“A Fundação Ti Maria de Jesus foi criada à imagem de quem a inspirou”

A Fundação Ti Maria de Jesus nasceu formalmente em 2022, pelas mãos da família de Alexandra Luz, médica pediatra de formação. Sendo tão ligada à saúde e à importância da literacia nesta área, só fazia sentido que a fundação que homenageia a sua avó paterna se virasse para o apoio à comunidade, atitude que marcou a vida de Maria de Jesus, apoiando e desenvolvendo, de forma particular, projetos na área da Saúde.

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São 20 anos de prática clínica, 14 dos quais de especialidade. Que mudanças sentiu no mercado laboral, ao longo deste seu tempo de prática clínica?

Existe algum desconhecimento geral em relação ao próprio processo de formação médica. A licenciatura em medicina tem seis anos, sendo que o último já é um ano profissionalizante e depois ainda se segue um ano de
internato, a que se chama ano comum, onde passamos por diversas áreas e valências, integrando já as equipas, no meu caso entrei no hospital de Leiria tendo escolhido a especialidade de Pediatria. Aqui, é importante compreender que, na época em que estudei, toda a gente escolhia uma especialidade, era raro quem não tirava, porque, isso sim, era visto como a conclusão do processo de formação em Medicina – hoje, já não é assim, porque não compensa aos colegas estudarem uma especialidade clínica, já que, salarialmente, serão recompensados de forma semelhante a colegas que não têm especialidade.
Os que tinham melhores notas podiam escolher a especialidade que quisessem, outros tinham de optar por aquela onde lhes fosse possível seguir, academicamente. Assim, depois de escolhida a especialidade, seguiram-se mais cinco anos de trabalho e formação, que finalizam com o exame de saída da especialidade, que eu fiz em 2011,
tendo sido contratada pelo hospital de Leiria.
Estive lá até 2019, altura em que para mim se tornou impossível de conciliar o meu trabalho com a minha família. Sair não foi fácil, e abraçar a incerteza do futuro tampouco, mas senti-me sem alternativa. Mas, no final, acabei por encontrar e abraçar as minhas alternativas, dentro da prática da Medicina Privada e, agora, com as minhas funções na Fundação Ti Maria de Jesus.


Como surgiu a Fundação? Como é que ela entrou na sua vida?

Sou uma pessoa que se preocupa muito com a Literacia em Saúde. Não é só a Saúde que se está a degradar em Portugal, é a própria Educação também, e acredito que ambas andam de mãos dadas. Não se pode ter melhor qualidade numa se não houver melhor qualidade na outra. O que se nota é que, a par de toda uma diminuição ou dificuldade em aceder a conteúdos-base de informação em saúde – como saber o que fazer em caso de febre – a
transmissão de experiência que parecia existir antigamente perdeu-se. Os pais, atualmente, têm uma grande necessidade de encontrar respostas concretas, mas muitas vezes não sabem nem onde procurar, nem como interpretar o que encontram online.
Com o objetivo de responder a esta necessidade de informação e formação, procurei com a minha presença nas redes sociais e depois com o surgimento da Fundação, criar e difundir conteúdo que fosse acessível a todos – e na minha página pessoal há um conjunto de recursos de vídeos e artigos – que estão acessíveis a todos, de uma forma gratuita. Mesmo assim, a difusão deste conhecimento e a própria interpretação do mesmo nem sempre é fácil.
A Fundação surgiu nestes moldes igualmente pela procura em ajudar os outros e concretamente para mim, pela minha preocupação com a literacia e necessidade de investimento em Saúde, em Medicina Preventiva. Assinámos
a escritura em 2022, mas era um projeto que estava para acontecer há bastante tempo. Nasceu do propósito de os meus pais – particularmente o meu pai – querer homenagear a minha avó, sua mãe – Maria de Jesus. Ela era uma figura muito conhecida na sua terra (Maceira) por ajudar toda a gente, mesmo com os seus poucos recursos. Para mim, com a minha formação, fazia sentido criar alguma coisa que pudesse ajudar a Saúde e, como tal, ajudar a
criança, o adolescente e as suas famílias. Enquanto fundação, temos objetivos em relação à proteção e solidariedade social, à não violência/violência doméstica, mas o nosso objetivo principal é a proteção e a promoção da saúde da comunidade, particularmente das crianças e adolescentes.


Que tipo de pais é que temos nesta nova geração?

É um paradoxo interessante. Nós esforçamo-nos por dizer “podem andar descalços, porque não constipa”; “não coloquem os miúdos no banho quando estão com febre, porque isso não está recomendado”… Estamos a desfazer
uma quantidade de mitos em que as pessoas acreditavam e que, de certa forma, acalmavam alguns receios. Agora, há uma febre e toda a gente vai ao Google, encontra uma meningite e pronto, está feito o diagnóstico. Na realidade, e felizmente, a maior parte das doenças das crianças são autolimitadas, o que significa que a maioria delas não é grave. Ainda assim, é muito difícil manter os pais calmos, às vezes a situação resolve-se por si só, mas se nós não respondermos os pais entram em pânico. Raramente pensam que seja pouco grave e têm uma grande
necessidade de segurança externa.

O que se espera no que respeita à evolução da Fundação e à forma como se posicionam na comunidade e na sociedade?

Andamos passinho a passinho. Trabalhamos em prol do outro, mas temos de ter uma base de sustentação estável. Temos um protocolo assinado com a Associação para o Desenvolvimento Económico e Social da Marinha Grande,
relativamente a instituições de acolhimento, onde fazemos não só o suporte necessário de medicação e vacinas, mas também em termos de formação. Temos outro projeto em vias de acontecer com a saúde comunitária da Marinha Grande, com atividades relativas à promoção da saúde materna e infantil. E formação, pretendemos apostar muito na formação da comunidade, para que esta possa ser, por si própria, formadora, e educar os jovens para pensarem os problemas, refletirem sobre eles e encontrarem uma solução. Gostávamos de ser uma mais-valia na comunidade no sentido de fornecer ferramentas às pessoas para que consigam resolver as suas questões – relacionadas com saúde – de forma autónoma e informada. Conseguir isso seria excelente.

www.alexandraluzpediatra.com
@alexandraluzpediatra