Advocacia no feminino

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Uma vez mais, o género feminino, no sentido frásico do apontamento. Fico feliz, porque sou mulher, porque escrevo, porque sou mulher e escrevo.

Estamos cansadas, agastadas, desgastadas, ou estaremos simplesmente desesperançadas? Falamos sobre nós, na ótica de uma redoma especial. Somos mulheres e protegemo-nos, cuidamo-nos da forma que conseguimos, sobejamente ou não, sobrevivemos. Não arredamos pé daquilo que construímos e cativamos por aquilo que somos e que ambicionamos.

Falamos insistentemente e orgulhosamente sobre as nossas conquistas nas diversas áreas, na luta pela igualdade de género e pela igualdade de direitos. Enfrentamos inúmeros desafios, nas diversas áreas, que, por imposição ou não, decidimos priorizar. Aspiramos a um mundo melhor.

Dentro deste núcleo de reflexão, recordamos os desafios significativos que as mulheres e as advogadas, em particular, continuam a enfrentar em áreas muitas vezes circunscritas e historicamente exercidas por homens. Não temos dúvidas que existem ainda muitas mudanças a fazer, de forma a garantir a paridade de géneros.

Sabemos e reconhecemos, que nós, mulheres advogadas, enfrentamos tarefas difíceis, das quais contamos, a tentativa de equilíbrio e conciliação de responsabilidades familiares, profissionais, com horas muitas vezes “extra largas” de trabalho, muitas vezes e também sob pressão e com pouca ou nenhuma flexibilidade. A lista é piedosa, extensa, numerada, e não vale a pena insistir em expô-la detalhadamente. Sentimos na pele os desafios, todos os dias.

Apontamos a um outro, a difícil tarefa de escolher entre a vida pessoal e laboral, sentimo-nos forçadas, arrebatadas, com um sentimento apertado, num “sapato que não cabe” ou quando cabe magoa, por vezes demais. Pensamos que a alternativa reside, ou pode residir, na difícil tarefa da escolha entre a vida pessoal (supostamente mais amenizante) e a vida profissional, tendo em vista a progressão da carreira.

A minha opinião não é muito rebuscada, confesso. Perfilho a daqueles que consideram que a progressão da carreira profissional é, de forma genérica, equilibrada entre ambos os sexos. Não consigo desfazer-me da ideia que o sucesso e os resultados dos/as advogados/as dependem mais da sua capacidade técnica, de trabalho e das suas soft skills, do que propriamente do facto do género.

Neste contexto, a questão reside mais na forma como a sociedade está formatada para reconhecer como mais acertado ou adequado um perfil de líder, em virtude das características que se identificam como tendencialmente masculinas e nesse aspecto é necessária uma desconstrução (ideológica até) que parece ir até adquirindo novas formas e contornos mais definidos.

Um líder é aquele que se reconhece como tal, que segue as suas premissas e se respeita sobretudo. A liderança é endógena, cresce de dentro para fora, está em nós, em cada um de nós, na nossa unicidade, dedicação e eventual talento. O que os outros veem é aquilo que eles têm capacidade de ver.

Acredito que a carreira de qualquer mulher possa ser mais difícil em relação à dos homens, independentemente do setor ou área profissional. Então, as dificuldades das mulheres na advocacia portuguesa, com as suas particularidades, não serão as mesmas que as dificuldades das mulheres em outras áreas de atuação?

Falamos de igualdade, dos obstáculos, da inclusão e da equidade não sustentada que as mulheres advogadas enfrentam. É um discurso circular.

Confesso que estas questões me irritam um pouco. Apenas um pouco, porque apontam para a necessidade de uma mudança na profissão com vista a cabermos no lugar, que nós próprias decidimos (nas diversas crenças limitantes), que podia ser apertado demais, mas que contudo, optamos, por livre opção, fazer parte.

Rompemos já as barreiras de género da advocacia em Portugal. Somos tenazes e resistentes. Suportamos e superamos preconceitos e normativos sociais que se nos impõem, mas (não haverá sempre um mas?), continuamos com um discurso afrontado, fragmentado no seu “otimismo”, de visão menos ampla, sobre o que somos e podemos ser, próximo da impotência que nos querem imprimir pela conceção do género que Deus nos abençoou.

Então, não estará mais que na hora, de apartar o discurso, carregado de laivos de opressão, discriminação, etc.? Não nos estaremos a querer fazer valer destas manchas para nos protegermos num casulo, que parece nos querer fazer temer (a nos mesmas) outras direções? Não estará na hora de virar o bico ao prego, não no sentido de desvirtuar o sentido das coisas, mas como forma de ver as coisas de forma diferente, mais ventilada, menos opaca, para lhe conferir novos sentidos?

Não levem a mal, não sou da oposição perante nenhuma realidade, mas sou otimista de natureza e prefiro focar a minha visão, numa amplitude vertida de asas, remos e trilhas.

Não nego a minha essência, a minha identidade, bem como não nego as minhas possibilidades, o meu livre-arbítrio (sagrado), na tomada de decisões.

Não há profissões fáceis nem difíceis. Há escolhas e com elas tudo o que lhes comporta. Tudo o que é necessário é experiência e uma boa dose de determinação. Todas as profissões têm as suas particulares e os seus desafios. A advocacia é uma questão de escolha, não pode ser uma cama de pregos para um só faquir em que podemos sair mortificadas. Somos muitas, a nossa magia tem de ser outra.

Repare-se: em 2018 (Dados do Instituto Nacional de Estatística) revelam que existiam 17.751 mulheres inscritas na Ordem dos Advogados (OA) e 14.617 homens. E não será preciso avançar com números mais recentes, porque as evidências estão por todo o lado. Hoje mesmo, recebi com satisfação, a minha Cédula Profissional, do caminho que trilhei até aqui. Garanto que o número é largo e não quer saber do meu género.

O Direito já não é dominado pelos homens. Existe uma grande percentagem de mulheres advogadas, que são respeitadas, quer pelos colegas como por todos os profissionais da área da Justiça e pela comunidade. O Direito tem esta capacidade de acompanhar a evolução social e se não tem fica atrás dos relógios, caduco, desfasado e sem utilidade.

Somos mais, não somos melhores, podemos ser ou não. Somos tendencialmente mais intuitivas, temos uma inteligência emocional mais aflorada, fator importante na tomada de decisões, gestão e pessoas, relações interpessoais, sejam elas entre colegas, colaboradores ou clientes. Somos mais empáticas, sensíveis, e temos um Je ne sais quoi, que não sabemos de onde vêm e para onde vai, mas que faz a diferença dentro da semelhança. Somos mulheres e somos muitas. Somos advogadas.

E depois?

carmts@hotmail.com