O que a levou a apostar numa clínica em nome próprio?
Decidi apostar numa clínica em nome próprio por duas razões muito especiais. Em primeiro lugar, como forma de homenagear o meu pai, Prof .Dr. Jesús Manuel Calle Pazos, um renomado neurocirurgião, neurologista e professor catedrático de Anatomia da Faculdade de Medicina de Santiago de Compostela, que me inspirou profundamente com a sua ética, dedicação e paixão pela medicina. Dar continuidade ao legado dele através da CALLE CLINIC é, para mim, um compromisso de honra. Em segundo lugar, senti a necessidade de criar um espaço onde pudesse aplicar a minha visão pessoal de excelência clínica, humanização do cuidado e inovação em saúde.
Que responsabilidade traz a existência de um espaço clínico diretamente associado ao seu nome? Isso aumenta a responsabilidade com o trabalho desenvolvido?
Ter uma clínica que carrega o meu nome e o legado do meu pai é, sem dúvida, uma grande responsabilidade. Mais do que um título, representa um compromisso diário com a excelência, a ética e a confiança que os pacientes
depositam em nós. Saber que o nome CALLE está na porta significa que tudo o que fazemos dentro da clínica deve refletir os valores que me formaram como profissional e como pessoa.
Aquando da abertura da clínica, sentiu dificuldades particulares que acredita terem sido intensificadas pela questão do género?
Sim, senti algumas dificuldades no processo de abertura da clínica e acredito que parte delas esteve relacionada tanto com a questão de género quanto com o facto de eu ser estrangeira. Ser uma mulher empreendedora já
implica provar constantemente a própria competência e liderança e, sendo espanhola a abrir um projeto de saúde em Portugal, os desafios foram ainda maiores. Desde questões burocráticas até à criação de uma rede de confiança
no setor, percebi que precisei afirmar-me com ainda mais firmeza. Acredito que, infelizmente, as mulheres ainda enfrentam obstáculos adicionais para evoluírem profissionalmente, especialmente em contextos de liderança.

“Ser uma mulher empreendedorajá implica provar constantementea própria competência e liderança
e, sendo espanhola a abrir um projeto de saúde em Portugal, os desafios foram ainda maiores”.
Nota que as mulheres, no geral, ainda se confrontam com mais desafios que os homens para evoluírem profissionalmente?
Sim, acredito que, no geral, as mulheres ainda enfrentam mais desafios do que os homens para evoluírem profissionalmente. Embora tenhamos avançado muito em termos de igualdade de oportunidades, ainda existem barreiras culturais, estruturais e até inconscientes que limitam o crescimento profissional feminino — especialmente em cargos de liderança. Muitas vezes, as mulheres precisam de trabalhar mais para serem levadas tão a sério quanto os homens e enfrentam cobranças adicionais, como a conciliação entre expectativas profissionais e familiares.
Que análise faz atualmente ao mercado de trabalho nacional, nomeadamente no que se refere à existência da mulher em funções de liderança e àquelas que criam o seu próprio trabalho?
O mercado de trabalho em Portugal tem registado avanços na participação feminina, mas ainda enfrenta desafios significativos. Atualmente, as mulheres ocupam cerca de 30% dos cargos de gestão e apenas 27% dos cargos de
liderança nas empresas. Esta sub-representação é particularmente evidente nas grandes organizações, onde a disparidade de género é mais acentuada. Por outro lado, é encorajador observar que Portugal lidera na Europa no que diz respeito ao desejo feminino de empreender: 62% das mulheres portuguesas expressam vontade de iniciar o seu próprio negócio, superando a média europeia de 40%. Este dado reflete uma tendência crescente de mulheres a assumirem o controlo do seu percurso profissional através do empreendedorismo.
Que medidas lhe parecem importantes ser tomadas por Portugal e pela Europa, se assim se justificar, com vista à promoção do empreendedorismo feminino?
Em primeiro lugar, é essencial facilitar o acesso ao financiamento — muitas mulheres ainda enfrentam mais dificuldades para obter crédito ou investimento para os seus projetos. Em segundo lugar, é crucial apostar na educação empreendedora desde cedo, especialmente para mulheres. Além disso, políticas de conciliação entre vida profissional e pessoal, como creches acessíveis e horários flexíveis, são essenciais para apoiar as mulheres empreendedoras.
Outra medida importante é fomentar redes de apoio ou grupos de orientação e aumentar a visibilidade de mulheres empreendedoras, para inspirar outras e quebrar estereótipos.
“Ter uma clínica que carrega o meu nome e o legado do meu pai
é, sem dúvida, uma grande responsabilidade. Mais do que um
título, representa um compromisso diário com a excelência,
a ética e a confiança que os pacientes depositam em nós”.
Mudou, enquanto pessoa e profissional, após concretizar a existência de uma clínica própria?
Sim, sem dúvida. Como pessoa, tornei-me mais resiliente, aprendi a lidar com a pressão e a tomar decisões difíceis com maior confiança. Criar algo do zero também me ensinou a ser mais empática, a entender melhor as necessidades dos outros — especialmente as dos meus pacientes e da minha equipa — e a valorizar o trabalho coletivo.
Profissionalmente, esta experiência fez-me amadurecer como líder. Aprendi a importância de uma gestão eficiente, a otimizar recursos e a tomar decisões estratégicas para o crescimento da clínica. Passei também a compreender melhor a complexidade do setor da saúde e a necessidade de estar em constante atualização e inovação.