O que o levou a especializar-se no acompanhamento de jovens, adultos, seniores e famílias por adoção? Como é que essa experiência influencia a sua abordagem clínica?
O trabalho que faço atualmente centra-se principalmente nos jovens-adultos (18-23 anos) e adultos (25-52 anos). É um público vasto e multicultural com uma grande diversidade de projetos e condições de vida, o que torna o trabalho mais estimulante e gratificante. Atendo pacientes e clientes em três consultórios na região da Grande Lisboa, nomeadamente: Loures, Lisboa/Saldanha, e Carcavelos. A dupla nacionalidade americana/
portuguesa permite o atendimento tanto em inglês como português. No estágio académico no âmbito do mestrado, e no estágio profissional da Ordem dos Psicólogos tive o privilégio de trabalhar com a população sénior, o que me despertou o interesse e a sensibilidade para com este grupo crescente. A afinidade para com as famílias de adoção surgiu naturalmente, uma vez que nós próprios somos uma família por adoção, já pela terceira vez. A proximidade pessoal do tema e uma grande falta de apoio especificamente direcionado para as questões e dificuldades particulares destas famílias têm impulsionado o meu percurso nesta área.
Pode contar-nos mais sobre o trabalho com famílias no processo de adoção?
A via da adoção comporta questões e desafios únicos que começam mesmo antes do processo formal (formações, questionários, entrevistas), questões ligadas aos candidatos, ao seu percurso individual ou em casal, aos traumas, às expectativas, aos medos e às idealizações. Para se poder mitigar alguns riscos ou aumentar
a taxa de sucesso dos processos, é recomendável trabalhar essas questões desde cedo. Numa segunda fase, em que os candidatos já foram aprovados e aguardam o emparelhamento do seu processo com uma criança, surgem outras dificuldades, associadas à ansiedade e angústia exacerbadas pelos longos períodos de espera. Finalmente, com a tão antecipada chegada da criança, surgem ainda maiores desafios, o confronto com a realidade e as necessidades específicas da criança em questão e da criança adotada em geral, que são muito distintas das de um filho biológico. Em cada uma dessas fases trabalhamos para gerir expectativas, e desenvolver as estratégias mais adequadas, quer na gestão própria, quer na parentalidade.
O que envolve a criação de um “projeto de vida tardia” e como é que isso impacta o bem-estar dos seniores?
Um dos maiores desafios sentido e partilhado pelos adultos seniores que tenho acompanhado é o da falta de um propósito. A sociedade moderna e a cultura subjacente assentam particularmente em pressupostos funcionais, económicos e produtivos, dos quais a população sénior se sente predominantemente excluída. Embora o trabalho desempenhe uma função estruturante essencial, ele não é a única medida de valor e relevância de uma pessoa, pelo que se procura compreender, aceitar e dinamizar a situação particular de cada um, de acordo com as suas capacidades ou limitações físicas, cognitivas e emocionais, promovendo o envelhecimento ativo, com realizações, conquistas e prazeres adequados à sua condição.
Como aborda o acompanhamento de pessoas com perturbação de personalidade borderline e o luto?
A perturbação de personalidade borderline é uma condição complexa e com uma grande amplitude na tipologia e intensidade dos sintomas reportados. As características particulares desta perturbação exigem uma abordagem individualizada muito específica, que começa habitualmente com uma avaliação e redução do risco ou dos comportamentos autolesivos. Tratando-se de uma perturbação da personalidade, a expectativa correta não é a da cura, mas sim a redução dos sintomas agudos, do sofrimento e do mal-estar geral, bem como a capacitação
em torno de objetivos pessoais. A abordagem assenta principalmente na compreensão, aceitação, reforço da autoestima, autoafirmação e regulação emocional. A experiência da perda e o luto associado são invariavelmente comuns a todos nós em algum momento, por isso é frequente surgir na clínica. Também aqui a compreensão e aceitação, bem como a integração desses factos, descrevem a abordagem.
Como avalia o papel da Psicologia no apoio à diversidade de género e orientação sexual? Vê uma maior aceitação da sociedade portuguesa nestes temas?
A Psicologia desempenha um papel essencial e multifacetado, por exemplo ao nível da investigação dos fenómenos, promovendo uma maior compreensão e aceitação; ou ao nível da intervenção terapêutica com vista
à redução do sofrimento e à afirmação positiva do indivíduo em todas as suas dimensões. O que temos observado de forma mais ou menos generalizada nos últimos anos é uma maior aceitação relativamente a estas questões, tanto em Portugal como na maioria dos países. Este é sem dúvida um movimento positivo e desejável, no entanto, deve-se acautelar que a aceitação não se torne uma banalização que possa resultar na normalização do sofrimento.
danielmira.psicologia@gmail.com