A Europa habitua-se

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E se Donald Trump estiver a falar a sério sobre um cessar-fogo na Guerra da Ucrânia? Essa é a pergunta que vem pesando nas cabeças europeias durante os últimos meses. É uma ideia difícil de digerir. A Europa investiu recursos e alianças na capacidade de defesa ucraniana, construiu um modelo de inimigo comum na Rússia e ficou convencida de que o Leste lhe roubaria a década. Agora, o homem laranja quer resolver tudo num dia e a Europa não o pode recusar. Num olhar mais profundo, as circunstâncias facilitam a decisão de travar o conflito. Os russos parecem ter encontrado uma vantagem estrutural que permite avançar o combate a um ritmo considerável – dados do Instituto para o Estudo da Guerra mostram que a Rússia conquistou cerca de seis vezes mais território em 2024 do que em 2023 – e não há indicações de que os ucranianos possam inverter essa trajetória depois do inverno.

Num conflito deste tipo, a Rússia e a Ucrânia parecem destinadas a sofrer perdas terríveis até que se aceite uma das duas saídas inevitáveis para o desgaste: ou a vitória da parte beligerante com mais recursos ou uma maior participação dos aliados da outra parte. O cálculo dos benefícios estratégicos de um desgaste russo (da sua
sociedade, economia e regime político) num conflito prolongado prevaleceu perante uma posição concludente, que forçasse um resultado para a guerra.

O timing para o cessar-fogo nem sequer é favorável para os europeus. Em 2022, por exemplo, após a contraofensiva que permitiu a reconquista de Kherson, o regime russo estava ferido e um princípio de armistício poderia ter funcionado a favor da estratégia de contenção. Em 2024, a Rússia está por cima e a Europa não parece
capaz de imaginar uma forma de estabilizar duradouramente as suas fronteiras. Por todas essas razões, definir uma estratégia para o futuro das relações com a Rússia é o principal desafio. É tempo de discutir o que a Europa pode aceitar em troca de uma suspensão das hostilidades na Ucrânia e em que circunstâncias essa suspensão
poderá servir os seus interesses. Essa questão não é recente, mas também não é fácil. É possível que a janela de paz seja curta, dando tempo aos poderes russos para se recomporem antes de retomarem as suas incursões. Para que esse período não seja apenas um interregno e a situação se estabilize, a Europa precisa de se responsabilizar, prestando aos ucranianos garantias de segurança sólidas, através do processo de adesão à União Europeia ou com acordos ad-hoc que salvaguardem a reconstrução do território e o envolvimento alargado de partes interessadas mas não tão diretamente envolvidas, como a China ou a ONU. Ao mesmo tempo, a Europa precisa de usar esse período para melhorar a sua cooperação na defesa, na produção e compra de meios, numa política que terá tanto de industrial como de financeiro e contabilístico.

Resumir num parágrafo o esforço gigantesco que se exige aos europeus para que recuperem o seu lugar de conforto no mundo é uma simplificação injusta. Mas é necessário que não se tema a paz como se temeu a guerra, nem que se opte pela solução mais económica, negociada até à exaustão, para evitar fazer o que as circunstâncias
exigem. Caso contrário, outros continuarão a tomar essas decisões.