“Há poucos intermediários de crédito verdadeiramente interessados na defesa do cliente”

Ana Pedras trabalha no setor financeiro há quase 20 anos e conhece bem a área da intermediação de crédito. Notou um aumento do número destes profissionais, mas acredita que tal se deve às novas regras impostas pelo Banco de Portugal. Explica que a literacia financeira em Portugal é praticamente inexistente e que as pessoas continuam a assinar os contratos de crédito bancário sem ler o seu conteúdo. Um intermediário de crédito é fulcral para ajudar em momentos como a compra de um imóvel, mas esta profissional alerta que nem todos são iguais nos seus objetivos de ajuda e defesa do cliente.

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Os intermediários de crédito têm crescido substancialmente em Portugal e são, atualmente, mais de seis mil profissionais. Sentiu o aumento de profissionais no setor? Que impacto teve no seu negócio?

Eu senti esse crescimento, mas não creio que existam muitos intermediários novos. O que acredito que aconteceu é que as imobiliárias, que já faziam intermediação de crédito, tiveram de separar as atividades de venda de imóveis da intermediação de crédito, depois de saírem as normas de licenciamento da atividade, por parte do Banco de Portugal. Mesmo antes desta atividade ser licenciada, e antes de estar regulada, já existia, a meu ver, uma clara distinção entre quem já fazia intermediação de crédito – como eu faço e fiz desde sempre – e outros intermediários, que eram na verdade imobiliárias que se limitavam a enviar os papéis para o banco, por norma um banco com que trabalhassem com regularidade, e esperavam pela aprovação do crédito bancário. O verdadeiro
objetivo era vender imóveis, não ajudar o cliente a ter as melhores condições de financiamento. Isso não é intermediação de crédito.

O que aconteceu foi que, por via da regulamentação do setor, em 2019, onde fomos obrigados a cumprir vários critérios para poder desempenhar esta atividade, o que as imobiliárias já faziam deixaram de poder fazer, porque os bancos deixaram de lhes permitir continuar a trabalhar dessa forma. Então, noto que existem de facto mais intermediários de crédito, mas a grande maioria dos novos profissionais nesta área são originários das imobiliárias.

O Banco de Portugal assume que o aumento do número destes profissionais torna mais difícil a sua fiscalização. Por esse motivo, resolveu apertar as regras relativas à transparência e ética nos serviços prestados. Que considerações tece a esta ação do Banco de Portugal? É importante o reforço das regras no setor?

Eu concordo com as novas regras, mas há várias maneiras de fazer essa interpretação. Quando o Banco de Portugal implementou, por exemplo, a FINE – Ficha de Informação Normalizada Europeia – para todos os bancos, achei que foi bastante positivo, mas este documento continua a ser extenso e complexo e a exigir alguma
explicação por parte de quem o apresenta ao cliente. O Banco de Portugal, querendo que as instituições bancárias fossem transparentes, criou um documento contraproducente, porque a pessoa perde-se naquilo tudo, não lê,
e não consegue sintetizar o mais relevante e por fim depende muito de quem apresenta ao cliente esta informação. O papel do intermediário de crédito é de extrema importância nesta análise e na “desconstrução” da FINE e na “tradução” em linguagem leiga. Um intermediário de crédito deve ser alguém que sabe explicar muito bem tudo ao cliente, sabe comparar as propostas todas a apresentar e acima de tudo defender o cliente e não um banco. No entanto, existem muitos intermediários de crédito que só tiraram a licença de intermediário de crédito porque foram “obrigados” e para ajudar nas vendas de imóveis, não estão propriamente preocupados se estão a arranjar a melhor solução para o cliente.
Depois há aqueles intermediários de crédito que têm de facto conhecimentos técnicos, e têm experiência para fazer este trabalho. Esses são poucos e, muitas vezes, acabam por ver o seu trabalho prejudicado, porque as pessoas
– como não estão acostumadas a que lhes expliquem tudo – sentem-se desconfiadas da nossa atuação e julgam que somos nós que os estamos a tentar enganar.


A ética e a transparência são fundamentais, mas num setor onde os intermediários de crédito são pagos pelas entidades bancárias, é importante garantir que todas as propostas são dadas a conhecer ao cliente. Hoje, é possível garantir que, num serviço de intermediação de crédito, tal acontece?

Não é possível. As alterações legislativas não conseguem assegurar isso, porque cada intermediário é que sabe quantas propostas apresenta. Ninguém é questionado sobre isso, a menos que o próprio cliente o faça e peça provas. Não existe nenhuma diretriz que diga que temos de apresentar um número específico de propostas ao cliente. Eu e a minha equipa apresentamos sempre várias propostas e analisamos todos os pontos. Se verificarmos que não é possível enviar para alguns bancos, nem o fazemos, porque reconhecemos que não será aprovado por não se enquadrar nos critérios de aprovação daquela instituição. Até nos preocupamos com os seguros, porque muitas vezes os seguros podem nem influenciar o spread, por exemplo e, por desconhecimento, as pessoas
contratam no Banco, quando poderiam contratar os seguros fora do Banco, com melhores coberturas, poupar milhares de euros e sem prejudicar o contrato de crédito.

Em Portugal a literacia financeira ainda é muito baixa. Como contribuem, também, os profissionais da intermediação de crédito para este propósito?

Da minha experiência, noto que as pessoas na faixa etária entre os 40 e os 55 anos já têm uma noção diferente do dinheiro e da importância de tomar boas decisões. Alguns até já têm conhecimentos algo diferenciados na área
financeira, o que é ótimo, porque conseguimos dialogar de maneira diferente, mas há uma grande fatia da população que não tem literacia nenhuma e quando nós tentamos ensinar e explicar alguma coisa, é muito difícil, não porque não expliquemos tudo detalhadamente e traduzindo todas as palavras técnicas, mas porque julgam que nós os estamos a enganar.
Falta ainda percorrer muito caminho para que a população portuguesa tenha noção do que fazer com o seu dinheiro e de como priorizar a gestão do mesmo antes de o gastar.

Acredita que, em tempos como os atuais, de maior incerteza relativamente à economia e aos negócios, consultar um intermediário de crédito é fundamental para tomar decisões verdadeiramente informadas sobre o futuro financeiro? 2025 vai ser um desses anos?

Acredito e espero que, efetivamente, as pessoas recorram aos intermediários de crédito para tomarem decisões ponderadas e acertadas, independentemente da evolução do mercado imobiliário, pois não existe só crédito
habitação, existem vários outros tipos de crédito e em todos é muito importante uma boa análise e uma boa escolha. Concretamente no crédito habitação, considero fundamental recorrer a um intermediário de crédito, é
preciso fazer-se uma análise muito acertada e rigorosa para se conseguir comprar um imóvel. Mesmo os jovens, com a atual garantia do Estado e o financiamento a 100%, existem casos em que compensa mais contratar um crédito normal, sem este benefício estatal. Já confrontámos clientes jovens com a proposta do banco para a versão com ajuda estatal e outra sem essa ajuda e concluímos que, de facto, a proposta sem ajuda do Estado era mais vantajosa. Antevejo que as pessoas possam ter tendência a procurar-nos mais, e devem fazê-lo, mesmo!