A Europa atravessa, atualmente, um dos seus períodos mais complexos. A que se deve esta maior dificuldade de entendimento entre os 27?
A primeira razão é aquela que mencionou – os últimos anos têm sido difíceis. A Europa foi confrontada com uma pandemia, e neste momento está confrontada com duas guerras na sua vizinhança. Tem sido um período exigente, que já vinha de trás, de todas as crises que a Europa foi vivendo desde a queda do Lehmann Brothers, em 2008, bem como as outras crises que se sucederam. Os líderes europeus têm consciência de que estamos num ponto de inflexão, onde é preciso tomar medidas muito difíceis e que, por sermos 27 países, é difícil alcançar consenso em algumas questões. A segunda razão é a falta de liderança. Em muitos países europeus
os líderes não têm discursos verdadeiros com a sua sociedade civil, explicando a exigência do momento e as medidas que terão de ser tomadas. Creio que a combinação destes dois fatores faz com que este consenso – a que eu chamo o “consenso mínimo europeu” e que corresponde a um nível de concordância básico entre todos os países, relativamente a aspetos basilares do projeto europeu – esteja a desaparecer. Tal deve-se ao momento exigente que atravessamos, à falta de lideranças fortes e ao crescimento de partidos eurocéticos, à direita e à
esquerda do espectro político, que provoca uma incerteza sobre quem somos e para onde queremos ir enquanto europeus e abre espaço à discussão sobre a razão de ser da União Europeia.
Com a guerra na Ucrânia, vieram os pacotes de sanções europeias à Rússia. No entanto, estas sanções são verdadeiramente eficazes? Corremos o risco de ter a União Europeia a desenvolver pacotes de sanções, por um lado, e a adquirir produtos que são essenciais, por outro?
Vamos centrar-nos na questão da energia, que é a mais essencial. Por um lado, a União Europeia não tinha outra hipótese a não ser sancionar a Rússia. Por outro, a dependência europeia do gás e petróleo russos era demasiado elevada para a terminar subitamente. Note-se que desde o começo da guerra, os Estados-membros gastaram cerca de 195 mil milhões de euros em combustíveis fósseis vindos da Rússia, um valor que tem vindo a crescer mais devagar, mas ainda assim mais elevado do que os apoios europeus à Ucrânia, que se cifram à volta de 150 mil milhões de euros, até ao momento. Isso mostra que a Rússia ainda está a ganhar com este relacionamento comercial. No entanto, a ideia fundamental da União Europeia é acabar com este nível de dependência da Rússia, daí ter-se apresentado o plano RePower EU.
Quais as áreas fundamentais em que a Europa tem de apostar, e que integram também as prioridades de Ursula von der Leyen, no seu segundo mandato?
Há quatro áreas principais para Von der Leyen, três das quais referidas pelo senhor Mario Draghi, no seu relatório: a inovação – temos de conseguir continuar a competir com os EUA e a China, sobretudo no que se refere a tecnologias de ponta. O segundo aspeto é reconciliar a descarbonização com a competitividade, de forma a obter uma competitividade verde. A segurança energética será fundamental nesta área. O terceiro
aspeto que Mario Draghi destaca é a segurança e a redução de dependências externas, ou seja, a União Europeia terá de conseguir criar resiliência e autossuficiência em alguns produtos e matérias-primas, e ao mesmo tempo reduzir as dependências que tem. Neste contexto, o relatório Draghi concentra-se também na indústria de defesa europeia e na sua fragmentação, na necessidade que há de os europeus investirem mais e melhor e em conjunto na sua segurança e defesa. Estas serão as três grandes prioridades, para as quais, segundo os cálculos apresentados por Mario Draghi, serão necessários 800 mil milhões de euros anualmente. Este valor vai ser
um dos motivos de maior debate em Bruxelas, porque é necessário perceber se vamos conseguir mobilizar esses fundos todos ou se teremos que deixar algum destes pontos estratégicos de fora. Estes consensos são dificílimos de alcançar. A quarta área é a preservação do nosso modelo político e social, de democracias e Estados de Direito.
Como se deve posicionar a União Europeia relativamente às eleições nos EUA, caso Trump saia vencedor? Isso terá impacto no posicionamento europeu sobre ajuda à Ucrânia?
É do interesse europeu manter a relação transatlântica estável e positiva entre os dois lados do Atlântico, mas parece-me que devemos começar a pensar que, independentemente de quem ganhe as eleições norte-americanas, a Europa não voltará a ter um presidente dos EUA tão pró-europeu como foi Joe Biden. É importante que fique claro para os europeus que seremos responsáveis por dar mais apoio à Ucrânia, porque temos de entender este como um problema existencial para a Europa e assumir, simultaneamente, muito mais responsabilidade sobre a nossa defesa. Parece-me que é melhor fazer isto mais cedo e por iniciativa própria do que andar a reboque da realidade.