“O setor bancário vive, hoje, oportunidades e desafios”

Nídia Teixeira integra uma entidade bancária nacional e trabalha em proximidade as questões da Banca e o seu envolvimento direto com as pessoas, as empresas e as comunidades. À Valor Magazine, destaca a forma como as instituições financeiras têm de lidar com questões como as oscilações dos mercados financeiros, a sustentabilidade e a digitalização do setor.

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Como caracteriza a conjuntura económico-financeira atual?

Hoje vivemos tempos desafiantes, sejam eles de natureza económica, política ou social. O relatório recentemente apresentado à Comissão Europeia por Mário Draghi alerta para os desafios que a Europa enfrenta, em termos de segurança e de competitividade, onde as suas recomendações exigem uma colaboração e uma cooperação efetiva e ativa entre os vários setores – público, privado, social e a sociedade civil, quer no plano
europeu, quer no plano nacional.

Que impacto tem a mesma na forma de funcionamento e regulação dos mercados bancários?

A regulação dos mercados bancários visa o seu funcionamento, sendo determinante para obter o desejável equilíbrio entre os interesses económicos e as aspirações sociais das instituições, das comunidades e dos cidadãos, minimizando ao mesmo tempo os impactos ambientais com o desafio de manter a transparência e a ética, promovendo e garantindo uma cultura de Compliance em constante evolução e exigência, capaz de navegar na complexidade e impulsionar as mudanças necessárias.

As entidades bancárias são influenciadas pela conjuntura económico-financeira existente. Em Portugal, como lhe parece que este setor tem lidado com a incerteza causada pela conjuntura que atualmente existe?

O setor bancário enfrenta diversos desafios, mas também oportunidades. Atualmente os bancos operam num quadro regulatório exigente, com necessidades de investimento significativas. Como oportunidade, o setor bancário é o motor do crescimento económico, para o emprego e para a inovação, o setor financeiro assume um papel crítico no contributo para a concretização dos 17 ODS, uma vez que são os bancos que fornecem a maior quota de financiamento às empresas e projetos de investimento nos diversos setores de atividade. O propósito é o de financiar o crescimento sustentável como via para uma economia mais verde, sustentável e inclusiva, um modelo de negócio sustentável assente em boas práticas e transparência.

A digitalização do setor e dos respetivos serviços tem caminhado lado a lado, curiosamente, com uma maior necessidade de personalização do serviço para o cliente. Esta maior adaptabilidade do setor bancário é crucial para a refundação da sua relação com o cliente, passando a ideia de que o Banco é um parceiro dos particulares e das empresas?

A evolução tecnológica e o conhecimento permitem o desenvolvimento de serviços financeiros de forma a promover o desenvolvimento da comunidade, contribuindo para a criação e desenvolvimento de várias atividades económicas
sustentáveis, minimizando os impactos ambientais, sociais e de governação. Como agente financeiro, torna-se necessário incorporar na gestão que os impactes ESG estão associados aos investimentos que se realizam, aos financiamentos que se aprovam, às compras que se efetuam e à gestão diária. O foco no cliente é fundamental, associado ao desenvolvimento de novas plataformas, criando canais digitais mais ágeis e seguros. A chave para a diferenciação em serviços financeiros é conseguida pela gestão efetiva dos valores únicos e emocionais da marca. Esta diferenciação corporativa gera um forte impacto, nos clientes, consumidores, colaboradores e outros stakeholders. Permite a sua longevidade, integridade e reputação.

A sustentabilidade é outro tema em cima da mesa no setor bancário. O que mudou, nestes últimos anos, na área da Banca, que a fez tornar-se uma área ambientalmente mais responsável e com procedimentos mais eficientes?

Na origem deste processo está uma forte mobilização da comunidade internacional em reconhecimento da necessidade urgente de agir no sentido de solucionar os perigos originados pelas alterações climáticas. Os objetivos fundamentais centram-se na reorientação dos capitais para investimentos e instrumentos financeiros mais sustentáveis, como por exemplo o financiamento de energias renováveis, de conservação da terra, florestas e água, ou da agricultura e agroindústria sustentáveis. Estes pilares são fundamentais para que a ligação entre financiamento e as necessidades específicas da economia permitam um benefício em prol do planeta e da sociedade. As considerações ambientais e sociais têm de estar presentes na tomada de decisão de financiamentos,
em prol de um maior investimento em atividades sustentáveis e de longo prazo.

Com o crédito ao consumo a subir, como analisa a economia nacional? Está sólida, ou estamos, novamente, a “viver a crédito”?

As famílias viveram num contexto de taxas de juro negativas, o que naturalmente incentivou o consumo, em detrimento da poupança. Atualmente, com a subida das taxas de juro, assiste-se a um aumento das dificuldades económico-financeiras pela maioria das famílias portuguesas, sendo determinante o apoio do setor bancário na reestruturação dos créditos, possibilitando às mesmas o cumprimento do serviço da dívida. A literacia financeira é fundamental neste domínio. Hoje o financiamento, seja ao consumo ou não, terá de ter subjacente a sustentabilidade ambiental, económica e social.

Como podem o país, a sua população e as empresas proteger-se da volatilidade que caracteriza os mercados financeiros?

O capital hoje alocado modela os ecossistemas e os padrões de produção e consumo de amanhã, assim há que procurar fomentar a integração das considerações ambientais e sociais na tomada de decisões de financiamento,
em prol de um maior investimento em atividades sustentáveis e de longo prazo, isto é, na ligação entre o financiamento e as necessidades específicas da economia nacional e europeia, em benefício do planeta e da nossa sociedade. Diria que só antecipando tendências é possível estar no mercado e ser reconhecido, mitigando riscos.
A gestão terá de ter em conta a mudança motivada pelo mercado e a incorporação de novas tendências, nomeadamente pelo aparecimento de novas realidades normativas, sociais e tecnológicas, nos processos de análise e de tomada de decisões de investimento, complementando os critérios financeiros tradicionais.

Como acredita que a economia europeia consiga ultrapassar os desafios que a cercam – industrialização, competitividade, desenvolvimento tecnológico e inovação – de forma a tornar-se uma economia capaz de ombrear com a economia norte-americana ou chinesa?

A mensagem principal do Relatório de Mário Draghi é explícita: a Europa tem de tomar medidas estratégicas urgentes, sob pena de perder terreno face a choques externos, tensões geopolíticas e avanços tecnológicos. Como
dizia Keynes, economista britânico: “o difícil não é aderir às novas ideias, mas libertarmo-nos das antigas”.