“Procuro mostrar às novas gerações que o sucesso não depende do poder económico”

Andreia Azevedo construiu a pulso a sua carreira na área da Saúde Mental. A Psivalor, Núcleo de Intervenção em Saúde Mental, nasceu em Pombal e já está presente em Leiria, Porto e Lisboa. Sempre apoiada pelo lado da investigação, a equipa foi crescendo em competências técnicas e a psicóloga Andreia Azevedo, cujo caminho enquanto empreendedora teve início aos 34 anos, cresceu também, enquanto pessoa e profissional, realizando-se plenamente na sua área de trabalho.

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É formada em Psicologia Clínica, no ramo cognitivo-comportamental. O que a levou a iniciar a sua carreira em clínica privada?

Não comecei logo a fazer clínica privada. Assinei o meu primeiro contrato de trabalho a 1 de fevereiro de 2005, cinco meses depois do término da minha licenciatura. Era um contrato estável, na área da Psicogerontologia.
Dois meses depois percebia que essa estabilidade não me servia, sobretudo porque não estava a desenvolver as minhas competências clínicas. Nove meses depois rescindi contrato e voltei para casa sem qualquer perspetiva. Em dezembro de 2005, fui proposta para um estágio profissional numa clínica privada. Nove anos depois, a 7 de março
de 2015, abri a primeira Psivalor. O que me levou a fazer clínica privada e a abdicar da estabilidade de um contrato de trabalho com grande hipótese de efetivar? A convicção de que só iria ser feliz a fazer o que gosto e na área para a qual fui talhada.

Fez nascer a Psivalor em Pombal, longe das metrópoles Lisboa, Porto e Coimbra. Quais foram os principais desafios que enfrentou?

Em 2015, as clínicas de Psicologia não proliferavam como agora, muito menos sem estarem almofadadas pela direção de um grande nome da Psicologia e/ou da Psiquiatria. Foi uma loucura criar um projeto de raiz num meio tão pequeno, mas não tinha outra alternativa. Além disso, decidi apresentar e registar o/a Psivalor como Núcleo de Intervenção em Saúde Mental, pois qualquer eufemismo não faria jus ao projeto. Houve pessoas a recusarem-se a entrar na clínica, enquanto repetiam “que não estavam doidas”. Mais ainda… Como eu tinha apenas 34 anos, e uma apresentação muito jovem, recebíamos muito telefonemas de clientes a pedirem mais informação sobre mim, pois parecia muito novinha e sem experiência. Além disso, ouvi muitas vezes “ela é só psicóloga! Ainda se fosse médica!”. Note-se que eu era a coordenadora clínica e a sénior da equipa. Outro dos desafios foi a rentabilização! Chegaram-me a dizer que deveria apostar num formato de Policlínica, com várias especialidades ligadas à Saúde na sua globalidade. Acreditavam que viver apenas da área da Saúde Mental num registo exclusivamente privado seria praticamente impossível. Mas, mais uma vez, isso não honraria o projeto. Não tive medo! Três meses depois, em maio de 2015, eu e a minha equipa trazíamos a Pombal o então Secretário de Estado da Saúde, o então
Diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental e vários investigadores e especialistas de renome da área da Depressão na Infância e na Adolescência (a minha área de interesse no âmbito da investigação científica). Sabíamos que ter-nos-íamos de afirmar de uma forma diferente, aliando a investigação à prática clínica e ao poder decisório. Só assim nos levariam a sério. Esse foi o primeiro de três Congressos Nacionais organizados pela
pequena e “novata” equipa! Eu diria que o maior desafio foi mostrar, em terras muito arenosas, que éramos capazes. E se fomos…

As mulheres têm ainda, socialmente, uma maior lista de tarefas a cumprir. Acredita que esta multiplicidade de papéis sociais influi para que a mulher tenha mais dificuldade em ser líder profissionalmente?

Muito pelo contrário. Acredito que a necessidade de gerir vários papéis e funções na vida promove as capacidades inerentes a uma liderança mais eficaz e eficiente. Lembro-me de um professor na faculdade que dizia que, na investigação, preferia trabalhar com mulheres que eram mães, pois o tempo contado permitia-lhes uma melhor gestão dos tempos de trabalho, aumentando a eficiência e curiosamente a produtividade. Paralelamente, a divisão por diversos papéis obriga à partilha de tarefas e funções, condição muito favorável à maturação das equipas de trabalho.

O que aprendeu, e que utiliza quer no seu lado profissional, quer nas restantes facetas da sua vida, em virtude de ser a fundadora e diretora de um projeto como a Psivalor?

Aprendi que respeitar o que sinto e o que procuro é a melhor forma de viver a minha vida. Confirmei o que a vida já me tinha mostrado: que a sorte dá muito trabalho. Há uns tempos, no âmbito de uma parceria entre a Psivalor de Leiria e o Instituto Politécnico da cidade, uma das diretoras disse-me que eu era o exemplo de que era possível construir uma carreira de sucesso sem cunhas. Considerou-me a prova de que a meritocracia existe, e na altura isso encheu-me de mais coragem. Nestes 20 anos de carreira, não foram só sucessos! Também comecei projetos que não acabei. Não era feliz a fazê-los! Para mim, o sucesso não representa ganhar muito bem ou ter casa ou carro de luxo. Gostaria que isto inspirasse os meus filhos e uma geração mais nova, que facilmente confunde sucesso com poder económico.

A Psivalor já conta com nove anos de existência e dois espaços – Pombal e Leiria. O crescimento de um espaço como a Psivalor também é sinónimo de que, efetivamente, o apoio psicológico é cada vez mais procurado?

A Psivalor não funciona apenas em Pombal e Leiria. Também se faz presente em Lisboa e no Porto, em parceria com outras clínicas. Isto reflete ainda a minha convicção de que as consultas desta natureza impõem um registo
presencial (não me rendi ao online trazido pela pandemia). Esta expansão pode efetivamente confirmar aquilo que eu dizia há muitos anos: a Psicologia, e no meu caso a Psicoterapia, vão tornar-se num recurso de referência imprescindível na Saúde. E cá estamos a testemunhar esse vaticínio. As pessoas procuram cada vez mais o apoio psicológico e a comunidade médica respeita cada vez mais a sua importância no tratamento de diversas patologias. Acho que começamos finalmente a largar o modelo médico-centrado. O desafio que temos agora é encontrar melhores instrumentos de regulação dos serviços prestados nos privados, e disseminar a importância de distinguir os profissionais dos aspirantes a psicoterapeutas sem formação adequada e certificada. E isto fez-me dar mais um passo na direção do que acredito, pelo que integro uma lista candidata à Ordem dos Psicólogos, cujas eleições serão no final deste novembro.

Quais os ingredientes necessários para vingar no empreendedorismo em Saúde Mental em Portugal?

Aqui sintetizo a história que vos estou a partilhar: ser genuíno e fiel ao que se sente e acredita; estar atualizado e nunca parar de estudar; e trabalhar muito com uma entrega maior. Eu não vejo o meu trabalho como um negócio! O meu trabalho permite-me viver uma vida digna e criar os meus filhos, enquanto vou tentando fazer a diferença
na vida das pessoas, formando psicólogos em início de carreira e contribuindo para as boas práticas numa área como a da Saúde Mental, o ainda parente pobre da Saúde. Ser empreendedora na prestação de serviços nesta área exige não deixar de sentir o terreno (ou seja, fazer consultas). Só sentindo as pessoas é que conseguimos
desenhar projetos e formar equipas que melhor respondam às suas necessidades. É que devemos tocar com imenso cuidado e rigor no sofrimento do Outro!

Considerando que o mês de outubro foi dedicado à saúde mental, importa prevenir a saúde mental dos especialistas nesta área. Como lida com a sua própria saúde mental e como estabelece equilíbrios que lhe permitam ter uma vida plena?

Confesso que esse equilíbrio ainda não está atingido e que vejo o conceito de viver uma vida plena como uma utopia criada para vender livros de pseudo auto-ajuda. No entanto, o meu autocuidado passa por pedir ajuda
quando preciso e rodear-me de quem gosta de mim, ajudando-me a crescer como mãe, como profissional e como pessoa. Sei que o segredo para a promoção da nossa Saúde Mental é mantermo-nos nos contextos (relacionais, sobretudo) que tiram o melhor de nós, e largar aqueles que tiram o pior. É o que tenho tentado fazer para me manter tão sã quanto possível. É que, como disse Guimarães Rosa, “viver é um constante rasgar-se e remendar-se”. Também me remendo com a escrita poética e em prosa, pelo que em breve publicarei o meu primeiro livro.

http://www.psivalor.pt/