Mulheres de Valor: a Advocacia no feminino

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Porque é que ainda não temos homens a pedir licença de parentalidade?

Ainda contamos com mentalidades e crenças culturais arreigadas de que o homem deve ser o provedor financeiro e, por consequência, a mulher dever ser cuidadora da família. Não obstante, o papel do pai tem sido priorizado na legislação laboral e uma série de medidas têm sido objeto de discussão. Recentemente, presenciamos um corromper de arquétipos neste âmbito, nomeadamente com o aumento da licença de parentalidade, alterado pela Lei n.º 13/2023, de 03 de abril. Contudo, o mercado de trabalho não tem acompanhado as alterações legislativas, isto porque, ainda é exigido ao trabalhador uma total disponibilidade, bem como horas extraordinárias, práticas que não se compaginam com a vida familiar. E, fruto dessas crenças, este é um direito pouco consolidado e visto como uma escolha. Para tal, é fundamental remover esses obstáculos para que as responsabilidades parentais se aproximem de uma visão igualitária.

Estará este preconceito a esbater-se com as gerações mais novas?

Os profissionais cada vez mais têm preferência por um escritório ou uma empresa que proporcione um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, o denominado work life balance. Neste sentido, a conciliação destes dois segmentos da vida de um trabalhador já não se prende tanto com o género e, agradavelmente, tem se verificado uma tendência positiva, tanto da parte de quem legisla e adota políticas públicas de apoio à parentalidade, como de quem usufrui dessas mesmas medidas. Essa mudança cultural reflete uma compreensão mais ampla de que a parentalidade é uma responsabilidade compartilhada e que os homens têm igualmente o direito e o dever de assumirem um papel ativo na vida dos seus filhos.   

Quais são os atuais desafios em ser uma Advogada em 2024?

Segundo os dados mais recentes publicados pela DGPJ, no ano de 2022, num total de 35 432 Advogados inscritos na Ordem dos Advogados, 19 817 eram mulheres e, em contrapartida, apenas 15 615 eram homens. É certo que estes dados são o desígnio das reivindicações que foram sendo logradas, todavia, não são sinónimo da ausência de desigualdades na advocacia. Quanto aos desafios que enfrentamos, já não falamos do acesso à profissão que até 1913 nos era vedado, falamos, outrossim, da conciliação da vida profissional com a vida pessoal, da progressão na carreira, da igualdade de oportunidades, da igualdade salarial, assim como do acesso a cargos superiores. A Advocacia foi, em tempos, uma profissão predominantemente masculina e, como tal, ainda encontramos resquícios de crenças profundamente enraizadas e que já não se coadunam com a atualidade. Constantemente colocam a nossa capacidade de decisão e de distanciamento à prova ou, caso sejamos mães, colocam em causa o nosso comprometimento e dedicação, o que implica estar em constante provação daquilo que é o nosso valor e as nossas competências. A acrescer a isto, diversas vezes, a Advogada que é mãe enfrenta o desafio de depender da sensibilidade, cortesia e boa vontade dos Colegas e Magistrados, no que toca ao adiamento de julgamentos, porque, pura e simplesmente, não tem o direito a pedir dispensa para amamentação ou para assistência a filho doente, nem conta com qualquer apoio em caso de gravidez de risco. É crucial desconstruir a crença de que ser boa profissional e ser mãe são realidades distintas e, por consequência, implementar medidas para que seja possível às Advogadas compaginar os seus projetos familiares com os seus projetos profissionais. Como tal, ser Advogada em 2024 significa percorrer um longo caminho de desconstrução de preconceitos e estereótipos.        

Temos uma progressão de carreira justa no setor da advocacia?

Apesar  de  a  Advocacia  ser  uma  profissão  que  procura  e  zela  pela  justiça  e  pela igualdade, o mesmo não se verifica no cerne da própria profissão. São raros os casos em que temos mulheres a ocupar cargos de topo em grandes sociedades de advogados. Mesmo nos escritórios e empresas em que a meritocracia predomina, nem sempre nos são proporcionadas as mesmas oportunidades e somos forçadas a estar em constante provação para confirmarem e reconhecerem as nossas aptidões. E, apesar do progressivo domínio da mulher na Advocacia, não são raros os casos em que, na hora de escolher um profissional para ocupar um cargo de topo, a mulher é preterida e a meritocracia é colocada em segundo plano. Representativo dessa preterição é precisamente o cargo mais alto da Ordem dos Advogados – o cargo de Bastonário – uma vez que, desde 1927, apenas contamos com três bastonárias, a Dra. Maria de Jesus Serra Lopes, a Dra. Elina Fraga e, atualmente, a Dra. Fernanda de Almeida Pinheiro. O mercado de trabalho e, infelizmente, o mundo em geral, ainda estão demasiado formatados e associam um perfil de liderança a certas características tendencialmente masculinas. Essa pouca recetividade e progressão na carreira tem como único e mero argumento o facto de, um dia, a mulher poder vir a construir família. É certo que a Advocacia não é uma profissão que se esgota nas oito horas diárias de trabalho e implica longas horas de estudo, formação e preparação. Mas, o facto de uma mulher estar grávida ou ser mãe, não se traduz, de forma alguma, numa Advogada com menos capacidades, sem dedicação e disponibilidade e, muito menos, sem ambições profissionais. A progressão na carreira não é, de todo, justa. Tanto na Advocacia, como noutras áreas, as mulheres enfrentam desafios que não são colocados aos homens, isto porque, em momento algum um homem é questionado das suas pretensões em constituir família ou cogita abandonar ou prescindir da sua profissão em prol da família e dos filhos e, muito menos, isso lhes é imposto. Nesse sentido, ainda há um longo caminho a percorrer para que reconheçam e valorizem o trabalho da mulher e, enquanto Advogada e mãe, a mesma exerça a sua profissão com dignidade, respeito e igualdade de oportunidades. É concludente adotar medidas e políticas de trabalho por forma a soçobrar esse estigma e romper com expetativas de género enraizadas.  

Qual a sua mensagem para as jovens advogadas que pretendem exercer e prosseguir as suas carreiras em Portugal?

Eu própria sou uma jovem advogada e, por isso, estou numa luta diária pelo meu crescimento como tantas outras colegas. O principal óbice que verifico é precisamente a minha idade ou aparência jovem que associam a alguém menos experiente e credível. Sem embargo, diariamente, procuro adotar uma postura responsável, rigorosa e de confiança, para que, desta forma, consiga suprimir com esse preconceito. Ademais, procuro adotar uma visão positiva da minha função enquanto jovem Advogada. Acredito que, apesar dos desafios que enfrentamos, também temos nas nossas mãos a oportunidade de romper com paradigmas e mudar a narrativa. Somos a geração que tem a opção de construir e educar uma sociedade menos preconceituosa, mais justa e igualitária e, com isso, transformar a advocacia. Está ao nosso alcance construir e garantir uma justiça verdadeiramente representativa, inclusiva e equitativa, cumprindo, assim, aquilo que são os ideais da nossa profissão.