Começaremos por analisar o porquê da criação do regime de autorização de residência para investimento (ARI), também conhecido como Golden Visa, e o que este programa gerou até à data.
O ARI foi criado numa fase em que Portugal estava a recuperar economicamente de uma crise
financeira profunda, tendo o investimento estrangeiro sido considerado um fator relevante nessa caminhada. Desde que o programa de concessão de ARI foi lançado, em Outubro de 2012, foram captados por via deste instrumento 6.147,8 milhões de euros. Deste montante, a maior parte corresponde à compra de bens imóveis, a qual totalizava, até janeiro 2022, 5.546 milhões de euros, sendo que a aquisição para reabilitação urbana somava 376,8 milhões de
euros.
O investimento resultante da transferência de capitais foi de 601,9 milhões de euros.
Desde a criação deste instrumento, foram atribuídos 10.348 ARIs: 9.660 vistos por via de compra de imóveis (dos quais 1.049 para reabilitação urbana), 668 vistos por transferência de capital e 20 por criação de postos de trabalho.
O Golden Visa tem sido efetivamente um instrumento que tem produzido efeitos reais na captação de investimento estrangeiro.
Entretanto entraram em vigor, no dia 1 de Janeiro de 2022, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 14/2021 de 12 de Fevereiro ao regime de autorização de residência para
investimento.
No que diz respeito às opções de investimento, destaca-se a alteração do limite para as transferências de capital, que aumentou de 1 milhão de euros para 1,5 milhões de euros, e ainda a alteração do limite para as transferências de capital destinadas a ser aplicadas em atividades de investigação, aquisição de unidades de participação em fundos de investimento e de capital de risco e constituição ou capitalização de sociedades que originem a criação ou
manutenção de postos de trabalho, que aumentou de 350 mil euros para 500 mil euros. Nos termos das alterações introduzidas, no que diz respeito ao investimento imobiliário, a
aquisição de imóveis apenas será elegível para efeitos de obtenção de Golden Visa no caso destes se situarem nos territórios do interior ou nas Regiões Autónomas dos Açores e da
Madeira.
A decisão não terá sido consensual no Executivo, sendo muito pressionada pelos partidos à esquerda do Governo no processo de aprovação do orçamento de 2021 e negociações para
o de 2022.
Creem ainda os analistas que esta medida foi tomada, também, devido ao facto de se pensar que uma boa parte da subida dos preços observada nos imóveis habitacionais se tem devido a estes investidores. Se, por um lado, reconhecemos que é uma ideia louvável querer levar investimento imobiliário estrangeiro para outras regiões menos desenvolvidas do país, por outro, temos dúvidas, pela experiência e pelo conhecimento que temos do mercado e dos utilizadores deste programa até à data, que esta alteração tenha os efeitos pretendidos.
Gostaríamos ainda de sublinhar que, tendo havido quem achasse que com as recentes alterações legislativas se assistiria ao fim do Golden Visa, aquilo que se começa a observar são algumas alterações no tipo de investimento, na origem e nas opções tomadas pelos
candidatos a este visto.
Na verdade, o investimento captado através dos Vistos Gold, em Janeiro de 2022, subiu 45% (em termos homólogos) para 48 milhões de euros, sendo mesmo o valor mais elevado no
primeiro mês do ano, desde 2019, de acordo com dados do SEF. Face a Dezembro último (42,1 milhões de euros), o investimento cresceu 14%. No primeiro mês do ano foram
atribuídos 94 vistos gold, dos quais 75 em aquisições de bens imóveis, num total investido de 38,7 milhões de euros, 40 para reabilitação urbana, num total de 14,3 milhões de euros, e
19 por via do de transferência de capital, num total de 9,2 milhões de euros.
Por outro lado, e passados cerca de 10 anos e com as alterações que foram feitas no processo de acesso ao Golden Visa, a realidade veio demonstrar que, não obstante as atuais restrições, não parou a subida dos preços da habitação. Ao mesmo tempo, as pretensões de levar este investimento para as áreas interiores, com o programa “Habitar no Interior”, parece não estarem a resultar, pelos números conhecidos.
Efetivamente, os investimentos imobiliários continuam a ser maioritariamente feitos nas grandes cidades e arredores, mas agora em apartamentos com licença turística, lojas e escritórios, ou em unidades de participação de fundos imobiliários.
Em simultâneo, já se vinha a verificar nos últimos anos uma alteração na origem desses mesmos investidores. Sendo no início esmagadoramente asiáticos (chineses), agora são muitos deles oriundos dos EUA, Brasil e Médio Oriente. Em Janeiro de 2022, por exemplo, foram atribuídos 19 Vistos Gold à China e 17 aos EUA.
Percebe-se ainda que, se alguns são ainda investidores imobiliários que procuram retornos, muitos são já pessoas que procuram segurança e viver num ambiente afável, com boas
infraestruturas, bom clima e custo de vida razoável, protegendo ao mesmo tempo parte da sua liquidez num país de baixo risco como Portugal.
Este é um tema com vários ângulos de análise. Se, numa perspetiva, não podemos deixar de reconhecer que os vistos gold apresentam riscos, nomeadamente em termos de segurança, lavagem de dinheiro, corrupção e evasão fiscal, noutra ótica, devemos mencionar que a maioria dos países europeus tem programas idênticos, e alguns até mais agressivos do que era e é agora o nosso. Num mundo global, onde a competição pela atração e captação de investimento estrangeiro é elevadíssima, Portugal não pode ficar à parte.
EM CONCLUSÃO:
O país não pode perder este tipo de investidores e os seus investimentos de valores tão expressivos. O que observamos já, desde o final de 2021 e reforçado nestes primeiros dias do ano, é que:
– a procura de investimento imobiliário continua concentrada nos grandes centros;
– a procura passou a ser essencialmente de imóveis não residenciais e tentativas de transformar imóveis residenciais em aparthotéis, já que as propriedades comerciais e turísticas não têm restrições quanto à localização;
– existe ainda procura para encontrar apartamentos antigos para investir 350 mil euros, com poucos custos de reabilitação, embora fora de Lisboa, Porto e litoral.
Estas são operações imobiliárias de maior risco, sem dúvida, e mais onerosas, que apesar de tudo irão animar o programa, mas de forma mais seletiva e potencialmente com perda de volume. Está a ganhar também grande destaque a aquisição de fundos de investimento, como alternativa ao investimento imobiliário direto.