Como a identidade profissional das mulheres ainda precisa de ser construída

Mariana Aires de Abreu é advogada, especialista em Direito Financeiro, Bancário e Societário. Mulher ambiciosa e que se dedica ao trabalho a mais de 100%, assume que nunca sentiu nenhum preconceito ou maior dificuldade por ser mulher num mundo profissional de grande exigência, mas reconhece as diferenças ainda existentes entre homens e mulheres, a nível de oportunidades profissionais.

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Está a completar 20 anos de carreira na Advocacia. Como caracteriza este percurso? Como é que vê esta evolução do mercado relativamente às mulheres?

Desde o início, trabalhei nas áreas de Direito Financeiro, Bancário e Societário – domínios exigentes, requerem rigor e resiliência, especialmente face à constante evolução regulatória dos últimos 15 anos. Passei muitos anos em escritórios de advogados e instituições bancárias. É neste último setor que mais se sente o peso do género: a Banca continua, em grande parte, a ser um universo dominado por homens. Embora existam muitas mulheres, o caminho ainda é desafiante. Tenho plena consciência de que a questão de género é importante e não pode ser ignorada. No entanto, pelo meu perfil e forma de estar, não permito que este tema domine a minha atitude ou condicione a forma
como atuo. Isso permite-me, muitas vezes, contornar os obstáculos e seguir em frente sem me deixar afetar por determinadas atitudes ou contextos.
Na última experiência profissional que tive num banco, comecei por montar a equipa jurídica, acabei por acumular com o cargo de Direção de Compliance e, antes de sair, já estava em processo de avaliação pelo Banco de Portugal para integrar o Conselho de Administração. Esta progressão reflete como, apesar dos desafios, a dedicação ao trabalho e à construção de um ambiente de confiança e resultados pode levar à evolução e à conquista de posições de liderança. Não nego que vivi situações desconfortáveis, em que alguns homens revelaram dificuldade em lidar comigo. Isso mostra que, em determinados ambientes, o género ainda tem algum peso.

Quais os valores por que rege o seu trabalho? Que características suas coloca diariamente na forma como leva a cabo o seu trabalho?

Em primeiro lugar, a integridade. Fazer as coisas com honestidade e transparência é a base da minha atuação. A seguir, o compromisso: tenho um compromisso acima de 200% com os projetos onde estou inserida e, sobretudo, com a minha equipa. Isso leva-nos ao outro valor, que é a conf iança. Eu tenho uma relação de confiança muito, muito, muito grande com a minha equipa. Quanto mais confiança deposito, mais autonomia lhes dou e mais responsabilidade lhes exijo. Tudo isto com uma grande dose de empatia. O meu objetivo é formá-los, dar-lhes as ferramentas necessárias para que saibam resolver problemas e evoluir até ao ponto em que já não precisem de mim. Não tenho medo nenhum disso, nem trabalho para ser insubstituível, pelo contrário.

Algumas mulheres ainda trabalham para não serem substituídas?

Sim, muitas mulheres adotam essa postura como mecanismo de defesa, num ambiente ainda marcadamente masculino. No mercado de trabalho, as mulheres são, muitas vezes, “construídas”: moldam-se para responder às
exigências, provar valor e conquistar espaço. Isso contrasta com os homens, cuja presença tende a ser mais naturalizada. Acredito que as mulheres, por natureza, são mais empáticas, sensíveis e sociáveis, enquanto os homens tendem a ser mais objetivos e racionais.
No entanto, no contexto profissional, estas características femininas ainda são, por vezes, associadas a fraqueza – o que leva muitas mulheres a afastarem-se do seu perfil original. Felizmente, isso está a mudar. Hoje, é cada vez mais comum ver mulheres a assumirem que são mães, que praticam desporto, que têm hobbies – e a continuarem a
sua evolução profissional. Integro o Comité de Igualdade da Andersen, o que me tem permitido ouvir testemunhos muito diversos de outras mulheres, com percursos e desafios bastante diferentes dos meus.
É evidente que nem todas enfrentamos os mesmos obstáculos, e há contextos profissionais em que as barreiras continuam a ser mais difíceis de ultrapassar. Nesse sentido, a existência de comités dedicados a temas como a igualdade de género assume um papel fundamental. Para além de permitirem uma reflexão estruturada e contínua sobre estas questões, são também um instrumento eficaz na promoção de uma mudança cultural e de mentalidades dentro das organizações.