na Europa – 2020, prevê-se que a poluição sonora aumente devido ao futuro crescimento urbano e ao aumento da procura de soluções de mobilidade.

Medidas para reduzir os níveis de ruído, sim claro! Os países já estão a tomar um conjunto de medidas para reduzir e gerir os níveis de ruído. As medidas mais populares de redução dos níveis de ruído nas cidades incluem, por exemplo, a substituição das estradas pavimentadas mais antigas por asfalto mais liso, a melhor gestão dos fluxos do tráfego e a redução dos limites de velocidade para 30 km/h. Medidas que visem sensibilizar e mudar os comportamentos das pessoas para a utilização de modos de transporte menos ruidosos, como andar de bicicleta, andar a pé ou utilizar veículos elétricos. O relatório refere que é necessário tomar mais medidas para criar e proteger as zonas tranquilas fora da cidade e melhorar a acessibilidade a essas zonas nas cidades. A Comissão Europeia, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu e do previsto Plano de Ação para a Poluição Zero, deve iniciar um processo legislativo tendente a reduzir os níveis de ruído na União Europeia. Também a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou recentemente orientações sobre o ruído ambiente. Em conjunto espera-se que as novas leis se traduzam num fator de mudança, resultando numa maior sensibilização para estas questões ambientais e de saúde, desencadeando melhores políticas.

Por cá, Portugal ainda dá pouca importância ao ruído. Fazemos cada vez mais barulho e estamos cada vez mais habituados a ele, mas o ruído tem implicações diretas na sociedade e com consequências para a saúde pública e bem-estar humano. Em 2017, Portugal era o quarto país da União Europeia com população mais exposta a poluição sonora. Os dados são do gabinete de estatísticas da União Europeia, o Eurostat. Para alem disso temos uma Estratégia Nacional para o Ruído em Portugal. Existe em Portugal um plano, Estratégia Nacional de Educação Ambiental, que define um conjunto de regras e normas, em que se pretende minimizar os impactos e o combate ao ruído, como por exemplo mapas de identificação de zonas mais problemáticas.

Mas não está ausente de críticas. Para a associação ambiental ZERO estes planos não funcionam, e classifica-os como desastrosos, burocráticos, meramente informativos e desatualizados. A ZERO faz ainda referência à falta de mapas de ruído e planos municipais de redução.

Dados recentes da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), indicam igualmente que os objetivos políticos em matéria de ruído ambiente não foram alcançados. De facto, é pouco provável que o ruído diminua significativamente no futuro, devido ao crescimento urbano e ao aumento da mobilidade. No que respeita às obrigações nacionais decorrentes da legislação (Decreto-Lei nº9/2007, de 17 de Janeiro), que abrange todos os municípios, no que respeita a Portugal continental, só 53% (148 de 278 concelhos) têm mapas de ruído e só 3% (9 em 278 conselhos) têm planos municipais de redução de ruído, sendo certo que em praticamente todos os municípios se verificam excedências. A legislação prevê que as câmaras municipais apresentem à assembleia municipal, de dois em dois anos, um relatório sobre o estado do ambiente acústico municipal, exceto quando esta matéria integre o relatório sobre o estado do ambiente municipal, uma obrigação legal que a ZERO diz desconhecer o cumprimento.

Por último, não quero deixar de referir como medida sempre presente e de crucial importância o princípio da prevenção e da precaução. Dois princípios muito próximos, tão próximos que há quem entenda que separá-los é desnecessário por se achar que a precaução é um plano da prevenção. Este princípio está previsto no art.3º/c) Lei de Bases Politica do Ambiente e no art.66º/2/a) C.R.P., mas ainda no artº.191º/2 TFUE: “A política da União no domínio do ambiente terá por objetivo atingir um nível de proteção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União. Basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva, da correção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador”. Ambos versam a dimensão preventiva do direito, na medida em que o direito deve atuar mesmo antes de se notar o dano ambiental ou até o risco ambiental, exatamente porque a reparação é praticamente impossível ou muito pouco eficaz.

Sinteticamente, o Direito do Ambiente visa assegurar a sobrevivência física dos membros de uma comunidade, atuais e vindouros, ou seja, o presente e o futuro. A promoção da responsabilidade ambiental e um crescimento de um conjunto de atitudes vocacionadas para o desenvolvimento sustentável do planeta, tendo em conta o crescimento económico sim, mas um crescimento ajustado à proteção do meio ambiente na atualidade e para as gerações futuras, garantindo a sustentabilidade do Planeta. Porque se mais não fosse, no uso e no abuso podemos tudo e mais um pouco, “podemos violar as leis humanas, mas não as da natureza” (Júlio Verne).

Pois se ainda assim, disso suspeitarmos, não nos restará dúbio, que a grande Mãe “nunca quebra as suas próprias leis.”(Leonardo Da Vinci).

Carla Teixeira da Silva (carmts@hotmail.com)